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Relatora da OAB diz que PL das fake news é frágil e pede que seja rejeitado

Estúdio Rebimboca/UOL
Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL

Gabriel Francisco Ribeiro

De Tilt, em São Paulo

10/07/2020 17h00Atualizada em 10/07/2020 17h21

Em discussão na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o PL das fake news sofreu diversas críticas da conselheira federal do órgão Sandra Krieger Gonçalves, relatora que apresentou seu voto sobre o projeto durante a última reunião do Conselho Federal da OAB, no último dia 7 de julho.

O voto ao qual Tilt teve acesso foi apresentado na reunião, mas ainda não foi discutido e nem votado —portanto, ainda não é uma posição oficial da OAB nacional. O PL das fake news foi aprovado pelo Senado após ser desidratado em alguns pontos criticados pelas empresas de tecnologia e entidades da sociedade civil e, agora, aguarda discussão da Câmara.

A conclusão da relatora é de que o projeto tem "boas intenções", mas põe em segundo plano o "exercício dos direitos de liberdade de expressão, comunicação e privacidade". Em seu voto, ela pede que o Conselho Federal da OAB envie ao Poder Legislativo uma manifestação para que o PL não seja aprovado ou que seja "alterado na sua totalidade".

Os argumentos

Escopo da aplicação da lei

De acordo com Krieger, a abrangência da lei é "mal delineada por contornar um debate essencial sobre a separação de ambientes públicos e privados online". Para ela, o PL parte de muitas premissas equivocadas e tem definições muito superficiais, sendo elaborado para atingir grandes plataformas como WhatsApp, Facebook e Twitter.

Ela critica definições adotadas para delimitar o alcance da lei, como "rede social de mensageria privada", termo que pode abranger emails ou até games online com troca de conteúdos. A relatora cita que as definições carregam "natureza simplória" e "vagueza". Além disso, o PL foca em conteúdos em texto, e na sua visão, ignora vídeos, áudios e outras mídias.

Por conta de tal vagueza, o PL é frágil e em muitas medidas poderia levar a aplicações arbitrárias ou então ser ineficaz. O conceito referencial do que seja "fake news" ou mesmo qual o alcance do termo desinformação não tem nenhuma pista no texto, o que dificulta sua aplicação e interpretação

Para ela, o PL erra ao classificar os serviços como privados ou públicos, quando cada uma dessas plataformas tem funcionalidades de natureza pública e privada (envio de mensagem privada, postagens etc).

"A proposta não oferece caminho seguro para estabelecer um parâmetro ou a distinção entre um grupo fechado de Facebook de 100 pessoas, o encaminhamento para um grupo de 100 pessoas no WhatsApp, ou um Stories para 100 pessoas no Instagram", complementa.

É questionado por Krieger o número de 2 milhões de usuários cadastrados para empresas estarem sob o enfoque da lei —o PL não diz se são usuários no mundo ou no Brasil.

Documento e celular

A relatora critica o uso do cadastro com documento válido e celular para redes sociais, exigido pelo PL. Segundo ela, isso pode ser eventualmente burlado por quem queira criar contas falsas, já que podem ser usados bancos de dados vazados. Segundo ela, a medida "não vem dotada de eficácia".

Outra preocupação é que essa coleta maior de dados pode até facilitar a fraude e falsidade ideológica, já que aumenta o risco de vazamento em empresas de tecnologia —como já ocorreu com o Facebook— comprometendo a privacidade de usuários. Ela critica ainda o cadastro de celulares, que chama de um "contrassenso em tecnologia" e "mera conveniência para certos modelos de negócio".

Rastreamento de mensagens

A parte do texto que pede para rastrear correntes do WhatsApp "parece ineficaz" para esse fim, para a advogada. Ela lembra que o conteúdo é multiplataforma, com links de uma rede para a outra.

Outro ponto abordado é que pequenas alterações de mensagens poderiam ser suficientes para quebrar o registro do encaminhamento e, assim, não cumpriria o propósito de identificar a origem do conteúdo. Ela critica ainda o "escrutínio" que milhões de pessoas sofrerão com isso, algo próximo ao que o WhatsApp chama de "tornozeleira eletrônica" em todos que usam o app.

Liberdade de expressão

Para a relatora da OAB, o PL tem regras que prejudicam a liberdade de expressão, como a retirada imediata de conteúdo por parte das plataformas. Ela cita a necessidade de previsibilidade jurídica para isso e que pode impactar no comportamento dos usuários das redes sociais.

Ela questiona ainda a criação de novos tipos penais e aponta que há uma "vasta gama de interesses comerciais que vêm sendo ignorados pelo estado da discussão", como as fábricas de mensagem em massa e fazendas de robôs de redes sociais.

"Todos participam de uma cadeia maior de desinformação e não serão enquadrados por um tipo penal singular, nem por uma solução simplista e genérica sobre desinformação", lembra.

Conselho de transparência

A criação de um Conselho de Transparência gera, para a relatora, "uma espécie de controle público sobre as informações privadas, expedindo recomendações, mas também podendo avaliar dados de informações dos provedores e plataformas".

Esse conselho poderia definir, para ela, o que é desinformação —o que criaria um Ministério da Verdade, que o autor do PL diz não querer fazer. "Talvez um caminho pudesse ser a maior utilização de checagem como uma forma de combate às notícias falsas", diz o relatório.