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Luva que devolveu emoção de tocar a João Carlos Martins custa R$ 750

Bira criou para que o maestro João Carlos Martins voltasse a tocar piano - Thiago Varella
Bira criou para que o maestro João Carlos Martins voltasse a tocar piano Imagem: Thiago Varella

Mirthyani Bezerra

Colaboração para Tilt

29/09/2020 15h29

O vídeo em que o maestro João Carlos Martins, 79, aparece em lágrimas tocando piano fez um cisco cair no olho de toda a internet. O vídeo, postado no Instagram do músico na terça passada (22), já obteve mais de 132 mil visualizações até a publicação desta notícia.

Uma coisa importante é que o produto não custa uma fortuna. Seu criador disse ter gastado cerca de R$ 500 por protótipo. Ele criou um site para vende-las sob encomenda: luvasleb.com.brLEB é a sigla para Luvas Extensoras Biônicas. Lá, custam a partir de R$ 749 cada uma, fora frete.

O maestro havia perdido o movimento dos dedos e se aposentado definitivamente dos pianos, mas duas luvas biônicas desenvolvidas pelo designer de produtos Ubiratan Bizarro Costa, o Bira, 55, devolveram a ele não só o movimento dos dedos, mas o poder de voltar a tocar.

Engana-se quem pensa que as luvas desenvolvidas por Bira são artigos de luxo. Feitas de neoprene, hastes de aço mola e uma placa de fibra de carbono, as luvas foram impressas em 3D.

Em entrevista dada a Tilt no começo desse ano, Bira disse acreditar que uma produção em larga escala faria o preço cair ainda mais, já que toda a tecnologia é baseada na "filosofia do minimalismo", ou seja, usando o mínimo de peças, de maneira simples, acessível e, sobretudo, barata.

"O maestro me disse que eu ainda vou ganhar muito dinheiro com essas luvas. Ele contou que pianistas que sofrem de distonia focal (um distúrbio muscular que costuma afetar músicos profissionais) vão querer comprar minhas luvas", brincou Bira, no começo do ano.

A dinâmica por trás do funcionamento das luvas também é bem simples. Para ajudar o maestro a flexionar os dedos, as hastes pretas que ficam sobre os dedos dele funcionam como molas. Assim, quando ele pressiona a tecla do piano para baixo, as hastes "empurram" os dedos dele para cima, fazendo com que eles voltem à posição normal e estejam prontos para pressionarem outras teclas do piano.

"Eu não sei te explicar, mas essa engrenagem fez com que, ao dedilhar o piano, meus dedos fossem e voltassem à posição normal. Antes, minhas mãos ficavam sempre fechadas", disse o pianista em entrevista à Folha.

Desde que recebeu as luvas de presente —isso mesmo, Bira ofereceu o par ao maestro sem pedir nada em troca—, Martins tem inundado o edifício em que vive, no bairro do Jardins, em São Paulo, com música.

O músico havia perdido o movimento dos dedos após incidentes causarem problemas suas duas mãos. O primeiro deles aconteceu em 1965, quando ele caiu durante uma partida de futebol no Central Park, em Nova York, o que mais tarde gerou uma atrofia em três dos seus dedos. E uma pancada durante um assalto afetou a ligação do cérebro com sua mão direita.

Os impactos desses acontecimentos provocaram sequelas nas mãos do maestro, que morria de dor quando tentava movimentar os dedos.

No ano passado, ele decidiu fazer uma cirurgia que o impossibilitaria de vez de tocar piano, inclusive usando apenas os polegares, como ele ainda costumava tocar. Ele parecia conformado com esse destino, quando Bira apareceu na sua vida.

Nasce um sonho

Foi pelo programa "Fantástico", da TV Globo, que Bira conheceu a história de Martins. O maestro tocava pela última vez, anunciando que se aposentaria definitivamente como pianista. Bira ficou com aquela história na cabeça e decidiu fazer algo sobre. Ele imaginou ser possível desenvolver luvas que pudessem fazer o músico voltar a tocar piano de alguma maneira.

Para elaborar o primeiro protótipo, o inventor usou diversos vídeos de Martins ao piano para tentar entender como as mãos do maestro funcionavam. Mas o primeiro teste nas mãos do músico não deu nada certo.

Depois de esperar muito tempo na calçada, Bira conseguiu entrar no camarim do maestro após uma apresentação dele em Sumaré, no interior de São Paulo, para lhe entregar as luvas pretas. Apesar de ter pensado que Bira era uma daquelas figuras estranhas que prometiam curas milagrosas e de a engenhoca não ter funcionado de cara, o maestro ficou intrigado com a invenção que tinha nas mãos.

Martins convidou Bira a visitar seu apartamento e foi aí que o designer de produtos pode finalmente entender como o pianista movimentava suas mãos e dados. Depois de uma cirurgia realizada em 2018, que enfim acabou com uma dor persistente que sentia desde 1965, o maestro conseguia fechar os dedos, mas não tinha forças para abri-los.

Bira voltou para casa determinado a fazer um novo protótipo. Já na terceira versão, Martins conseguiu voltar ao piano para tocar uma música usando quase todos seus dedos.

Os próximos passos

Bira nunca conseguiu ganhar dinheiro com as coisas que ele inventou, mas sonha em conseguir comercializar as luvas em larga escala. Quer fazer uma parceria com alguma indústria capaz de produzi-las.

No caso das luvas, o maestro João Carlos Martins até quis pagar Bira, já que, a invenção, neste caso, foi praticamente um milagre para o músico, já conformado em nunca mais tocar piano. Mas, para ele, elas foram um presente.