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PL das fake news: senadores festejam; ativistas e empresas criticam

Estúdio Rebimboca/UOL
Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL

Bruna Souza Cruz

De Tilt, em São Paulo

01/07/2020 15h50Atualizada em 01/07/2020 20h08

O Senado aprovou nesta terça-feira (30) o texto-base do "PL das fake news", o projeto de lei 2630/20 que prevê novas regras para combater às notícias falsas em redes sociais e serviços de mensagens. Após várias versões, o documento foi aprovado por 44 votos dos senadores, enquanto 32 votaram contra e dois se abstiveram.

Se, por um lado, senadores favoráveis ao projeto, como o relator Angelo Coronel (PSD-BA) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, comemoraram. Por outro, a insatisfação por parte de alguns senadores, empresas e representantes da sociedade civil só cresceu. Muitos acreditam que não houve um debate equilibrado e que algumas das regras previstas violam os direitos dos usuários e ferem a privacidade.

Veja abaixo a repercussão:

Empresas

Estamos decepcionados com a decisão do Senado. As notícias falsas são um grande problema social que existe há séculos em toda forma de comunicação. Estamos combatendo a desinformação por meio de mudanças significativas para reduzir mensagens em massa e virais, que geraram uma redução de 70% nas mensagens altamente encaminhadas no WhatsApp. Forçar as empresas a adicionar um carimbo permanente a todas as mensagens privadas enviadas pelas pessoas marcaria o fim das conversas particulares - tudo o que você disser ou encaminhar seria rastreado e poderia ser usado contra você
WhatsApp, em comunicado a Tilt

O Twitter apoia iniciativas para endereçar a questão da desinformação, desde que sejam tomadas de modo a preservar direitos fundamentais da população como privacidade, segurança, proteção de dados e liberdade de expressão. O projeto de lei ainda traz questões controversas em relação a esses temas e, por isso, pedimos à Câmara que reconsidere a regulação proposta e, antes de votar este texto, promova um debate real, democrático e significativo sobre o assunto com todos os interessados em combater a desinformação e proteger a integridade do atual ecossistema da internet no Brasil
Twitter, em comunicado a Tilt

O Projeto de Lei aprovado pelo Senado compromete a operação de aplicações de internet no país, no momento em que a população brasileira conta com eles para se manter conectada diante da pandemia e milhões de pequenos negócios usam essas plataformas para enfrentar a crise econômica resultante da covid-19. O combate à desinformação é prioridade para o Facebook, e acreditamos que qualquer regulação de conteúdo online deve ser resultado de um amplo debate envolvendo toda a sociedade, para que não traga efeitos indesejados sobre a privacidade e a liberdade de expressão
Facebook, em comunicado a Tilt

Sociedade civil

Acho que [o texto final] foi um avanço importante em relação as péssimas versões apresentadas antes. E isso só foi possível a partir de muita mobilização, carta aos parlamentares. Agora temos uma batalha enorme na Câmara dos Deputados porque ainda existem pontos do projeto preocupantes. É importante que a sociedade esteja atenta a isso. Existe uma frustração grande de perceber que ainda há pouco debate de mérito sobre esse projeto de lei. Você vê as pessoas se posicionando contra ou a favor só porque elas conhecem alguém que foi difamado na internet. Todo mundo é contra fake news. Mas a questão é quais são os instrumentos para a gente desestruturar essas redes de fake news
Marina Pita, coordenadora do Intervozes

[A votação] confirmou a previsão de que o PL seria aprovado de qualquer jeito, mesmo com os graves problemas. Alguns foram reduzidos, mas aspectos graves se mantiveram, particularmente o monitoramento sistemático e em massa de dados de todo mundo que usa mensageiros instantâneos. Preocupa muito vários senadores e senadoras se mostrarem indiferentes aos riscos reais da guarda de metadados de brasileiros. Em 2013, Edward Snowden ficou famoso justamente por denunciar ao mundo que a NSA armazenava e analisava metadados de pessoas de todo o mundo para propósitos de inteligência militar e econômica
Paulo Rená, Mestre em Direito, Estado e Constituição (UnB) e um dos gestores do Marco Civil da Internet

Achei que o processo foi muito atravancado. Começou com um texto ambicioso que foi desidratado rapidamente, e deixou de discutir desinformação e abandonou a parte penal. Na parte da transparência acho que formou-se um consenso. A identificação de usuários foi a mais controversa: abriu a possibilidade de essa confirmação acontecer com denúncias, o que é ruim, o que pode banalizar com as pessoas enchendo o saco de adversários. Mas acho que tende a cair quando tramitar na Câmara
Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo

A versão do relatório aprovada trouxe diversas mudanças em relação à versão original do autor (...) terminou com a redução de diversas propostas problemáticas inseridas ao longo da tramitação, mas ainda mantém mudanças legais com potencial de prejuízo a direitos fundamentais, como a privacidade, a proteção de dados, o acesso à internet e a liberdade de expressão. Por isso, a análise na Câmara dos Deputados será fundamental para corrigir os problemas que persistem no texto
Nota da Coalizão Direitos na Rede

O Artigo 7 [sobre plataformas solicitarem ao usuário identidade em casos de denúncias ou ações judiciais] confere um 'poder de polícia' às plataformas, que vão ter que desenvolver mecanismos de detecção de fraudes no uso das contas e viola o princípio da necessidade na Lei Geral de Proteção de Dados, que diz que a coleta de dados deve se restringir ao necessário para a prestação do serviço. E o Artigo 10 [serviços de mensagens armazenarem registros dos envios de mensagens em massa por até três meses] é uma falácia [dizer] que só porque não são guardados os conteúdos das mensagens ele não viola a privacidade
Raquel Saraiva, presidente do IP.rec (Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife) e integrante da Coalizão Direitos na Rede

Surreal que a gente está a um passo de aprovar, com o artigo 10 do #PLFakeNews, a guarda de metadados de quem falou com quem nos apps de chat tudo [sic]. "Encaminhamento em massa" = envio para mais de cinco pessoas, ou seja, vai pegar todo mundo
Joana Varon, advogada e fundadora da Coding Rights, que promove a proteção dos direitos humanos na web

Senadores

Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado

Angelo Coronel (PSD-BA), relator

Lasier Martins (Podemos-RS)

Márcio Bittar (MDB-AC)

Humberto Costa (PT-PE)

Telmário Mota (PROS-RR)

Confira as principais mudanças com base no documento aprovado pelo Senado:

Identificação de usuários

Como fica: As empresas responsáveis pelas plataformas de redes sociais e de serviços de mensagens poderão, com base no projeto de lei, solicitar ao usuário apresentação de documento de identidade (como RG, CPF ou passaporte) válido nos seguintes casos:

  • Denúncias por desrespeito da possível lei;
  • Indícios de contas automatizadas não identificadas como tal;
  • Indícios de contas falsas ou nos casos de ordem judicial.

Para serviços de mensagens, o projeto de lei prevê que, caso o serviço esteja atrelado a número de celular, os provedores ficam obrigados a suspender usuários que tiverem suas contas telefônicas desabilitadas pelas operadoras de telefonia. Por exemplo, se você tem uma conta no WhatsApp e seu celular é inativado, o app seria obrigado a cancelar sua conta também.

Como é hoje: Não há regra semelhante. Em muitas plataformas, basta fornecer apenas o email para se cadastrar (ou apenas o número do celular, no caso do WhatsApp).

Qual a polêmica? Até semana passada, o documento previa a obrigação do fornecimento de um documento de identidade válido para a criação de contas em redes sociais e serviços de mensagens. O objetivo seria dificultar a criação de perfis falsos, mas especialistas chegaram a afirmar que a obrigatoriedade seria uma ameaça à privacidade.

Mensagens encaminhadas

Como fica: Limite de encaminhamento de uma mesma mensagem para até cinco usuários ou grupos. Durante período de propaganda eleitoral, situações de emergência ou de calamidade pública, isso se reduz para uma única mensagem.

Esse trecho foi uma das propostas discutidas após a aprovação do texto-base. Alguns senadores solicitaram que ele fosse alterado por ele ser um risco à privacidade dos usuários. Foi o caso de partidos como o Podemos, PSD e Rede. Mas a proposta foi negada.

Como é hoje: Não existe regras determinadas por lei. No caso do WhatsApp, ele limita o número de conteúdo encaminhado para até cinco pessoas. Mensagens que forem altamente replicadas poderão ser encaminhadas para apenas uma pessoa, grupo ou lista de transmissão de cada vez.

Qual a polêmica? A suspensão de contas a partir de números desabilitados é um conceito pouco claro, segundo ativistas. Se uma pessoa não pagou a conta de telefone, por exemplo, ele teria que perder o WhatsApp ou o Telegram, que ainda poderiam ser acessados por wi-fi. Além disso, obriga um compartilhamento de dados pessoais entre plataformas e operadoras de telefonia que também colide com a Lei Geral de Proteção de Dados.

Mensagens armazenadas

Como fica: O PL determina que empresas armazenem por três meses os registros de mensagens encaminhadas em massa. Além disso, se for preciso (como em uma decisão judicial), elas terão que indicar os usuários que realizaram os encaminhamentos em massa com data e horário, e o número total de usuários que receberam esse conteúdo.

"Considera-se encaminhamento em massa o envio de uma mesma mensagem por mais de cinco usuários, em intervalo de até 15 dias, para grupos de conversas, listas de transmissão ou mecanismos similares de agrupamento de múltiplos destinatários", define o PL.

A obrigatoriedade de armazenamento não se aplicará no caso de mensagens que não alcançarem pelo menos mil usuários.

Como é hoje: empresas não são obrigadas por lei a armazenarem registros de mensagens, sejam elas encaminhadas ou não. Segundo o Marco Civil da Internet, as companhias devem manter salvos logs de acesso (relacionados ao endereço IP do dispositivo).

Qual a polêmica? Cria-se uma monitoração "preventiva" de todos os usuários. Além disso, não está claro o motivo sobre o tempo estipulado de três meses para guardar as mensagens. E este tempo amplia o estrago no caso de vazarem da plataforma ou de haver acessos indevidos ao conteúdo.

Uso assumido de robôs

Como fica: Contas que funcionem com automatização ("robôs") poderão ser excluídas se não deixarem essa informação clara. A entrega de mensagens distribuídas em massa (listas de transmissão ou de grupos) também ficará condicionada à permissão dos destinatários.

Como é hoje: Não existe lei que obrigue uma empresa, por exemplo, a informar que seu disparo de mensagens é feito de forma automatizada.

Qual a polêmica? Ao não deixar claro os mecanismos para identificar robôs, a lei pode afetar contas usadas por humanos que deem "falso positivo" como robôs, e essa pessoa perderia seu direito ao anonimato.

Perfis de agentes políticos sem bloquear ninguém

Como fica: Agentes políticos e órgãos públicos ficam proibidos de bloquear usuários em seus perfis em redes sociais por serem classificados como de interesse amplo.

Como é hoje: Não há uma regra específica. Enquanto isso, o próprio presidente Jair Bolsonarorestringiu o acesso de outros usuários às suas publicações no Twitter, por exemplo.

Qual a polêmica? Falta critérios sobre quais perfis dos políticos devem passar por isso. Afinal, um parlamentar pode ter uma conta oficial e verificada, e usar outra com pseudônimo ou outros tipos de conteúdo.

Moderação de conteúdo

Como fica: As redes sociais terão que divulgar relatórios trimestrais públicos de transparência sobre os conteúdos e contas que foram moderados. Entre as informações que o documento deve ter estão:

  • Número total de medidas de moderação de contas e conteúdos;
  • Motivação da moderação;
  • Medidas tomadas;
  • Número de contas automatizadas;
  • Redes de distribuição;
  • Conteúdos impulsionados e publicitários.

E isso vale para casos de cumprimento dos termos de uso privado, da lei e de ordem judicial.

Como é hoje: não há regras legais.

Qual a polêmica? Faltaria especificar a metodologia e como isso afetaria o trabalho de diferentes plataformas, incluindo as criptografadas.

Exclusão imediata de conteúdo

Como fica: A plataforma pode excluir conteúdos sem notificar o usuário em casos de riscos de:

  • Dano imediato de difícil reparação;
  • Segurança da informação ou do usuário;
  • Grave comprometimento da usabilidade da aplicação;
  • Incitação à violência;
  • Indução ao suicídio;
  • Indução à pedofilia;
  • Deepfake.

Em uma das versões anteriores, o texto dizia que a plataforma seria obrigada a remover conteúdo nestes casos, mas foi alterado.

Como é hoje: O Marco Civil da Internet prevê para os internautas segurança legal quanto aos casos citados. Ele exige uma ordem judicial para que a plataforma seja obrigada a remover o conteúdo. O MCI só prevê a obrigação para os casos de imagens de nudez e sexo de pessoas divulgadas sem consentimento.

Conteúdos patrocinados

Como fica: Mensagens patrocinadas devem ter recursos para o descadastramento do destinatário, segundo o documento. Além disso, os provedores devem fornecer aos usuários o histórico do conteúdo patrocinado os quais tiveram contato nos últimos seis meses.

"As medidas de identificação de conteúdos impulsionados e publicitários de que trata esse artigo devem ser disponibilizados de maneira destacada aos usuários e mantidos inclusive quando o conteúdo ou mensagem for compartilhado, encaminhado ou repassado de qualquer maneira", informa o documento.

Como é hoje: Não há regra parecida sobre o tema.

Órgãos Reguladores

Como fica: criação de um mecanismo para regulação das novas regras com:

  • Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet: fica responsável por estabelecer o código de conduta e fiscalizar empresas sobre as iniciativas em temas que envolvem, no mínimo, "desinformação, discurso de incitação à violência, ataques à honra e intimidação vexatória."
  • Instituição autorreguladora: criada pelas empresas de redes sociais e de serviços de mensagens com foco em transparência e responsabilidade no uso da internet. Fica a critério delas a sua criação. Mas, caso queiram, o órgão deverá ser certificado pelo Conselho de Transparência destacado acima.

Sanções

Caso as empresas de redes sociais e de serviços de mensagens infrinjam as regras previstas no PL, elas ficam sujeitas a advertência e multa de até 10% do faturamento.