Amazon Brasil? Por que Magalu comprou site de tecnologia e startup de dados
O Magazine Luiza anunciou nesta quinta-feira (6) a compra de duas novas vertentes a princípio estranhas para uma rede de ecommerce: o site de tecnologia Canaltech e o braço de publicidade online da startup InLoco. O movimento indica que a companhia brasileira quer entrar em uma seara muito bem explorada pela norte-americana Amazon: o uso maciço das informações dos usuários e o impulsionamento do serviço de publicidade programática.
A gigante norte-americana —que inclusive é investigada por monopólio e sofre grande pressão para ser desmembrada— oferece uma gama tão grande de serviços (de streaming a servidores) que não dá para dizer que o Magalu vai virar a "Amazon brasileira", mas existe uma lógica por trás que é parecida.
O que a Amazon dos EUA já faz e o Magazine Luiza quer passar a fazer no Brasil é ganhar com anúncios assertivos para terceiros dentro do seu próprio site e em outras páginas de seu ecossistema (por exemplo, o Canaltech), usando para isso uma enorme base de dados.
"Precisa ter muito acesso à informação dos consumidores, coisa que a Amazon tem. No Brasil ninguém tem isso. Agora o Magalu passa a ter uma capacidade de publicidade digital ultrassegmentada para seus parceiros. É muito coerente e inteligente o movimento", diz Benjamin Rosenthal, professor de marketing da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV).
Dados reveladores
Em entrevista a Tilt, Bernardo Leão, diretor de relacionamento e novos negócios do Magalu, ressaltou que o que a empresa pretende é vender produtos, oferecer logística e trabalhar bem com publicidade, conhecendo o consumidor, como fazem a Amazon e a chinesa Alibaba.
"A Amazon é um exemplo, acho que tem outros exemplos, preferimos até o chinês da Alibaba. São modelos semelhantes de monetização de tráfego, temos muitos vendedores que usam a plataforma. Com o Parceiro Magalu nós conseguimos muitos vendedores locais e aí precisamos fomentar. Eles têm essa necessidade de vender mais, com ferramentas simples", disse.
A InLoco possui uma tecnologia própria que puxa de forma automatizada (bot) dados públicos gerados pelos celulares das pessoas. Você pode ter ouvido falar dela durante a pandemia, porque a startup usou esses dados de geolocalização para medir o índice de isolamento social no Brasil.
O chamado Advertising ID, um número único que constantemente identifica os interesses dos usuários que navegam pelos serviços de plataformas como Google e Facebook, serve para mostrar anúncios segmentados ou personalizados (ou "anúncios com base em interesses").
Entre os clientes da startup, há bancos e grandes varejistas, que usam essa tecnologia em seus aplicativos para detectar possíveis operações suspeitas e evitar fraudes. Segundo a InLoco, esse identificador também serve para saber se um celular fica por períodos prolongados em determinado local (quer dizer que você frequentou um restaurante ou saiu de casa durante a quarentena).
Ele envia para os servidores da empresa o endereço e o identificador de publicidade do smartphone e com isso dá para estabelecer a razão entre quem está "estacionado" e quem se desloca, "uma tecnologia 30 vezes mais precisa que a do GPS", diz a empresa.
Para Alexandre Bessa, professor de canais digitais da pós-graduação da ESPM, essas aquisições turbinam consideravelmente o banco de informações usado na publicidade direcionada. "Hoje eles já têm acesso a coisas que acontecem nas propriedades da Magalu, mas agora isso aumenta. Podem oferecer, com inteligência social e ciência de dados, a oferta certa para a pessoa certa", opina.
Por exemplo, a startup poderá ajudar a formatar um anúncio do Magalu Ads baseado na localização de quem acessa o Canaltech, já sabendo que o prazo de entrega para a mercadoria será menor.
"Quando o Magalu compra o Canaltech, traz conteúdo para o usuário e oferece banners. Mas com a InLoco, pode ver que o usuário está em tal local e direciona o banner com inteligência. Tem muito mais atrás da cortina do que uma compra de site de conteúdo. Foram estratégias já feitas pelo Google e Amazon", explica Alexandre Marquesi, professor de ecommerce da pós-graduação da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
Ao comprar a InLoco Media e o Canaltech, a empresa ganhou ainda vantagens em duas áreas vitais da publicidade digital:
- DSP (Plataforma de Demanda, na sigla em inglês), para compra de mídia em tempo real em anúncios da internet
- DMP (Plataforma de Gerenciamento de Dados), para monitorar a navegação dos usuários para oferecer o melhor anúncio
Com a estratégia, o Magazine Luiza pode desafiar ou ser parceira das agências de propaganda, ressalta Rosenthal.
Poderoso guarda-chuva
Da gigante chinesa Alibaba, a brasileira trouxe a inspiração das lives com pequenos lojistas sobre produtos específicos —coisa que o app Rappi também passou a fazer recentemente. É um conceito recente chamado de ecommerce content, ou seja, criar conteúdo para ajudar na tomada de decisão do consumidor.
"Magalu não vende mais produtos, vai muito além. E agora vai vender mídia, logística. O modelo de negócios deles vai mudar, podem criar um guarda-chuva igual ao do Google em que você oferece alguns serviços de graça e leva dinheiro em outros", analisa Marquesi.
Além do próprio site Magazine Luiza, os anúncios do Magalu Ads podem ser expostos na Netshoes, Zattini, Estante Virtual e Época (site de beleza), todos pertencentes ao grupo. O Canaltech é a primeira aquisição de um site de conteúdo —o que lembra a compra do Washington Post pelo dono da Amazon em 2013.
Mas, vale notar que todo esse movimento acontece dias após a Amazon ter enfrentado o Comitê de Justiça da Câmara dos EUA por supostamente usar dados dos usuários e terceiros para melhorar sua linha própria de produtos e minar a concorrência dentro de seu próprio portal de ecommerce.
Jeff Bezos, executivo da Amazon, precisou responder duras perguntas sobre práticas anticompetitivas no mercado, que estão sendo investigadas formalmente na Europa, e disse: "Temos uma política contra uso de dados de vendedores para nosso benefício, mas não sei se ela foi violada. Continuamos a olhar isso de perto. Não estou satisfeito que não chegamos ao fundo dessa questão."
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