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Punição por expor criança estuprada na internet dá multa de até R$ 21 mil

A ativista Sara Winter, que publicou o nome de uma criança de dez anos que engravidou após estupro cometido pelo próprio tio - Reprodução/Twitter
A ativista Sara Winter, que publicou o nome de uma criança de dez anos que engravidou após estupro cometido pelo próprio tio Imagem: Reprodução/Twitter

Carina Brito

Colaboração para Tilt

17/08/2020 17h38Atualizada em 18/08/2020 15h01

A militante de extrema-direita Sara Giromini (apelidada Sara Winter) publicou em seus perfis de redes sociais, no domingo (16), o nome de uma criança de dez anos que engravidou após estupro cometido pelo próprio tio. Ela também informou o endereço do hospital e a cidade em que seria realizado o aborto. Apesar de ter deletado as postagens em que divulgava dados privados, Winter ainda pode sofrer consequências na lei.

Segundo Joaquim Cesar Leite da Silva, especialista em direito digital do escritório Zanão e Poliszezuk Advogados, a militante feriu diretamente o artigo 247 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quando fez a publicação.

"Esse artigo diz que, divulgar sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a crianças e adolescentes é atribuído como ato infracional", diz o advogado.

Ainda assim, explica Silva, a militante não corre o risco de ir para a cadeia apenas por essa infração —Winter teria desrespeitado outra parte do ECA, a dos artigos 17 e 18 sobre o papel de todos zelar pela privacidade da crianças e adolescentes.

Entre as penas que ela pode sofrer por violar o artigo 246 estão:

  • Uma multa de três a 20 salários mínimos (R$ 3.135 a R$ 20.900);
  • Ter que se apresentar ao juiz;
  • Fazer serviço comunitário;
  • Doar cestas básicas.

O advogado também explica que ela está sujeita a esse tipo de pena por ser considerada réu primária —já que não foi oficialmente condenada quando foi presa em junho, pois o processo está em andamento.

"Todas essas são medidas restritivas de direito e não privativas de liberdade, em que ela seria presa. Nesse caso, apenas os direitos dela seriam restritos", explica Silva.

A pena também vale para as pessoas que compartilharam essa publicação.

Para Francisco Spínola e Castro, advogado processualista do Delgado Kardos, isso não significa que ocorrerá uma responsabilização criminal coletiva com todos que compartilharam a publicação. "Cada caso pode vir a ser apurado futuramente e uma eventual conduta criminosa poderia ter uma consequência", afirma.

A professora de Direito da USP Maristela Basso disse à BBC Brasil que divulgar o nome de uma criança sem autorização dos responsáveis é uma conduta criminosa em qualquer cenário, o que é agravado se a criança está envolvida num processo judicial —como no caso da vítima de estupro.

"É isso o que determinam os Artigos 143 e 247 do ECA, que dizem expressamente que nenhuma pessoa está autorizada a mencionar o nome ou imagem de uma criança sem autorização", explica Basso.

Especialistas ouvidos por Universa disseram que há chances de Giromini ser presa. Na avaliação do advogado João Paulo Martinelli, doutor em direito penal pela USP, a militante pode novamente ter sua prisão preventiva decretada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do inquérito que apura ameaças a instituições e autoridades, se ele entender que, além da exposição, houve perigo à ordem pública (ela responde por crime e pratica outro) ou incitação ao crime (publicou o endereço do local e estimulou a população a tentar impedir prática prevista em lei, que é o aborto em caso de estupro).

Papel das redes sociais

As publicações de Winter nas redes sociais também tiveram repercussão para a Justiça do Espírito Santo, que atendeu a um pedido da Defensoria Pública do Estado e determinou, na noite do domingo (16), que Facebook, Twitter e Google Brasil retirem do ar, em no máximo 24 horas, as publicações do Winter. Caso não cumpra a medida, as empresas terão que pagar multa diária de R$ 50 mil.

Em notas, Twitter, Google (dono do YouTube) e Facebook não comentaram o caso e afirmaram seguir seus termos e uso e as leis do país.

O Twitter afirma que tem regras que "determinam os comportamentos e conteúdos permitidos na plataforma, e violações a essas regras estão sujeitas às medidas cabíveis". Também afirmou cooperar com as "autoridades competentes em observância à legislação brasileira".

Assim como o Twitter, o YouTube diz que não comenta casos específicos. "Todos os conteúdos no YouTube precisam seguir nossas diretrizes de comunidade, que incluem medidas de proteção ao bem-estar emocional ou físico de menores. Contamos com uma combinação de sistemas inteligentes, revisores humanos e denúncias de usuários para identificar conteúdo suspeito e agimos rapidamente sobre aqueles que estão em desacordo com nossas políticas."

O Facebook disse em nota: "O vídeo em questão foi removido por violar nossas políticas ao promover potenciais danos a pessoas no mundo offline de forma coordenada."

Para Castro, as redes sociais têm grande responsabilidade em impedir em que publicações delicadas (especialmente um que envolva uma menor de idade) sejam divulgadas em primeiro lugar. "Com o papel também em sociedade, essas redes sociais deveriam ter mais filtros para diminuir ou impedir esse tipo de exposição", afirma.

Entenda o caso

A menina de dez anos foi estuprada pelo tio, de 33, e engravidou. Segundo a Polícia Civil do Espírito Santo, a criança era vítima de estupros desde os seis anos de idade, mas o caso só chegou ao conhecimento da polícia quando ela deu entrada num hospital público da cidade de São Mateus com suspeita de gravidez no dia 8 deste mês. O tio está foragido.

Após indução iniciada ontem à noite pela equipe médica do Cisam (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros), ligado à UPE (Universidade de Pernambuco), no Recife, a criança conseguiu expelir o feto espontaneamente nesta segunda-feira pela manhã.