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"Sem dinheiro para repor peça": repasse zero revolta pesquisadores do Inpe

Sede do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) - Divulgação
Sede do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) Imagem: Divulgação

Vinícius Pereira

Colaboração para Tilt

19/08/2020 13h12

A decisão da AEB (Agência Espacial Brasileira) em zerar o orçamento para pesquisa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), prevista no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2021, revoltou pesquisadores ouvidos por Tilt em condição de anonimato.

De acordo com as fontes, com a decisão, faltarão recursos para manutenção de equipamentos básicos no órgão. "Até mesmo se um computador quebrar ou se precisarmos repor peça de equipamento de TI [tecnologia da informação] ou de laboratório, não poderemos fazer nada. Verba zero", afirmou um pesquisador.

O Inpe tem duas fontes de recursos: uma parte via AEB e outra diretamente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). O PLOA 2021 prevê uma redução de 49% no orçamento da AEB para o Inpe —em cifras, seria R$ 30,9 milhões a menos. Da agência espacial, o instituto recebeu cerca de R$ 63,6 milhões em 2020. A previsão para 2021, no entanto, é de R$ 32,7 milhões.

Para conseguir chegar a essa redução drástica, algumas áreas destinadas à pesquisa, desenvolvimento e capital humano devem ficar totalmente sem verba na planilha prevista para o ano que vem. Funcionários poderão ser mantidos, mas não teriam condições para começar ou continuar pesquisas.

O PLOA que prevê os cortes deverá ser enviado ao Congresso Nacional até o dia 31 de agosto. Os parlamentares podem aprovar, vetar ou alterar o projeto.

Na avaliação dos pesquisadores, a previsão de orçamento zero deve fazer com que a área de pesquisa e o desenvolvimento tecnológico no Brasil sejam negligenciadas, em meio ao enfrentamento do governo Jair Bolsonaro (sem partido) com o Inpe.

"Não sabemos o que virá depois. Pode ser o fechamento destas áreas no Inpe com remanejamento de pessoal para outras instruções, por exemplo", disse um dos pesquisadores. Tilt apurou que o clima no órgão é de indignação entre pesquisadores, professores e trabalhadores em geral.

Na prática, de acordo com especialistas, sem as verbas o Inpe poderia deixar de ser um centro de pesquisa e desenvolvimento e se transformaria apenas em um prestador de serviços do governo.

"O Inpe seria apenas um prestador de serviços e produtos. Previsão do tempo, imagens de satélites para monitorar queimadas e desflorestamento, mas sem precisar fazer pesquisas sobre e desenvolvimento tecnológico futuro", disse um dos pesquisadores ouvidos.

Procurados pela reportagem, o MCTI e o Ministério da Economia ainda não se manifestaram.

Cortes deverão afetar três áreas

Com a diminuição dos recursos, o PLOA 2021 prevê que três áreas do Inpe fiquem sem orçamento. A maior área afetada é a de desenvolvimento e lançamento de satélites científicos. Ela demandava cerca de R$ 29 milhões para o ano que vem, para ampliar o R$ 1,3 milhão recebido neste ano. Mas também teve os pedidos negados e deverá ficar sem dinheiro.

A área de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e formação de capital humano para o setor espacial, que havia solicitado orçamento de R$ 5,7 milhões para manutenção das atividades —recebeu R$ 4,7 milhões neste ano— também foi zerada no PLOA 2021.

Essas duas áreas são responsáveis por viabilizarem estudos científicos, dando suporte financeiro a compra de equipamentos, acesso a publicações científicas no exterior e estruturação financeira das pesquisas.

Já a Coordenação-Geral de Ciências Espaciais e Atmosféricas (CGCEA) já vinha sofrendo com os cortes. Para este ano, o orçamento previsto era de R$ 1,7 milhão, mas graças à redução por parte da AEB, ficou em R$ 1,1 milhão. Para 2021, a CGCEA pleiteava cerca de R$ 2 milhões, mas também acabou sem previsão de orçamento para as atividades.

O CGCEA é o órgão pioneiro do Inpe na década de 1960, e responsável, entre outras coisas, por realizar pesquisas de fenômenos químicos e físicos na atmosfera, formar e treinar pessoal especializado, e assessorar órgãos e empresas privadas dando vantagens competitivas em processos de alta tecnologia.

Um dos projetos do órgão é o Telescópio Solar Espacial Galileo (GSST, na sigla em inglês), que busca produzir imagens em alta resolução do Sol para entender como a estrela tem afetado diretamente as condições climáticas globais e regionais durante a existência da Terra. Ainda não há previsão para seu lançamento.

Outro estudo que o CGCEA desenvolve é do SPARC4 (Simultaneous Polarimeter and Rapid Camera in Four Bands), um instrumento para estudos astronômicos que trabalhará com quatro tipos de comprimento de onda para medir a luz de estrelas —normalmente essas câmeras trabalham com um tipo só, daí a sua futura versatilidade.

Reestruturação

O corte está dentro de um processo pelo que o Inpe vem passando nos últimos anos. No ano passado, o Inpe recebeu cerca de R$ 118 milhões para todas as áreas. Para 2021, a previsão de orçamento do governo federal para todo o órgão é de R$ 79 milhões.

Segundo os cientistas que trabalham no local, as razões do corte súbito ainda não foram explicadas por parte do governo, mas, de acordo com eles, os problemas entre governo e Inpe em relação à questão ambiental e a exigência do respeito ao teto de gastos estão entre as possibilidades.

O Inpe vem passando por uma série de problemas com a gestão Bolsonaro e foi alvo de uma política de reestruturação completa após a demissão, em 2019, do pesquisador e diretor do órgão Ricardo Galvão. Galvão rebateu o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre dados que demonstravam o desmatamento da Amazônia. Desde então, o Inpe é comandado pelo coronel da Aeronáutica Darcton Damião.