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Câmara aprova MP que adia vigência da Lei de Dados para início de 2021

Estúdio Rebimboca/UOL
Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL

Rodrigo Trindade

De Tilt, em São Paulo

25/08/2020 19h56Atualizada em 26/08/2020 12h06

A vigência da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) deve ter início em 31 de dezembro de 2020, após a aprovação da medida provisória (MP) 959/2020 na Câmara dos Deputados, realizada nesta terça-feira (25). O texto final terá um dia para passar por votação no Senado.

O artigo 4º da MP fazia com que a lei fosse adiada até maio do ano que vem —a LGPD estava prevista para entrar em vigor no dia 14 de agosto. Após emenda do deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES) ao texto original, deputados confirmaram a prorrogação, mas por quase quatro meses e não nove, como previa a MP.

A discussão sobre a mudança de data ocorreu após a medida do presidente Jair Bolsonaro, que defendia que parte da sociedade não teve condições de se adaptar à LGPD até agosto por causa da pandemia do coronavírus.

Os favoráveis ao adiamento viam insegurança jurídica caso a lei entrasse em vigor agora. Órgãos como Ministério Público, Procon e o Judiciário poderiam aplicá-la, mas sem as multas de até 2% do faturamento de empresas — ou de até R$ 50 milhões — em casos de infração. Estas foram adiadas até agosto de 2021 pela Lei nº 14.010 e poderão ser aplicadas somente pela ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), que foi sancionada pelo presidente, mas ainda não foi criada na prática.

A inexistência da ANPD, órgão que funcionará como "xerife" na interpretação, defesa e orientação da LGPD, era outro argumento de quem era contra a vigência imediata da lei.

"Uma lei geral sem autoridade não deveria existir. Existem pontos obscuros que necessitam de uma regulamentação. Quem vai ter esse papel é a ANPD, cuja função é importantíssima para que a lei possa entrar em vigência e todos seus artigos serem contemplados", argumenta Thomaz Côrte Real, consultor jurídico da Abes (Associação Brasileira de Empresas de Software).

A visão é compartilhada por Diego Gualda, sócio de tecnologia do Machado Meyer Advogados. Para Gualda, a insegurança jurídica não é consequência apenas da pandemia.

Se a gente tivesse a ANPD funcionando, ele poderia disciplinar e criar salvaguardas para as empresas num momento de depressão econômica. Os processos de adequação não são baratos. Você soma tudo isso e tem uma situação de insegurança jurídica bastante grande da aplicação da lei", afirma.

Marcela Ejnisman, sócia responsável pelas áreas de cibersegurança e privacidade do TozziniFreire Advogados, questiona os possíveis riscos jurídicos que a entrada em vigor agora em agosto causaria. "Na Europa, quando o GDPR [lei de dados da União Europeia) entrou, não estavam prontos. Deram um prazo de carência. Elas foram entrando em conformidade", explica.

O relator da MP na Câmara, Damião Feliciano (PDT-PB), criticou colegas que pediram o adiamento alegando insegurança jurídica. "Gostaria de expressar minha confiança no sistema judicial brasileiro e que prezo pela segurança jurídica. Tenho certeza que nenhum juiz vai emitir decisão contra empresas se elas estiverem cumprindo os direitos mais básicos dos cidadãos", afirmou.

Durante os debates, o Psol apresentou dois requerimentos pedindo que a votação fosse adiada em dois dias, o que faria com que a LGPD entrasse em vigência imediata. A deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP), líder do partido na Câmara, chamou de "jabuti" o art. 4º da MP —sobre o adiamento da lei— e disse ser "inadmissível" que a discussão de proteção de dados foi incluída em uma medida em outros três artigos tratam de benefícios emergenciais na pandemia do coronavírus.

A Coalizão de Direitos na Rede, movimento que engloba 42 organizações, defendeu que a LGPD serviria, mesmo sem a ANP, para "harmonizar legislações setoriais, regras constitucionais e demais entendimentos jurídicos sobre as práticas de uso e compartilhamento de dados pessoais". O grupo ainda destacou a importância da lei em vigência para induzir a criação da autoridade.

Adiamento pode atrasar criação da ANPD

Especialistas ouvidos por Tilt dizem que a vigência imediata da LGPD seria um estímulo para o governo federal criar a ANPD. Já o seu adiamento era visto como uma justificativa para que a criação da autoridade fosse empurrada para depois.

Para Danilo Doneda, advogado e professor do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), há um ciclo vicioso nesse processo que leva a constantes atrasos. "O governo federal está obrigado desde 2018 a criar a autoridade e não criou. A medida que não cria, gera uma situação de insegurança, a sociedade pede para atrasar", afirmou Doneda, que acredita que a entrada em vigor da LGPD seria a única forma de forçar a criação da ANPD.

As preocupações com riscos jurídicos sem a autoridade de dados são justificados mas exagerados na visão de Renato Opice Blum, coordenador do curso de direito digital e proteção de dados da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado) e da Ebradi (Escola Brasileira de Direito). "O assunto proteção à privacidade está dentro da competência dos outros órgãos, não estão errados em autuar e atuar", declarou.

No último dia 17 de agosto, o site Jota divulgou um estudo interno do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) no qual o órgão se propõe a incorporar as funções da ANPD. Este processo estaria concluído em janeiro de 2021. Contatado por Tilt, o Cade não quis comentar o assunto.

Para Flávia Lefèvre, advogada especializada em direito do consumidor e direitos digitais, a inclusão da ANPD dentro do Cade seria positiva por tirar a autoridade da estrutura da Presidência e colocá-la em um órgão mais independente.

"A proposta parece aderir aos termos do GDPR [a lei de dados da Europa], o que é ponto positivo para que empresas brasileiras atuem a nível internacional e para que tenhamos um ambiente que comprove investimentos estrangeiros no país", explica Lefèvre.

Grandes plataformas se adaptam às exigências

Algumas das maiores plataformas de internet comunicaram a usuários, nas últimas semanas, que já adaptaram seus serviços para a legislação brasileira. No dia 20 de julho, o Facebook esperava que a lei entrasse em voga em algumas semanas. Por conta disso, informou que solicitaria, a partir daquela data, a permissão para usar certos tipos de dados dos brasileiros.

Além disso, a empresa adicionou um novo aviso de privacidade para o Brasil nas políticas de dados de Facebook e Instagram, inclusive com orientações sobre como usuários podem exercer os direitos garantidos pela lei.

O Twitter afirmou, em comunicado, que criou um programa interno para adequar sua plataforma e práticas à LGPD e também aos "padrões internacionais" da empresa, "sempre tendo por norte o reconhecimento da privacidade e da proteção de dados como um direito fundamental". A empresa ainda destacou sua política de privacidade como mecanismo de transparência do serviço.

O Google destacou que a LGPD é "favorável ao desenvolvimento de negócios, ao mesmo tempo em que protege os direitos dos cidadãos". A empresa afirmou já oferecer proteção de dados de acordo com o GDPR e a CCPA (Lei de Privacidade do Consumidor da Califórnia). Quando a lei brasileira entrar em vigor, diz o Google, os termos de serviço serão atualizados.

O TikTok informou ter o compromisso de "respeitar a privacidade dos usuários, protegendo seus dados e cumprindo as leis e regulamentos de privacidades em todos os países onde a plataforma opera, incluindo a LGPD, no Brasil".