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Como Bill Gates virou para-raios de teorias da conspiração e fake news

Imagem: Reuters

Bruna Souza Cruz

De Tilt, em São Paulo

26/05/2020 17h02

Bill Gates é amplamente conhecido por ter fundado a Microsoft, empresa dona do sistema operacional mais popular do mundo, o Windows. Mas, recentemente, se tornou o vilão da pandemia. Dia sim, dia não, desde que a covid-19 ganhou força, ele é acusado de querer usar uma vacina contra o novo coronavírus para implantar microchips e escravizar todo o mundo.

A teoria da conspiração já foi desmentida. Pode parecer óbvio dizer que é mentira, mas uma pesquisa feita pelo Yahoo News/YouGov divulgada na última sexta-feira (22) mostrou que é sempre bom reforçar que é falso: 44% dos republicanos nos Estados Unidos acreditam que Gates planeja usar uma campanha de vacinação em massa contra a covid-19 para monitorar bilhões de pessoas.

Não é de hoje que o nome do bilionário é envolvido em conspirações, mas a crise provocada pelo novo coronavírus parece ter potencializado o ódio contra ele. A coisa piorou quando um discurso feito por ele em 2015 voltou à tona. Durante uma TED Talk (evento de palestras), Gates ressaltou que o próximo desafio da humanidade não seria uma guerra nuclear, mas um vírus que iria infectar e ameaçar a vida de milhões de pessoas. Soa familiar com o momento atual?

Foi então que a internet "parou". Internautas começaram a compartilhar o vídeo com as falas de Gates, memes surgiram, mensagens de espanto com o tom profético do bilionário, e, claro, teorias da conspiração.

Alguns grupos (que incluíam pessoas do movimento antivacina e outras de extrema direita) saíram pela internet defendendo que o vídeo prova que Gates quer se aproveitar do caos de uma pandemia para aumentar seu domínio sobre as pessoas, instalando microchips em seus corpos para rastrear cada passo da população mundial.

Falsas notícias usando o nome do bilionário parecem ter aumentado depois que Gates criticou a postura do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, à pandemia e defendeu a importância de se existir uma vacina eficaz contra o vírus.

Imagem: Indraneel Chowdhury / NurPhoto via Getty Imagens

Gates e o movimento antivacina

Por meio de sua Fundação Bill e Melinda Gates, o bilionário tem feito grandes doações para iniciativas de combate à covid-19 —uma delas destinou R$ 785 milhões para tal objetivo. No início de abril, o laboratório financiado pela entidade anunciou que iria começar a testar em humanos uma possível vacina contra a doença. A expectativa é que os primeiros resultados sobre a segurança do procedimento sejam divulgados até setembro.

Mas essa não é a primeira vez que Gates investe em pesquisas de vacinas. Historicamente, sua fundação é reconhecida por dar recursos para projetos de redução de desigualdades, financiando pesquisas na saúde pública e focando nas comunidades mais pobres. Ao mesmo tempo que defendia a vacina como uma oferta de saúde essencial, Gates se tornou alvo do movimento antivacina, que reúne pessoas que questionam sua eficácia sem embasamentos científicos e é popular em países como os Estados Unidos.

Grupos no Facebook, vídeos no YouTube, mensagens no WhatsApp. Várias plataformas são usadas para disseminar falsas crenças e discursos conspiratórios —há quem defenda que Gates usa de seu poder, influência e dinheiro para pressionar políticos, governos e a própria OMS (Organização Mundial da Saúde) para aprovar iniciativas de seu interesse (uma delas, seria a redução da população do mundo).

Um caso que não foi provado, mas que circula entre os críticos do bilionário envolve a Fundação Gates e a vila Navrongo, em Gana. James Phillips, um pesquisador e professor da Universidade de Columbia que atuou na vila por anos em um projeto parcialmente patrocinado pela fundação, havia entrado em conflito com uma pessoa demitida da equipe. Esta pessoa espalhou o boato de que a entidade teria apoiado o uso de um contraceptivo em moradores inocentes como parte de um experimento de controle populacional, segundo o BuzzfeedNews.

Cartazes de "o procurado" com o rosto de Phillips foram espalhados pela região em uma caçada. As autoridades investigaram o caso e as acusações foram dadas como falsas. Mas as notícias do suposto genocídio financiado por Gates se espalharam pelo país.

Imagem: Arnd Wiegmann / Reuters

Acusações e novos relatórios que tentavam provar o uso indevido do contraceptivo se prolongaram por anos. A reportagem do BuzzfeedNews lembra ainda que, em 2014, um representante do governo do Zimbábue alertou as mulheres sobre o perigo do uso de contraceptivos, pois era uma estratégia do ocidente para limitar a população na África.

A suposta ação da Fundação Gates em Gana não ficou provada, mas as teorias só cresceram. Nos anos seguintes, novas conspirações ligaram o ex-Microsoft aos surtos do ebola e a febre do zika. Com a pandemia do novo coronavírus, mais e mais acusações se juntaram ao bolo. Até uma petição compartilhada no site da Casa Branca para consultar os cidadãos se eles achavam importante a abertura de uma investigação da Fundação por negligência médica e crimes contra a humanidade foi aberta. Mais de 576 mil pessoas assinaram.

Hashtags pedindo a prisão de Gates e criticando seu trabalho invadiram a internet novamente e até as ruas —manifestações contrárias ao bilionário apareceram no último mês em cidades nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Índia.

Na Itália, uma deputada que apoia o movimento antivacina afirmou que deseja que Gates seja preso por seus "crimes contra a humanidade" e que sua vacina está sendo desenvolvida para escravizar as pessoas.

É bom lembrar que a Organização Mundial da Saúde defende a importância da vacinação na imunização de doenças e que a "hesitação em se vacinar" foi destacada como uma entre as dez maiores ameaças globais à saúde no ano passado.

Sobre a polêmica atual, se analisarmos os fatos públicos, não há provas de que Gates esteja trabalhando ou apoiando pesquisas que usem vacinas para a implantação de microchips para qualquer fim, nem mesmo com o objetivo de um possível controle de propagação de uma doença.

"É meio que triste. Quem imaginaria que a Lysol (fabricante) teria que lembrar as pessoas para não tomarem desinfetantes? Algumas pessoas realmente agem em cima de notícias falsas. A desinformação é perigosa, particularmente nesse tipo de crise em que as pessoas estão mais dispostas a acreditar em coisas absurdas", afirmou Gates em uma entrevista recente ao site Vox.

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