Por que decreto dos EUA contra WeChat é mais relevante do que o do TikTok?
Sem tempo, irmão
- Assim como o TikTok, WeChat foi alvo de decreto de Trump na quinta-feira
- Aplicativo "faz-tudo" na China é porta de comunicação para pessoas dentro e fora do país
- Serviço também é representativo do aparato de vigilância do regime chinês
Tarde da noite de quinta-feira (6) nos Estados Unidos, Donald Trump decidiu apertar sua postura de presidente com posições "duras sobre a China". O político republicano assinou duas ordens executivas — o equivalente a um decreto presidencial —, uma proibindo transações de pessoas e propriedades sujeitas à jurisdição dos Estados Unidos com a empresa ByteDance, dona do TikTok, e a outra com a Tencent, dona (entre outras propriedades) do aplicativo WeChat.
TikTok e WeChat são apontados por Trump nos decretos como ameaças à segurança nacional americana, por supostas irregularidades no tratamento dos dados de usuários dos aplicativos em território americano. O TikTok já estava na mira presidencial há semanas, mas a inclusão do WeChat se destaca como mais relevante por seus possíveis efeitos colaterais — econômicos, sociais e até geopolíticos.
O serviço tem mais de um bilhão de usuários ativos e é a quinta maior plataforma do mundo com elementos sociais, perdendo para Facebook, YouTube, WhatsApp e o Facebook Messenger. Assim como o Facebook, o WeChat é uma plataforma "inchada" e repleta de funcionalidades, porém com uma diferença fundamental: ele é quase essencial para o dia a dia do cidadão chinês, não só como ferramenta de comunicação, mas pela integração a serviços públicos e realização de pagamentos.
Para além das fronteiras chinesas, o app cumpre um papel que WhatsApp, Facebook Messenger ou Telegram não podem desempenhar, por não operarem dentro do país asiático. O WeChat é o principal canal de comunicação entre chineses que vivem dentro e fora do país, assim como uma ferramenta de negócios entre quem está dentro e fora do "Grande Firewall" chinês, o filtro estatal da internet no país.
Esta é uma diferença fundamental para o TikTok, aplicativo que é propriedade de uma empresa chinesa, mas é disponibilizado para o resto do mundo e não está disponível no país asiático. Há um "clone" do TikTok para uso dentro da China, o Douyin, com administração e servidores separados dos usados pelo TikTok.
O TikTok nega as acusações de que atende a ordens do governo chinês e se disse chocado com o último decreto de Trump. O WeChat, por outro lado, não tem essa separação do serviço oferecido dentro e fora da China — ainda que ofereça uma versão internacional do app — e, embora não aplique as censuras automáticas a usuários cujas contas não estão associadas a um número de telefone chineses, estende seus filtros de controle de conteúdo para além das fronteiras.
Um estudo publicado em maio pelo Citizen Lab, da Universidade de Toronto, identificou que contas do WeChat criadas fora da China passam pela vigilância de conteúdo considerado proibido dentro do país asiático. Ao contrário do que ocorre dentro das fronteiras, porém, o material não é censurado, mas usado para treinar as ferramentas de censura. A pesquisa destaca que não encontrou evidências que comprovem que o controle de conteúdo de usuários não-chineses é aplicado por ordens do governo.
Críticas e impacto
Ainda que seja um canal importante de comunicação, o WeChat é alvo de críticas por auxiliar em violações de direitos humanos. Yaqiu Wang, pesquisadora sobre a China da ONG Human Rights Watch, questionou o papel do serviço.
"O WeChat não é uma ponte entre a China e o mundo, é uma prisão que prende a mente de chineses fora do país como se eles nunca tivessem deixado a China. Ele absorve todo mundo relacionado à China a um buraco negro de censura e vigilância", escreveu no Twitter.
Justin Key Canfil, pesquisador no campo da economia política do direito digital em Harvard e na USC, concordou com Yaqiu sobre o papel desempenhado pelo WeChat. Todavia, Canfil argumentou que o decreto de Trump não é a política certa para lidar com a questão e cria um precedente que irá "descreditar a diplomacia americana em incontáveis problemas e será difícil de voltar atrás".
"O WeChat é um problema de segurança. Mas, com mais de um bilhão de usuários, banir o WeChat por completo é essencialmente uma censura em grande escala", defendeu.
O texto do decreto de Trump, por sua vez, gerou dúvidas se a medida que mira no WeChat afetaria outros investimentos da gigante Tencent, que também é dona da Riot Games (League of Legends) e tem investimentos na Epic Games (Fortnite), Activision Blizzard, Snap e Tesla. Ao jornal Los Angeles Times, o governo explicou o foco é exclusivamente o WeChat.
Outra preocupação diz respeito à disponibilização do app para usuários fora dos Estados Unidos, pois ele é baixado a partir de lojas virtuais controladas por empresas americanas. Celulares com sistema operacional Android, do Google, até permitem a instalação de aplicativos por fora da Play Store, mas usuários de iOS, exclusivo aos dispositivos Apple, não têm outro caminho além dos downloads via App Store.
As confusões sobre as novas proibições não são por acaso, pois, segundo a Bloomberg, o Departamento de Comércio americano ainda avalia que tipos de transações serão vetados. Entre o que está sob consideração estão os acordos de licenciamento que permitem que TikTok e WeChat sejam disponibilizados em lojas de aplicativos como App Store e Play Store.
As medidas, que passarão a valer em 45 dias, significaram uma escalada das ações anti-China do presidente americano no campo da tecnologia, que começaram com o boicote à Huawei, pelos potenciais riscos de segurança atrelados aos equipamentos de telecomunicações da marca, se expandiram a fornecedoras de serviços de vigilância (Hikvision, Dahua) e inteligência artificial (Megvii) e agora atingem serviços de comunicação e redes sociais.
Os últimos decretos foram publicados ao mesmo tempo em que Amazon, Apple, Facebook e Google estão sob investigação antitruste nos Estados Unidos. Coincidentemente ou não, TikTok e WeChat representam dois dos maiores concorrentes das gigantes americanas.
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