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Falta até PC! Empresas penam para ter 'home office' no Brasil após covid-19

Trabalho em casa tem sido visto como solução para impedir disseminação do coronavírus, mas esbarra na falta de preparo das empresas. - iStock
Trabalho em casa tem sido visto como solução para impedir disseminação do coronavírus, mas esbarra na falta de preparo das empresas. Imagem: iStock

Helton Simões Gomes

De Tilt, em São Paulo

17/03/2020 04h00Atualizada em 17/03/2020 20h25

Sem tempo, irmão

  • Empresas estão mandando funcionários trabalharem de casa no Brasil
  • O 'home office', porém, esbarra em alguns gargalos tecnológicos
  • Faltam computadores para colaboradores levarem para casa
  • Ferramentas de comunicação e de produtividade podem não ser o suficiente
  • Outro fator é ausência de protocolos para compartilhar informação

O medo do coronavírus fez empresas iniciarem uma corrida para permitir que seus funcionários trabalhem de casa. Só que isso esbarra na falta de preparo tecnológico delas. Faltam computador e regras para uso seguro de ferramentas digitais. Também é preciso não pôr as informações de clientes e dos próprios trabalhadores em risco. O cenário é a avaliação geral de especialistas ouvidos por Tilt.

Se alguns países como Itália e Espanha já decretaram quarentena para seus moradores, o Brasil ainda não obrigou todo mundo a ficar em casa. Ainda assim, o isolamento é a única maneira de impedir o avanço do coronavírus, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Diversas empresas brasileiras estão adotando a prática voluntariamente, mas estão tendo problemas.

Faltam até computadores

"Já está faltando computador. Não tem aluguel de notebook disponível", diz Amélia Caetano, consultora do Instituto Trabalho Portátil, que cria programas de trabalho remoto e tem entre seus clientes empresas como Braskem, Basf e Banco Votorantim.

Ela conta que cresceu em 50% a chegada de clientes novos. Por outro lado, companhias que já têm contrato pediram para acelerar a implantação de programas de trabalho remoto. Normalmente, isso leva um ano, para que as diversas áreas permitam aos poucos que seus colaboradores trabalhem em casa.

Mas, o que está acontecendo são dois cenários. Algumas empresas estão traçando planos de contingência, para distribuir os equipamentos disponíveis ou liberando acesso a serviços já existentes. "Se há 1 mil funcionários e 500 notebooks com acesso remoto, distribuem esses equipamentos dentro das áreas após um mapeamento de quais cargos têm de continuar a trabalhar sem interrupção".

Outras tentam alugar máquinas para colocar o home office em prática o mais rápido possível. Isso tem ampliado a demanda de empresas como a Locatech e a Convex, que fornecem computadores a grandes empresas.

Mauro Fernandes, diretor comercial da Convex, diz que os pedidos dispararam na quinta. Desde então, já alocou 1,8 mil notebooks. Mas teve de correr para comprar outras 1,7 mil máquinas. Ainda assim, há uma demanda de 6 mil computadores que ele só conseguirá atender a partir da semana que vem.

"Está uma loucura. Não digo que estamos trabalhando 24 horas, mas já fazemos dois turnos", diz o executivo da empresa, que tem um parque instalado de mais de 100 mil máquinas. Entre seus clientes, estão grandes organizações como Globo, Vivo, Vale e a Prefeitura de São Paulo.

Ainda que a maioria dos atendidos fique em São Paulo, já há pedidos vindos de outros lugares do Brasil. Para uma companhia de Uberlândia, despachou 300 máquinas, por exemplo. Algumas empresas, conta, estão adotando estratégias para contornar a falta de máquinas.

O pessoal não está conseguindo equipamento e está levando o desktop da empresa para a casa do funcionário. Está acontecendo com quem precisa de máquinas específicas, como as de processamento gráfico
Mauro Fernandes, diretor comercial da Convex

A consultora do Instituto Trabalho Portátil lembra que não basta ceder um computador ao funcionário. É preciso ainda configurar um acesso remoto, o VPN, para que seja possível consultar sistemas dentro do servidor da empresa.

Caso a empresa tenha poucos notebooks para ceder aos colaboradores, é possível ainda usar o chamado "desktop virtual". Nesse caso, o funcionário acessa pelo computador de sua casa uma máquina virtual que reproduz o ambiente do PC da empresa, com todos os serviços corporativos.

Fernando Angelieri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt), lembra ainda que o software usado em algumas áreas pode ser um empecilho. Alguns programas de gestão, os ERPs, precisam de licenças especiais para acesso remoto.

"Algumas empresas até têm 10, 20 licenças. Como faz se tem que mandar 100 pessoas para casa e todas elas precisam acessar o sistema? Ok, é só comprar novas licenças. Mas às vezes o hardware não comporta mais de 30 acessos, e têm que trocar a máquina."

Explosão antes do coronavírus

Amélia Caetano conta que a explosão de interesse provocada pelo temor do coronavírus surge em um momento em que as empresas já estavam inclinadas a adotar "home office". A ideia é diminuir os custos para minimizar as perdas causadas pela crise econômica e ampliar a produtividade. Ela conta que os funcionários ganham em qualidade de vida e há uma melhora na sustentabilidade, pois há menos idas e vindas de transporte.

Uma pesquisa de 2018 da SAP Consultoria em Recursos Humanos aponta que 45% das empresas têm alguma forma de trabalho remoto. "Ainda assim, nenhuma delas está totalmente preparada para isso", diz Angelieri, da Sobratt.

As grandes companhias até têm ferramentas para que seus funcionários atuem de casa, mas faltam protocolos de como proceder, diz ele. Já as pequenas não têm nem os serviços nem as regras. Ele cita casos recentes da Ambev e do Palácio do Planalto como exemplos de abuso de serviços digitais ou de descuido.

A cervejaria fechou em março um acordo com o Ministério Público do Trabalho para proibir grupos de trabalho no WhatsApp fora do expediente. Já a comunicação do governo federal publicou em 2017 no Twitter todas as senhas de suas páginas no Facebook, YouTube e Gmail.

Não é só dar um notebook para o colaborador, é também criar protocolos de compartilhamento de informação para quando a pessoa estiver trabalhando em casa
Fernando Angelieri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt)

Levar funcionários para o trabalho remoto exige que as empresas tenham atingido um alto estágio de maturidade corporativa em relação à tecnologia e aos processos, diz. Algumas delas estão em um nível tão baixo que os problemas serão inevitáveis.

Ele conta que a preparação pode demorar seis meses. Vão desde configurar sistemas de comunicação e de produtividade até os protocolos para compartilhar documentos e informações de forma segura.

Algumas ferramentas de comunicação são mais próprias ao uso corporativo, diz. São elas o Skype for Business, o Hangout Meets, o Workplace do Facebook ou o Microsoft Teams. Google e Microsoft começaram a oferecer Hangouts e Teams, respectivamente. Na Europa, o segundo serviço ficou instável tamanho era a quantidade de acessos.

O WhatsApp, apesar de queridinho, não está sendo considerado um desses canais por permitir que assuntos pessoais e corporativos se confundam.

Para Felipe Palhares, advogado especializado em proteção de dados, as empresas ainda não conseguiriam convencer seus funcionários de que eles devem seguir diretrizes de segurança da informação, sejam dados corporativos ou informações pessoais e de clientes.

"Quando está no ambiente corporativo, o colaborador não se preocupa em proteger informações. Ao falar ao telefone, não liga para quem está do lado. Em casa, tem que ver até se a esposa ou esposo tem autorização para ter contato com aquele tipo de informação", afirma. "É fundamental que ele tenha consciência que ele faz parte da segurança da empresa", diz Amélia Caetano, do Instituto Trabalho Portátil.

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