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Chá de avô inspirou brasileira a criar uma pomada para feridas diabéticas

Base da pomada foi feita com o óleo essencial da planta Cordia verbenacea, popularmente conhecida como erva-baleeira - Divulgação/Jéssica Martim
Base da pomada foi feita com o óleo essencial da planta Cordia verbenacea, popularmente conhecida como erva-baleeira Imagem: Divulgação/Jéssica Martim

Bruna Souza Cruz

De Tilt, em São Paulo

04/06/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • Brasileiras criaram pomada que acelera cicatrização de feridas agravadas pela diabetes
  • Planta pesquisada é Cordia verbenacea, popularmente conhecida como erba-baleeira
  • Ideia de estudar planta surgiu por influência do avô de uma das pesquisadoras
  • Para tratar problema de saúde, avô já fazia uso do chá da erva e teve bons resultados

Erva-baleeira, Maria-milagrosa. Guarde os nomes dessa planta, pois pesquisadoras brasileiras descobriram que ela pode ser usada como futura aliada no tratamento de feridas agravadas pela diabetes. Para quem tem a doença, cortes, bolhas e simples rachaduras podem evoluir e, nos casos mais graves, causar amputação do membro se não forem tratadas.

Os bons resultados do uso da planta Cordia verbenacea, seu nome científico, apareceram na pesquisa de mestrado em biotecnologia industrial da bióloga Jéssica Martim. Ela conseguiu comprovar que a pomada feita a base do óleo essencial da planta foi capaz de acelerar o processo de cicatrização de feridas em animais com a diabetes.

O experimento foi tão satisfatório que Martim está finalizando a documentação para dar entrada no pedido de patente da fórmula. O estudo foi realizado na Universidade Positivo, em Curitiba, e contou com a orientação de Thais Andrade Costa-Casagrande, doutora em ciências pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (Universidade de São Paulo) e co-orientação de Leila Maranho, doutora em engenharia florestal pela Universidade Federal do Paraná.

"Ver uma pesquisa que pode ajudar pessoas, com nossos recursos [por ser uma planta brasileira] e ter eficácia é muito gratificante", afirmou Martim a Tilt.

"Os resultados levam um tempo para serem obtidos e muitas vezes passamos por momentos que não são fáceis dentro de uma pesquisa. Mas a gratificação de ter feito e chegado a algum lugar alimenta muito nossas expectativas de interesse de pessoas, da indústria e de quem queira investir", acrescentou.

Receita do avô

A mestre em biotecnologia industrial decidiu estudar a erva-baleeira por ela já fazer parte de sua dinâmica familiar. O avô tinha um problema de saúde e começou a usá-la em forma de chá por indicação de um amigo. Como os dois haviam tido um bom resultado, a bióloga começou a buscar mais informações e estudos científicos sobre a eficácia e o efeito anti-inflamatório da planta.

"Quando fomos pesquisar a planta, observamos os relatos relacionados com cicatrização e nos chamou a atenção o uso para essa finalidade. Sabemos que o diabetes causa um problema de vasculite que dificulta a cicatrização, principalmente em regiões de extremidade. Então resolvemos testar o potencial de cicatrização da planta em animais diabéticos", lembrou a orientadora Thais Casagrande.

Bióloga Jéssica Martim (esq.) e a orientadora professora Dra. Thais Andrade Costa-Casagrande durante a pesquisa de mestrado sobre os efeitos da Cordia verbenacea em feridas agravadas pela diabetes - Divulgação/Jéssica Martim - Divulgação/Jéssica Martim
Bióloga Jéssica Martim (esq.) e a orientadora professora Dra. Thais Andrade Costa-Casagrande durante a pesquisa de mestrado sobre os efeitos da Cordia verbenacea em feridas agravadas pela diabetes
Imagem: Divulgação/Jéssica Martim

A vantagem da erva-baleeira, segundo as entrevistadas, está no fato de ela ser brasileira, acessível (é encontrada facilmente no litoral do país) e economicamente viável de se utilizar em larga escala. Além disso, não se mostrou tóxica.

Como elas chegaram no resultado

O estudo científico em questão começou há cerca de quatro anos. As primeiras etapas envolveram análises microbiológicas da planta e a submissão do projeto ao comitê de ética e pesquisa animal da universidade— procedimento padrão para pesquisas com animais.

Após a aprovação do comitê, os experimentos começaram. As pesquisadoras definiram o número de ratos de laboratório que seriam testados, estabeleceram os cuidados necessários para lidar com os animais e induziram a diabete neles.

Pequenos machucados foram feitos nos ratos e as pesquisadoras começaram a analisar o processo de cicatrização, principalmente nas feridas tratadas com a pomada de erva-baleeira.

Os ratos foram acompanhados por 18 meses e foram divididos em grupos de tratamento de oito e 15 dias. A melhora no processo de cicatrização começou após oito dias de tratamento com a pomada.

Na época da pesquisa, Martim precisava se dividir entre seu trabalho e o mestrado. Foi muita correria, mas tudo deu certo.

Para o futuro da pomada natural, ainda será preciso mais alguns testes e avaliações de órgãos competentes, até para o possível uso humano no futuro. Mas as pesquisadoras reforçam que todo o trabalho já indica o quanto pode ser benéfico para ajudar pessoas.

Para os entusiastas da pesquisa científica, Matrim destaca que o importante é não ter medo de tentar. "A pesquisa move o mundo e tem muito o que ser pesquisado e estudado ainda. Ainda mais num país como o nosso, abastecido de fauna e flora única, pesquisadores de qualidade e universidades dispostas e engajadas."