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Lockdown x flexibilização: com medidas conflitantes, isolamento social caiu

Movimentação de pessoas em Recife (PE) mesmo com lockdown - Jailton Júnior/JC Imagem
Movimentação de pessoas em Recife (PE) mesmo com lockdown Imagem: Jailton Júnior/JC Imagem

Carlos Madeiro

Colaboração para Tilt, em Maceió

04/06/2020 04h00

Apesar de ter um estado inteiro, o Amapá, e cidades populosas como Fortaleza, Recife e Belém terem adotado o lockdown, os movimentos pontuais de afrouxamento das medidas parece ter estimulado mais pessoas a circular —uma tendência que vem se aprofundando ao longo das últimas semanas. O índice nacional de pessoas em casa caiu para 44,15% em maio, sendo que nos últimos dias tivemos recorde negativo de isolamento social com apenas 39,2% respeitando a quarentena na sexta-feira (29).

O menor índice representa uma queda de 23 pontos percentuais em relação ao pico máximo registrado até agora, de 62,2% (22 de março), segundo o IIS (Índice de Isolamento Social) da startup brasileira Inloco, que usa dados de geolocalização para calcular a movimentação de celulares pelo país.

Nos dias úteis (descontando fim de semana e feriados), chegamos ao menor percentual: média de 41,4% de isolamento, muito abaixo dos 70% mínimos recomendados pela OMS (Organização Mundial de Saúde).

Semana a semana, estamos vendo a adesão média ao isolamento social no Brasil cair:

  • 23/03 a 29/03 - 54,04%
  • 30/03 a 05/04 - 49,50%
  • 06/04 a 12/04 - 48,37%
  • 13/04 a 19/04 - 46,40%
  • 20/04 a 26/04 - 46,64%
  • 27/04 a 03/05 - 44,95%
  • 04/05 a 10/05 - 43,22%
  • 11/05 a 17/05 - 44,84%
  • 18/05 a 24/05 - 44,15%
  • 25/05 a 31/05 - 42,77%

A média de abril tinha sido de 47%. Nas últimas duas semanas de março, quando as medidas começaram a vigorar, era de 48%.

O último domingo (31), quando mais pessoas costumam ficar em casa, menos da metade população ficou em quarentena —isolamento de 49,8%, o pior índice para um domingo desde o início dos decretos estaduais e municipais, com exceção do Dias das Mães (47,2%).

Segundo levantamento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), até agora 91 cidades entraram em lockdown desde o início de maio.

Desde o fechamento total, no dia 19, o Amapá lidera o ranking do isolamento por estado, alcançando 56,2% no domingo. O estado registrou índices superiores a 50% em nove dos 10 dias (a única exceção foi o dia 29, quando alcançou 48,4%). No dia 24, bateu 60,7%.

Em Pernambuco, onde cinco cidades —entre elas Recife— encerraram lockdown no domingo, a taxa de isolamento social alcançou 53,5%, a terceira maior do país, após o Amapá e o Acre (que teve taxa de 54,5%, mesmo sem nenhuma cidade em lockdown).

No outro extremo do ranking, aparece Goiás, com índice de 44,5% no domingo, seguido por Tocantins (46%), Mato Grosso do Sul (46,2%), Mato Grosso (46,7%) e Minas Gerais (47,4%).

Em São Paulo, principal foco da doença e maior Estado do país, nem mesmo o decreto de cinco feriados nos últimos dias ajudou a puxar o índice de isolamento social para cima. O IIS caiu para menos de 40% pela primeira vez desde o início da quarentena: 39,2%, também na sexta (29).

Como é medido o IIS, da In Loco?

A In Loco possui uma tecnologia própria que puxa de forma automatizada (bot) dados públicos gerados pelos celulares das pessoas, que normalmente são usados para direcionar publicidade. É o chamado Advertising ID, um número único que constantemente identifica os interesses dos usuários que navegam pelos serviços de plataformas como Google e Facebook. Ele serve para mostrar anúncios segmentados ou personalizados (ou "anúncios com base em interesses"), que geram receita para os apps.

Entre seus clientes, há bancos e grandes varejistas, que usam essa tecnologia em seus aplicativos para detectar possíveis operações suspeitas e evitar fraudes.

Segundo a startup, esse identificador também serve para detectar se um celular fica por períodos prolongados em determinado local. Ele envia para os servidores da empresa o endereço e o identificador de publicidade do smartphone, com isso dá para estabelecer a razão entre quem está "estacionado" e quem se desloca —"uma tecnologia 30 vezes mais precisa que a do GPS", diz.

Por isso, a empresa conseguiu montar um sistema de monitoramento diário, que foi usado pela prefeitura de Recife. Eles têm acesso ao identificador de 30 milhões de celulares brasileiros —o que corresponde a uma parte da população estimada do Brasil, que hoje é de 211 milhões, segundo o IBGE.

O IIS é medido diariamente, mas demora alguns dias para ser publicado.

De onde vêm os dados de geolocalização?

O seu celular tem embutido um GPS (Sistema Global de Posicionamento, da sigla em inglês), que troca constantemente informações com um satélite para determinar a sua geolocalização. Isso, em geral, serve para coisas como: te ajudar a saber onde está num mapa, qual caminho tomar quando está perdido, se deve virar à esquerda ou quanto falta para chegar a um destino, onde está o seu celular perdido/roubado ou qual o nome do estabelecimento onde está para colocar na descrição de uma foto no Instagram.

Empresas como Google, dona de Google Maps, Waze e Google Fotos, e Facebook, dono de WhatsApp e Instagram, e Apple armazenam seus deslocamentos em históricos de trajetos ou locais visitados. Com esse tipo de informação, dá para saber se um celular fica no mesmo local todas as noites (que seria sua casa) e se move todos os dias para um outro (provavelmente seu trabalho).

O índice de isolamento social, neste caso, mede isso: o celular passou o dia num raio bastante próximo da localidade tida como sua casa? Entra para a estatística do grupo que respeitou a quarentena. Caso contrário, vai para o índice dos que saíram de casa.

Normalmente, você precisa ativar a função de geolocalização — alguns apps pedem autorização para enviar os dados, outros não. Quando isso acontece, eles se tornam públicos —mas há uma grande discussão sobre consentimento e direito a privacidade em jogo.