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Quem é Sarah al-Amiri, a mulher que colocou os Emirados rumo a Marte?

Sarah al-Amiri, 33, ministra das Tecnologias Avançadas dos Emirados Árabes Unidos e líder da missão Esperança  - Reprodução/Twitter/UAE Embassy US
Sarah al-Amiri, 33, ministra das Tecnologias Avançadas dos Emirados Árabes Unidos e líder da missão Esperança Imagem: Reprodução/Twitter/UAE Embassy US

Mirthyani Bezerra

Colaboração para Tilt

12/09/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • Jovem engenheira de 33 anos liderou a missão Esperança dos Emirados
  • Sonda deve chegar em fevereiro de 2021 para estudar o planeta
  • Ela é a primeira mulher liderar o Ministério das Tecnologias Avançadas
  • Nos Emirados, 70% dos estudantes de graduação são mulheres
  • A sucesso da missão vai celebrar os 50 anos dos Emirados Árabes Unidos

Sarah al-Amiri se lembra do exato dia em que ouviu pela primeira vez que a agência espacial dos Emirados Árabes Unidos estava considerando mandar um veículo espacial para Marte, o primeiro do mundo árabe. Era 21 de novembro de 2013, dia do lançamento do Dubai Sat-2, o segundo satélite desenvolvido pelo Instituto de Ciência e Tecnologia Avançadas do país, onde al-Amiri até então trabalhava como engenheira de software.

Aquele dia foi um divisor de águas na carreira da jovem cientista, hoje com 33 anos. Seis anos e alguns meses depois, foi ela quem comandou a missão que enviou para Marte, no final de julho, a sonda al-Amal (ou Esperança, em português).

A façanha conduziu os Emirados Árabes para o seleto grupo de países que já enviaram sondas para estudar o planeta vermelho. Sarah al-Amiri também é a primeira mulher a comandar o Ministério das Tecnologias Avançadas dos Emirados Árabes Unidos.

A sonda deve chegar a Marte em fevereiro do ano que vem e orbitará o planeta com dois objetivos. O primeiro é reunir dados sobre a atmosfera marciana ao longo de um ano inteiro —que correspondem a dois anos terrestres—, e assim entender melhor sobre o clima e o tempo em Marte e as suas variações. O segundo é fazer dos Emirados Árabes Unidos, país com economia baseada no petróleo, em uma nação produtora de conhecimento e tecnologia.

"[23 de novembro de 2013] Foi o primeiro dia que eu ouvi que os Emirados Árabes Unidos estavam considerando um projeto Marte, um projeto de exploração interplanetária. Tudo voltou com força: 2.5 milhões [de anos luz], Andromeda. Explorar planetas era o que eu queria fazer em algum ponto da minha vida", disse durante o TEDx Talks, em 2017.

Sonho de menina

Galáxia Andrômeda, "vizinha" da Via Láctea - Science Photo Library - Science Photo Library
Galáxia Andrômeda, "vizinha" da Via Láctea
Imagem: Science Photo Library

Quando tinha 12 anos, Sarah al-Amiri viu pela primeira vez a imagem de Andrômeda, a galáxia mais próxima da nossa Via Láctea, e ficou fascinada ao saber que se aquele amontoado brilhante ficava a 2,5 milhões de anos-luz da Terra. A pequena Sarah não fazia ideia do que significava "ano-luz".

"Para mim, luz é o que eu estou vendo aqui agora, e anos é tempo. Como algo está distante a 2,5 milhões de anos-luz de onde estamos agora? (...) Eu realmente quis estudar aquela ciência", questionou durante o TEDx.

A unidade de distância —definida como a distância percorrida pela luz no tempo de um ano— despertou na pequena Sarah o interesse pelas Ciências Exatas. Como o seu país nunca havia investido em pesquisa espacial, enveredou pelo mundo da programação, sua "segunda paixão". Ingressou no curso de Ciências da Computação na Universidade Americana de Sharjah, onde também fez uma especialização na área, sem nunca imaginar que seu sonho de menina se concretizaria.

Foi como engenheira de software que ela conseguiu seu primeiro emprego no Instituto de Ciência e Tecnologia Avançadas dos Emirados Árabes Unidos, em 2009.

"Eu me juntei à equipe completamente por acaso, eu não fazia ideia de que eles existiam. Provavelmente eu não tinha tempo de ler jornais", brincou durante o TEDx. "Eu percebi na primeira semana que eles estavam trabalhando no setor espacial. Eu tinha um sonho de, em algum ponto da minha vida, trabalhar com o espaço", completou.

Cientistas trabalham na sonda chamada "Al Amal" (Esperança) - Divulgação - Divulgação
Cientistas trabalham na sonda chamada "Al Amal" (Esperança)
Imagem: Divulgação

Jantares em frente ao computador

A jovem Sarah fez parte da equipe que desenvolveu os três primeiros satélites que os Emirados Árabes Unidos lançaram no espaço e foi nomeada chefe do Conselho de Ciência dos Emirados em 2016. Um ano depois, virou ministra das Tecnologias Avançadas. Ela participou de todo o processo de elaboração da missão que o país levaria a Marte.

"Nós tivemos aproximadamente 100 dias para apresentar a ciência da missão. Geralmente, missões de exploração planetárias levam cerca de dez anos para serem desenvolvidas (...). Você vai mandar um orbitador, um pousador, uma sonda para outro planeta. O que eles vão fazer? É sobre isso que cientistas se debruçam e começam a desenvolver a espaçonave", explica.

Como os cientistas tiveram apenas seis anos para elaborar a missão emiradense— porque o governo quer fazer da chegada do al-Amal um presente de aniversário dos 50 anos dos Emirados Árabes Unidos —, a equipe precisou correr contra o tempo para definir os porquês de levar uma sonda a Marte e os meios de se fazer isso.

No processo, al-Amiri se viu em intermináveis reuniões noturnas que cabiam no fuso horário de cientistas internacionais que elaboraram a missão com os Emirados Árabes Unidos. O projeto é gerido pela agência espacial emiradense, com integração do Centro Espacial Mohammed bin Rashid, de Dubai, em parceria com a Universidade do Colorado em Boulder, Universidade Estadual do Arizona e Universidade da Califórnia em Berkeley, todas dos Estados Unidos.

"Quando a maioria das pessoas estava jantando com a sua família, amigos ou até em frente à televisão, eu jantava em frente a um laptop com discussões sobre ciências e sobre conversas a respeito de uma área em que eu tinha apenas ingressado", contou al-Amiri.

Única mulher na sala? Não nos Emirados

Foi apenas em reuniões com entidades internacionais que Sarah al-Amiri se viu como a "única mulher na sala". Ela contou em entrevista a Scientific American, em 2016, que no seu país nunca foi um desafio para ela ser uma jovem cientista mulher.

"A maioria dos cientistas graduados nos Emirados são mulheres. (...) Nós não vemos a mesma tendência de desigualdade [de gênero] que você vê globalmente. Ironicamente, foi quando nós nos reunimos com entidades internacionais que eu sou a única mulher na sala", contou.

Citando o ranking da Times Higher Education, o governo emiradense afirma que 77% dos estudantes de cursos de ciências da computação e 44,5% dos de engenharia são mulheres no país. Também é o caso de 70% dos estudantes de graduação emiradenses, embora a representação feminina na força de trabalho dos Emirados, em geral, seja de 28%.

Especificamente sobre a missão Esperança, os Emirados Árabes Unidos afirmam que 34% da equipe é composta por mulheres, assim como 80% das cientistas envolvidas.

A ministra Sarah al-Amiri afirma que essa "igualdade de oportunidades" tem a ver com a fundação do seu país, quase 50 anos atrás, e que os Emirados não "herdaram desigualdade de gênero".

"As garotas são incentivadas a irem a escola. Quando nossas primeiras universidades foram abertas, foram para homens e mulheres. Nós também temos leis que promovem a liderança feminina. Outro fator que pode explicar [esse fenômeno] é que nós temos um número limitado de pessoas, então as pessoas aqui, e eu me incluo nisso, estão sendo contratadas com base nas suas conquistas", diz.

Errata: este conteúdo foi atualizado
A galáxia Andrômeda fica a 2,5 milhões de anos-luz da Terra, não 2,5 bilhões. O erro foi corrigido.