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Origem desvendada: o que teste de DNA significou para dois pais e seu filho

Reges Bessa (esq.), Theo e Omar Ghanem (dir.): família de Joinville (SC) passou por teste de ancestralidade - Arquivo pessoal
Reges Bessa (esq.), Theo e Omar Ghanem (dir.): família de Joinville (SC) passou por teste de ancestralidade Imagem: Arquivo pessoal

Bruna Souza Cruz

De Tilt, em São Paulo

08/08/2020 04h00

Juntos há 11 anos, o empresário Omar Ghanem, 44, e o fisioterapeuta Reges Bessa, 40, revelaram o desejo de serem pais de um menino logo no segundo encontro. Oito anos depois (sendo quase dois no processo de adoção), o casal completou a família com a chegada do Theo, 5.

Decidiram neste ano fazer testes genéticos para descobrir detalhes sobre a origem dos três —um processo conhecido como teste de ancestralidade. O objetivo, segundo os pais, seria fortalecer os laços como família e matar a curiosidade sobre suas origens. No mesmo pacote, aproveitaram para incluir a análise de predisposição a doenças e condições de saúde.

Tudo o que a família de Joinville (SC) precisou fazer foi enviar amostras de saliva para um laboratório e aguardar alguns dias. Entre as descobertas, o fisioterapeuta observou que a sua origem é dividida entre África (46%) e Europa (43%). Nascido em Minas Gerais em uma família de pais negros, Bessa acreditava até então que os seus antepassados haviam vindo majoritariamente do continente africano.

"Aqui no Sul tem muito isso de saber de onde veio. Em Minas não. Brinco que sou um vira-lata, a gente é uma mistura muito grande. O teste comprovou isso", destacou. "Dá uma sensação de que a gente não vem do nada, de que a gente tem uma história."

Já Ghanem, que é farmacêutico e bioquímico, confirmou o que já sabia: que sua origem envolvia principalmente a Itália e um pouco do Líbano. Em relação ao Theo, os pais descobriram que as raízes do filho estavam divididas entre Europa (78%), Ibéria (29%), Europa Ocidental (20%), Leste Europeu (15%) e Sardenha (5%).

Omar Ghanem (esq.), Theo e Reges Bessa (dir.) - teste de ancestralidade - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Omar (esq.), Theo e Reges (dir.) durante viagem em família
Imagem: Arquivo pessoal

Aspectos de saúde

Com as mesmas amostras de material genético, foi possível solicitar análises relacionadas a doenças e condições de saúde, como risco de diabetes, deficiência de vitaminas e expectativa de vida. Aqui é bom reforçar: possuir indicativos no DNA não significa que a pessoa irá desenvolver determinadas doenças.

Na visão de Ghanem, obter as informações detalhadas dos três permitiu refletir sobre seus hábitos, além de pensar em formas de manter uma rotina saudável. A família afirma se preocupar em ter alimentação balanceada e praticar exercícios.

Semanas antes do processo de adoção ser finalizado, Theo precisou passar por uma cirurgia cardíaca. Não foi nada muito grave, mas exigiu cuidados no início. Ter conhecimento sobre aspectos da saúde vai ajudá-los também nesse cuidado com o filho, segundo eles.

De acordo com os resultados do teste genético, 68% (dos 53 pontos) analisados são comuns entre os três. Alguns exemplos são:

  • Maior chance de desenvolver intolerância à lactose;
  • Maior índice de armazenamento de gordura;
  • Ingestão de açúcar em quantidades mais elevadas;
  • Maior risco para fotoenvelhecimento;
  • Risco aumentado para diabetes tipo 2.

"O Omar e eu sabíamos que tínhamos intolerância à lactose, mas não sabíamos do Theo. Nós três gostamos muito de doce, somos formigas. Mas sabemos agora que a ingestão de açúcar precisa ser observada. Vamos ter uma atenção redobrada com alguns pontos", explicou o empresário.

Para o médico especializado em genética reprodutiva Ciro Martinhago, testes que envolvem o genoma humano ficam cada vez mais avançados e são importantes para avanços em estudos da área. Mas é preciso ter cuidado para não interpretar resultados de exames do tipo como verdades absolutas.

"Os testes para ancestralidade funcionam muito bem. Mas é importante reforçar que as doenças são multifatoriais. Existem os fatores genéticos, mas muitas dependem também do meio externo para se desenvolverem. É muito mais complexo, com um monte de variáveis", explicou Martinhago, que também é diretor da Chromosome, centro de medicina genômica em São Paulo.

O geneticista recomenda que, dependendo do teste genético, o consumidor procure especialistas para ajudá-lo na interpretação dos resultados. Se for preciso, mais exames podem ser solicitados para investigar melhor certas doenças.

Como funciona a análise do DNA?

Os testes genéticos viraram febres nos Estados Unidos há alguns anos. Famosos como a cantora Demi Lovato e a empresária influencer Kim Kardashian já recorreram a exames do tipo.

No Brasil, os testes existem há alguns anos, mas se tornaram populares recentemente. Hoje é possível encontrá-los em diferentes laboratórios por valores a partir de R$ 200 (na versão mais simples).

Em geral, o processo segue um padrão: a pessoa coleta uma pequena amostra de saliva, envia para o laboratório (alguns retiram na própria residência) e aguarda a análise do material genético.

Na etapa final, um mapeamento detalhado é enviado para o(a) interessado(a). No caso dos testes de ancestralidade, o consumidor tem acesso a um documento com os países e regiões de onde os respectivos ancestrais vieram.

As empresas pesquisadas para a reportagem afirmam fazer comparações de cinco a oito gerações passadas. As referências genéticas de milhares de pessoas são coletadas a partir de resultados de estudos científicos públicos.

Segundo o laboratório Genera, onde Ghanem, Bessa e Theo realizaram o teste da família, existe uma etapa de extração do DNA após o material coletado. A célula da amostra é quebrada com a ajuda de substâncias químicas e assim chega-se até o código genético de determinada pessoa.

Na sequência, o material passa por um processo que decodifica a ordem das bases do DNA, e a sequência é determinada com um algoritmo. O resultado entra em um banco de dados, onde é processado e comparado com marcadores genéticos de risco de doenças.

Os padrões de referência e de comparações são atualizados constantemente, explicou Ricardo Di Lazzaro, médico fundador da empresa.

Sobre os aspectos de privacidade e segurança, Di Lazzaro afirmou que os dados passam por um processo de criptografia e que empresas especializadas em segurança são pagas para testar se existem vulnerabilidades.

"Sou pink"

Segundo Ghanem, descobrir as informações da ancestralidade do Theo foi positiva por dois aspectos: ajudá-lo a entender de onde ele veio se ele desejar saber, e o de resgatar o conhecimento sobre as regiões pelas quais os antepassados dos três pertenceram.

"Gostamos muito de viagens e agora elas vão ter um sentido diferente. No quarto do Theo tem um mapa, tem livros e ele se interessa muito pelos lugares. A gente vai querer trabalhar isso com ele. Explicar para ele: 'o papai Reges veio daqui, o papai Omar veio dali'", explicou Ghanem.

Sobre as diferenças de origem e raciais da família, o casal pretende educar o filho para que ele aprenda valores acima de tom de pele e orientação sexual. "O que importa é o caráter. Um dia o Theo virou para mim e falou: 'papai, você é brown [marrom em inglês]'. Eu perguntei para ele de que cor ele era e ele respondeu 'sou pink'. E está tudo certo", contou Bessa.

"Procuramos explicar para ele também o quanto é legal ter dois papais e as vantagens disso. Alguns amigos do Theo falam que também gostariam de ter", acrescentou o empresário.