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Como Taiwan, vizinho da China, freou o coronavírus usando tecnologia

Homem de máscara em frente a painel da Bolsa de Valores de Taiwan - Sam Yeh/AFP
Homem de máscara em frente a painel da Bolsa de Valores de Taiwan Imagem: Sam Yeh/AFP

Helton Simões Gomes

De Tilt, em São Paulo

13/03/2020 13h50

Sem tempo, irmão

  • Apesar da proximidade com China, Taiwan freou o avanço do coronavírus
  • Ações foram tomadas de forma ágil e usaram grande análise de dados
  • Pessoas com chance alta de estar doentes foram isoladas rapidamente
  • Tecnologia também foi usada para monitorar pacientes e informar população

A apenas 130 km da China continental, Taiwan tinha tudo para abrigar uma grande quantidade de pacientes com covid-19, a doença do coronavírus. Há um fluxo constante de pessoas entre os dois lugares. Dos 23 milhões de taiwaneses, 850 mil moram na China e outros 404 mil trabalham lá. Em 2019, 2,71 milhões de chineses visitaram Taiwan.

Ainda assim, o país asiático é apenas o 25º na lista mundial de contágio, com 50 casos confirmados, no mapa da Universidade Johns Hopkins. A título de comparação, o Ministério da Saúde contava que o Brasil possuía 88 casos nesta sexta-feira (13), o que o colocava na 17ª posição. Dada a proximidade com a China, a Coreia do Sul virou o 4º país com mais infectados e só conseguiu remediar a crise.

Contra todas as expectativas, Taiwan freou a disseminação do coronavírus. Mas como o país conseguiu isso? A resposta, detalhada abaixo, passa por um grande cruzamento de dados, agilidade no processamento dessas informações e transparência na orientação à população.

Como conseguiu ser tão tão ágil?

O plano de contenção de Taiwan foi colocado em prática antes mesmo de a China reconhecer que havia um surto em seu país. Em 31 de dezembro de 2019, o gigante asiático notificou a Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre um caso de pneumonia desconhecida em Wuhan. A região concentrou o surto inicial de coronavírus e até hoje é onde há mais casos.

Enquanto os chineses tentavam esconder que havia um problema, as autoridades taiwanesas começaram a trabalhar. Passaram a investigar se passageiros vindos de Wuhan tinham febre ou sintomas de pneumonia. Em 5 de janeiro, ampliou o leque para aquelas pessoas que haviam estado na região chinesa nos 14 dias anteriores. Os indivíduos com esse quadro eram colocados em quarentena em casa.

Em 20 de janeiro, o Centro de Controle de Doenças ativou o Comando Central Nacional de Saúde (NHCC). Esse órgão foi criado em 2004, após o país ser atingido por uma onda de SARS. Ele reúne os centros de comando de epidemia (CECC), de desastre patogênico biológico, de ações contra o terrorismo e de operações médicas de emergência.

O governo de Taiwan aprendeu com sua experiência em SARS em 2003 e estabeleceu um mecanismo de resposta à saúde pública para permitir ações rápidas para a próxima crise. Equipes de funcionários bem treinadas e experientes foram rápidas em reconhecer a crise e ativaram as estruturas de gerenciamento de emergências para enfrentar o surto emergente.
Jason Wang, professor de medicina da Universidade de Stanford

O especialista em política de saúde reuniu as ações de Taiwan em um artigo publicado no Jornal da Associação Médica Americana (Jama, na sigla em inglês).

Integração de dados

Para tomar pé do problema, Taiwan começou a reunir e cruzar informação. Integrou duas bases de dados. Uma delas é o banco nacional de seguro de saúde, que agrupa todas as interações dos pacientes com o sistema médico do país. Outra é de dados de imigração.

A conexão entre os dois bancos ocorreu de forma ágil, apenas um dia após a decisão ser tomada. Isso permitiu que o país passasse já a partir de 27 de janeiro a analisar em tempo real quem eram as pessoas que deveriam ser priorizadas no atendimento.

No momento em que a pessoa ia a uma consulta, a equipe médica era alertada do grau de seriedade de seu caso, com base no histórico de viagens e dos sintomas do paciente.

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Homem tem a temperatura medida enquanto higieniza as mãos às portas do templo de Lungshan, em Taipei, capital de Taiwan
Imagem: Ann Wang/Reuters

Cuidado com viajantes

Os viajantes que acabavam de chegar ao país recebiam atenção especial. Tanto é que tecnologias especiais foram criadas para eles. Todos tinham que preencher formulários online sobre o histórico de viagens e os possíveis sintomas que apresentavam.

Aqueles que não haviam viajado nos últimos 14 dias para áreas de risco elevado recebiam um SMS com um atestado de saúde para facilitar a entrada no país. Já os que haviam visitado regiões com alto contágio eram encaminhados para uma quarentena em casa. Para garantir que eles não burlassem, as autoridades os monitoravam por meio de seus smartphones. Todo esse sistema demorou 72 horas para ficar pronto.

Taiwan também analisou os dados de saúde para localizar as pessoas que haviam apresentado sintomas respiratórios severos recentemente e haviam testado negativo para gripe. Submeteu 113 pessoas a exames para averiguar se haviam contraído coronavírus. Achou um contaminado.

Muita informação

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Alunos sentados em carteiras com divisórias, uma medida para impedir a disseminação do coronavírus em Taipei, capital de Taiwan.
Imagem: Ann Wang/Reuters

As ações para viajantes focavam viagens aéreas, já que se trata de uma ilha. Mas Taiwan foi forçada a criar um esquema para viagens por mar. Isso ocorreu após o cruzeiro Diamond Princess ser identificado em fevereiro como o lugar com maior concentração de casos de coronavírus fora da China em todo mundo. O barco passou por Keelung, próximo à Cidade de Nova Taipei, antes de ficar de quarentena no Japão.

Isso gerou pânico imediato entre os taiwaneses. Para amenizar a situação, o governo levantou 50 localidades no país onde os passageiros do cruzeiro poderiam ter visitado. Avisou todas as pessoas que costumavam frequentar essas áreas de que deveriam ficar alertas casos apresentassem sintomas e que, se pudessem, mantivessem uma quarentena doméstica.

O governo também direcionou uma linha telefônica gratuita para receber relatos de pessoas que achavam ter os sintomas de covid-19 ou que suspeitavam que seus conhecidos estivessem com a doença. Como o temor em relação ao contágio aumentou, a linha ficou congestionada. Taiwan contornou o problema exigindo que todas as grandes cidades criassem suas próprias iniciativas.

Para evitar que as pessoas em quarentena ficassem totalmente isoladas, Taiwan fornecia comida a eles e entrava em contato constantemente para checar como andavam de saúde e para conversar.

Em uma crise, os governos costumam tomar decisões difíceis pressionados pela incerteza e pelo tempo. Essas decisões devem ser culturalmente apropriadas e sensíveis à população. Por meio do reconhecimento precoce da crise, briefings diários ao público e mensagens simples de saúde, o governo conseguiu tranquilizar o público, fornecendo informações oportunas, precisas e transparentes sobre a epidemia em evolução. Taiwan é um exemplo de como uma sociedade pode responder rapidamente a uma crise e proteger os interesses de seus cidadãos.
Jason Wang