Topo

Queremos muito uma vacina universal para gripe, mas ela ainda está longe

Marcel Lisboa/UOL
Imagem: Marcel Lisboa/UOL

João Paulo Vicente

Colaboração para Tilt

10/04/2020 04h00

Em meio a pandemia da covid-19, órgãos de saúde brasileiros já começam a vacinar contra a gripe, enquanto tentam evitar aglomerações podem expor o público ao coronavírus. Se depender do sucesso de pesquisas apoiadas pelos Institutos Nacionais da Saúde dos EUA (NIH), isso não se repetirá. Por que? O objetivo é criar uma vacina universal para influenza, o vírus da gripe.

Já neste ano, aconteceram avanços significativos nesse sentido. No início de maio, por exemplo, os primeiros testes clínicos com um protótipo de vacina chamada FLU-v tiveram resultados promissores.

Grosso modo, as vacinas contra gripe conseguem prevenir uma cepa específica do vírus, que sofre pequenas alterações ano a ano. No caso da FLU-v, há quatro componentes diferentes que seriam capazes de interagir com uma nova gripe mesmo se uma das regiões do vírus sofrer uma mutação. Também há outras abordagens em estudo, mas por causa da covid-19, todas elas passaram quase despercebidas fora do círculo acadêmico.

Por outro lado, a ideia de uma vacina universal também atraiu pesquisadores que buscam uma solução para a covid-19, causado pelo vírus SARS-Cov-2. Outros tipos de coronavírus já haviam causado epidemias na Ásia em 2002, com o Sars, e no Oriente Médio, em 2012 e 2013, com o Mers. No futuro, coronavírus ainda desconhecidos podem aparecer em novas epidemias.

"Somos todos nós contra esses bichinhos", disse ao site Stat o pesquisador da Universidade de Washington Neil King, que trabalha na busca por vacinas contra os coronavírus desde 2017 e tenta desenvolver um produto eficiente contra a covid-19. Para ele, um dia nós veremos um novo surto causado por vírus semelhantes. "Nós precisamos de uma vacina universal contra o coronavírus", afirmou.

Este, no entanto, é um objetivo a longo prazo. "Sem dúvida nós sempre buscamos alguma coisa que seja universal", diz Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Incor e coordenador de um grupo que desenvolve uma vacina brasileira contra a covid-19. "Mas agora não estamos preocupados com isso, é urgente fazermos alguma coisa contra o que está circulando agora."

As mutações da gripe

Apesar do termo "universal" fazer parte do nome da linha de financiamento oferecida pelo NIH para as vacinas contra a gripe, Ricardo Palacios, diretor médico de Pesquisa Clínica do Instituto Butantan, explica que não é bem assim. "A gente tende a evitar esse termo, é uma promessa muito ambiciosa. Internamente utilizamos vacinas de influenza de amplo espectro", afirma.

Isso significa que a vacina teria a cobertura para muitas variações da gripe, mas não todas. "Se conseguíssemos mudar a vacina e fazer com que ela precisasse ser tomada só a cada três anos ou cinco anos, seria um avanço enorme", diz Palacios.

Mas isso não é fácil. Assim como todos os vírus, o influenza tem um sistema de replicação imperfeito. Ao se reproduzir, é como se o novo vírus fosse uma cópia mal feita, compara o pesquisador do Butantan. No caso da gripe, essas mudanças são muito rápidas e as regiões alteradas do vírus normalmente são aquelas que um organismo imunizado reconheceria e o neutralizaria.

"O que a gente tenta é ter anticorpos que não sejam nessas áreas altamente mutáveis e que também neutralizem vírus", diz Jorge Kalil, do Incor. Em 2017, durante um período de pesquisas no NIH, Kalil acompanhou algumas reuniões do grupo que discutia a vacina universal para o influenza. "É preciso, por exemplo, fugir dos anticorpos contra o H1N1 e se juntar mais em áreas comuns a todos os vírus." Um desafio ainda longe de ser solucionado.

Mas e o coronavírus?

E também mais complexo no caso dos coronavírus. Ao contrário das gripes, onde as variações ano a ano são cepas de um mesmo vírus, no caso da covid-19 trata-se do vírus de uma espécie diferente dos que resultam em doenças como Sars e Mers.

Kalil explica que há semelhanças entre o vírus causador da Sars, o SARS-CoV, e da covid-19, o SARS-CoV-2. "Mas precisamos de mais estudos para entender se a parte das espículas, uma proteína importante na ligação com a célula, se é semelhante ou igual nas duas estruturas", diz. "Se não for, teríamos que ver anticorpos de outras regiões que poderiam neutralizar ambos os vírus, mas esse é um trabalho de pesquisa bem mais longo."

Em todo caso, muitos dos pesquisadores que se voltaram para o desenvolvimento de uma vacina contra a covid trabalhavam antes em iniciativas relacionadas a um dos outros coronavírus.

Mas se a primeira epidemia do Sars foi em 2002, há quase 20 anos, então porque já não inventaram uma vacina pronta para ser usada como ponto de partida? Ricardo Palacios, do Butantan, faz um paralelo importante. Quando o surto do Ebola ultrapassou as fronteiras do continente africano e chegou à Europa e aos Estados Unidos, a necessidade de focar pesquisas em doenças que normalmente estão restritas a países de terceiro mundo ficou latente.

Uma das consequências disto foi a criação em 2016 do R & D Blueprint, uma plano de estratégia global feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para estabelecer ano a ano quais doenças infecciosas são mais críticas tanto do ponto de vista de risco oferecido à população quanto da necessidade de pesquisas e desenvolvimento de vacinas e medicamentos específicos.

Desde 2017, os relatórios anuais da R & D Blueprint incluem Sars e Mers na lista, assim como outras possíveis doenças causadas por coronavírus. Podíamos não estar preparados. Mas estávamos avisados.

SIGA TILT NAS REDES SOCIAIS