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Parler: rede social adotada por Bolsonaro facilita circulação de fake news

Felipe Oliveira

Colaboração para Tilt

13/07/2020 13h13Atualizada em 15/07/2020 13h15

O Parler é uma nova rede social adotada pela direita conservadora nos últimos dias, com a justificativa de buscarem um espaço com mais liberdade de expressão. Jair Bolsonaro e outros políticos ligados ao presidente já criaram perfis por lá. A questão é que a plataforma não se compromete a verificar fatos, o que pode torná-la mais um grande foco de desinformação e fake news na web.

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) postou no começo deste mês uma mensagem no Twitter aos seus mais de 1,5 mi de seguidores. O filho do presidente classificou o Parler como "a rede social que tem como prioridade a liberdade de expressão". Nesta segunda (13), foi a vez do próprio presidente divulgar sua conta por lá.

Desde que criou uma conta no Parler, Flávio Bolsonaro tem atuado muito mais lá, onde tem cerca de 87 mil seguidores, do que no Twitter, onde é bem mais popular. Tilt entrou em contato com as assessorias do senador e do presidente para comentar sobre o interesse de ambos na rede social, mas não obteve retorno. O texto será atualizado caso eles respondam.

O Twitter já tirou do ar uma postagem de Flávio Bolsonaro em março. O senador compartilhou um vídeo no qual, de maneira descontextualizada, o médico Dráuzio Varella aconselhava a população a não mudar o estilo de vida por conta do novo coronavírus —o vídeo era de janeiro deste ano, quando ainda não havia casos registrados no país.

Além de Flávio e Jair Bolsonaro, outras contas intituladas como de "direita conservadora" e que apoiam o presidente da república criaram perfis no Parler, como Olavo de Carvalho, Eduardo Bolsonaro, Marco Feliciano, Abraham Weintraub e o blogueiro Allan dos Santos, entre outros.

Afinal, o que é o Parler?

Criado em 2018, o Parler é bastante parecido com o Twitter, mas tem menos políticas para regulação de conteúdos considerados ofensivos. Em um texto de apresentação, afirma que é "sem viés e de livre expressão, focada na proteção dos direitos do usuário".

Na descrição na Play Store, o Parler ainda diz que "diga ao mundo o que você precisa que eles saibam!". Em entrevista à Fox News, seu executivo-chefe, John Matze, afirmou que a rede social vem recebendo muita atenção dos conservadores porque "eles parecem ser os mais afetados pela censura do Twitter ou do Facebook", mas ressaltou que o aplicativo é para pessoas de todos os pontos do espectro político.

"Não censuramos ou editorializamos, compartilhamos ou vendemos dados de usuários. As únicas coisas que eliminamos são pornografia, ameaças de violência contra alguém e material obsceno", disse.

Sem checagem de fatos

David Nemer, professor brasileiro na Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, que monitora redes bolsonaristas, afirma que percebeu no Parler que a plataforma é predominantemente de direita e extrema-direita. Para ele, o grande atrativo da rede social é a baixa fiscalização sobre o que é postado.

Tanto Bolsonaro quanto Trump já foram advertidos pelo Twitter por divulgar desinformação. Tanto os líderes quanto seus seguidores não gostaram de tal atitude, chamando a plataforma de censora e comunista. Esses dois adjetivos são os mais usados pelos conservadores no ato de demonizar algo ou se criar um inimigo
David Nemer

Apesar disso, o especialista afirma que o Twitter não censura os usuários porque entende que não deve julgar o que é verdade ou não. "Quando há quebra dos termos de serviço, o Twitter ainda age. E é nessas quebras dos termos, que vai desde manipulação de várias contas inautênticas até conteúdos de pedofilia, que os conservadores se sentem censurados e com suas liberdades em risco", afirma.

Quando questionado sobre a regulação das postagens no Parler, o executivo John Matze disse: "Não temos verificadores de fatos. Nós somos uma praça pública, deixamos a responsabilidade para a comunidade. Nossos usuários são sábios o suficiente para filtrar e julgar informações", disse.

De acordo com Matze, o Parler tem até o momento cerca de 1,5 milhão de usuários. Para fins comparativos, o Twitter tem 166 milhões de usuários ativos por mês, enquanto o Facebook tem 2,6 bilhões de usuários mensais.

Câmara de eco

A migração de usuários com o mesmo pensamento ao Parler pode aumentar a polarização social e política, além do extremismo, segundo Nemer. Para ele, isso pode criar a chamada câmera de eco, uma descrição metafórica de uma situação em que as crenças são reforçadas pela comunicação.

"Ou seja, se o assunto é, em sua maioria, sobre uma visão política, amplificado com desinformação e ódio, isso só tende a crescer e dominar os debates dentro de tal câmera", analisa.

Caroline Luvizotto, docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unesp (Universidade Estadual Paulista), concorda que uma rede social com o mesmo perfil de usuários pode contribuir ainda mais para a polarização. Mas, ela ressalta que isso não é uma característica exclusiva do Parler.

"Os algoritmos da rede se baseiam nos hábitos e interações do usuário e oferecem conteúdos que supostamente seriam aqueles que interessam a ele. Isso, por si só, já aumenta a polarização nas discussões", afirma.

Mais fake news?

Outra preocupação do Parler é com relação às fake news, já que sua declarada falta de regulação das postagens pode ampliar a desinformação na web.

Para Luvizotto, as postagens falsas podem ser definidas de três formas:

  • Informação enganosa: aquela que é falsa, mas não criada com intuito de dano;
  • Desinformação: informação falsa criada com o objetivo de causar dano a algo ou alguém;
  • Má informação: aquela baseada em fatos reais, mas distorcida para causar dano a a algo ou alguém.

Além disso, a socióloga ressalta que, quando alguém diz estar agindo a partir do seu direito de liberdade de expressão, precisa saber que isso acarreta deveres e responsabilidades.

"Não se pode expressar uma opinião caracterizada como crime, como por exemplo, dirigir a alguém uma expressão racista ou homofóbica, o que implicaria em crime de racismo ou de homofobia", explica.

Como funciona?

Ingressar no Parler é como entrar em qualquer rede social. É necessário cadastrar um email e um número de telefone e validar a entrada por meio de um código recebido por SMS. Na sequência, basta criar uma senha de pelo menos oito dígitos, e a conta já está aberta.

A primeira coisa que aparece é a sugestão para seguir algumas páginas oficiais, como a da Nasa. Em seguida, aparecem algumas personalidades políticas, como a conta oficial do presidente dos EUA, Donald Trump.

Por meio da barra de buscas, é possível encontrar as contas de outros usuários ou hashtags usadas com os termos pesquisados. Além disso, no canto direito aparecem sugestões dos assuntos que estão em alta.

Na página principal de cada usuário, aparecem postagens de pessoas que ele segue, onde é possível curtir (na opção "vote") ou compartilhar (algo parecido com retuitar, mas a função se chama "echo"). Outra opção parecida com a de outras redes sociais é a aba de comentários.

Para escrever algo para seus seguidores, o usuário utiliza o campo "What's New?", onde ficam disponíveis a opção de postar fotos, GIFs ou emojis. Além disso, é possível editar o perfil do usuário deixando a conta privada ou aberta, assim como ocorre no Facebook ou Instagram.

A reportagem verificou que alguns dos assuntos recentemente postados na rede social por seguidores do presidente estão memes envolvendo a China, críticas aos protestos antirracismo, apoio ao uso da hidroxicloroquina e críticas ao isolamento social por conta da pandemia de covid-19.

Tilt tentou se conectar com alguns usuários do Parler para saber o que estão achando da rede social, mas não obteve resposta.