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Não estamos sós? Cientistas encontram evidências de vida em Vênus

A fosfina foi detectada na superfície de Vênus - Jaxa/Isas/Akatsuki Project Team
A fosfina foi detectada na superfície de Vênus Imagem: Jaxa/Isas/Akatsuki Project Team

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt

14/09/2020 12h06Atualizada em 15/09/2020 11h12

Poderia haver vida no nosso vizinho mais próximo, Vênus? Pois um time internacional de astrônomos detectou evidências de atividade microbiana na atmosfera do planeta. A impressionante descoberta foi divulgada nesta segunda-feira (14), em uma transmissão da Royal Astronomical Society no YouTube.

A pesquisa também foi publicada na revista Nature Astronomy. Liderada por Jane Greaves, da Universidade de Cardiff (País de Gales), o estudo é uma cooperação entre cientistas de diversas instituições do Reino Unido, dos Estados Unidos e do Japão, incluindo o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na sigla em inglês), que divulgou o vídeo abaixo (em inglês).

A descoberta foi feita com ajuda do JCMT (Telescópio James Clerk Maxwell), no Havaí, e do Alma (Observatório Grande Matriz Milimétrica do Atacama), no Chile.

Eles não encontraram vida venusiana diretamente, mas sim uma importante evidência: a presença de fosfina (hidreto de fósforo, PH3). Nas grandes quantidades em que foi encontrado, o gás pode ser resultado de processos biológicos e, consequentemente, de seres vivos.

"Este foi um experimento feito por pura curiosidade, na verdade —aproveitando a poderosa tecnologia do telescópio e pensando em instrumentos futuros. Achei que seríamos capazes de descartar cenários extremos, como nuvens recheadas de organismos. Quando descobrimos os primeiros indícios de fosfina no espectro de Vênus, ficamos em choque!", disse a líder da equipe Jane Greaves, da Universidade de Cardiff, em nota à imprensa.

"Ao longo de toda a minha carreira, me interessei pela busca de vida em outro lugar do Universo, então estou impressionada que isso seja possível", disse Greaves à BBC. "Mas, sim, estamos genuinamente encorajando outras pessoas a nos dizer o que podemos ter deixado passar. Nosso estudo e dados são de acesso aberto; é assim que a ciência funciona."

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Impressão artística de Vênus, com uma inserção mostrando uma representação das moléculas de fosfina detectadas nas altas nuvens
Imagem: ESO / M. Kornmesser / L. Calçada & NASA / JPL / Caltech

"Estamos procurando por sinais de vida em exoplanetas, procurando por gases que não esperamos que estejam lá, e há muitas missões em busca de sinais potenciais de vida em nosso próprio Sistema Solar", disse a professora Sara Seager, astrofísica do MIT e uma das participantes do estudo, em seu perfil no Twitter.

"É muito difícil provar uma [evidência] negativa", diz Clara Sousa-Silva, pesquisadora do Departamento de Ciências da Terra, Atmosféricas e Planetárias (EAPS, na sigla em inglês) do MIT, ao site da instituição. "Agora, os astrônomos pensarão em todas as maneiras de justificar a fosfina sem vida, e eu dou boas vindas a isso. Por favor, façam isso, porque estamos no fim de nossas possibilidades de mostrar processos abióticos que podem produzir fosfina", explica

"Isso significa que isso é vida ou é algum tipo de processo físico ou químico que não esperamos que aconteça em planetas rochosos", acrescenta o coautor e cientista pesquisador da EAPS, Janusz Petkowski.

O astrônomo Marcelo Borges Fernandes, pesquisador do Observatório Nacional dedicado aos estudos de astrobiologia, comemora o anúncio.

"A detecção de fosfina na alta atmosfera de Vênus e uma possível explicação biológica para ela devem abrir as portas para novos caminhos na busca de vida no Universo. Apesar de já terem sido considerados diferentes ambientes para a existência de vida, o foco principal tem sido na busca de planetas com ambientes similares aos encontrados na Terra", explica.

Portanto, a possível existência de vida em Vênus expandiria o nosso conhecimento sobre os limites onde podemos encontrar vida e isso seria fascinante! Entretanto, mais observações e modelos teóricos são necessários para confirmar e entender como poderia haver vida em um ambiente tão extremo
Marcelo Borges Fernandes, pesquisador do Observatório Nacional

Segundo o astrônomo Thiago Signorini Gonçalves, astrônomo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e colunista de Tilt, a descoberta é muito importante mas é preciso cautela, pois não significa ainda a comprovação de vida alienígena.

"A própria equipe de cientistas está sendo muito cuidadosa em como trata os resultados. O grupo dedicou muito tempo a buscar origens cada vez mais exóticas para a fosfina, como por exemplo uma faísca produzida pelo atrito entre placas tectônicas. Nenhuma hipótese, no entanto, foi capaz de explicar a abundância fosfina observada, diz, em sua coluna desta segunda-feira.

Ainda assim, Gonçalves está animado. "Provar que não encontramos vida em outro planeta nesse caso é muito difícil, porque seria necessária saber todas as outras possibilidades, mas o que vimos hoje é uma descoberta robusta de um fenômeno que não conseguimos explicar de outra forma", argumenta.

A fosfina é um gás incolor altamente tóxico e malcheiroso. Na Terra, é produzido apenas por microrganismos, de forma anaeróbia (sem a presença de oxigênio), por isso é uma "bioassinatura". Por aqui, a única outra maneira de consegui-lo é em laboratório. Mas, em Vênus, poderia ser resultado de outros processos naturais desconhecidos.

Vênus é o planeta mais próximo e mais parecido com a Terra no Sistema Solar. Mas, seu ambiente é superquente e hostil: a superfície acidentada, com rios de lava, beira os 470 °C —suficiente para derreter chumbo. O ar tem alta concentração de dióxido de carbono (97%), nuvens de ácido sulfúrico, chuva ácida, ventos de 724 km/h e pressão capaz de esmagar ossos.

É o último lugar em que imaginaríamos encontrar vida. Mas, cerca de 50 km acima do solo, as condições são parecidas com a da Terra, adequadas para a vida. É lá que está a fosfina. Então pode haver venusianos microscópicos na atmosfera no planeta.

Há bilhões de anos, Vênus pode ter tido oceanos que abrigariam vida, como na Terra. Cientistas acreditam que, com o aquecimento e hostilização do ambiente, essa vida teve de se adaptar. E se mudou para o ar, uma espécie de envelope habitável.

Os cientistas analisaram os dados por mais de seis meses até se convencerem da presença do gás. E testaram diversos cenários em que ele pudesse ser produzido em larga escala sem a presença de vida, como com luz do sol, minerais, vulcões e trovões. Todos deram negativo. Como Vênus quase não tem oxigênio em sua atmosfera, é mais um indicativo de que organismos anaeróbios possam estar envolvidos.

Nos últimos anos, estudos mostraram que, se fosfina fosse encontrada em algum outro planeta rochoso, seria uma prova de vida. Mas ainda há muito a ser estudado antes de podermos afirmar isso. Os pesquisadores irão fazer mais observações de telescópio, pesquisar as variações de concentração do gás e procurar outras substâncias associadas à vida.