Topo

Apesar das multas pelo mundo por iPhone lento, Apple tem vitórias no Brasil

Getty Images
Imagem: Getty Images

Helton Simões Gomes

De Tilt, em São Paulo

06/03/2020 04h00

A Apple está sendo enquadrada nos EUA e França por reduzir o desempenho de iPhones antigos durante anos. A decisão era encarada por muitos como estratégia para forçar a aquisição de novos modelos. Enquanto a prática rendeu multas e acordos milionários à empresa, no Brasil há uma ação que se arrasta na Justiça e está longe de ser encerrada.

Se nas cortes internacionais a Apple tem "apanhado", aqui no Brasil vem obtendo algumas vitórias. Ainda assim, os autores do processo brasileiro querem levar a questão para o STF (Supremo Tribunal Federal). E usarão os desdobramentos internacionais para convencer os juízes. Ao ser contatada por Tilt, a Apple preferiu não comentar.

Sergio Palomares, advogado do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI), crê que a Justiça brasileira está demorando a admitir más condutas das empresas contra consumidores. "Enquanto outros países têm imposto sanções enérgicas a elas, por aqui nos perdemos em questões laterais, sempre tangenciando o mérito das disputas", diz.

O que foi o BatteryGate?

Todas as ações aconteceram devido ao caso conhecido como "BatteryGate". Em 2017, a Apple confirmou o que antes eram apenas rumores que circulavam na internet. A empresa admitiu que desacelerava de propósito o desempenho dos modelos antigos de iPhone. Cada nova atualização de sistema operacional continha uma função que levava o processador a exigir menos da bateria.

A ideia, dizia a empresa, era evitar que ocorressem picos de energia. Com o tempo, as baterias de íon-lítio perdem a capacidade de atender altas demandas de corrente em "ambientes frios, quando estão pouco carregadas ou conforme vão envelhecendo", informou a Apple. "[Isso] Pode resultar em desligamentos inesperados dos dispositivos para proteger os componentes eletrônicos", completou.

Para diminuir o mal-estar, a Apple deu desconto na troca de bateria. No Brasil, o custo era de R$ 449, e ficou em R$ 149 até 31 de dezembro de 2018. Também parou de incluir a trava de performance no iOS.

Obsolescência programada

Ainda que a Apple tenha criado uma reparação, entidades de defesa dos consumidores abriram processos em todo mundo. Todas elas acusavam a empresa de obsolescência programada, isto é, uma estratégia de piorar de propósito os recursos ou benefícios de um produto para que um novo seja adquirido.

Nos EUA, a movimentação resultou no acordo anunciado nesta semana e que está para ser fechado. Ele levará a Apple a desembolsar até R$ 2,4 bilhões (US$ 500 milhões). Fará isso para evitar que o caso espinhoso vire ação judicial. Em caso de derrota, os valores podem ser muito superiores.

Segundo os termos do acordo avaliado por um juiz da Califórnia, a empresa deverá pagar US$ 25 aos donos de iPhone 6, 6 Plus, 6s, 6s Plus e SE que executaram o sistema operacional iOS 10.2.1 e os iPhones 7 e 7 Plus que rodavam o iOS 11.2. O valor mínimo a ser desembolsado é de US$ 310 milhões, e o máximo, de US$ 500 milhões. Havia uma investigação no Departamento de Justiça que foi arquivada.

A Apple também fechou acordo com a promotoria francesa, em ação iniciada a pedido de uma associação que encaminhou 15 mil relatos de consumidores insatisfeitos. Também para evitar que o caso chegasse à Justiça, a empresa topou pagar 25 milhões de euros (R$ 130 milhões). Ela foi penalizada por não avisar aos consumidores da desaceleração de iPhones antigos. O governo italiano também multou a Apple em 11 milhões de euros (R$ 57 milhões).

Qual foi a reação no Brasil ao BatteryGate?

As práticas da Apple também tiveram uma reação no Brasil. A Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, chegou a abrir uma investigação, mas o arquivou por ter julgado não haver provas suficientes e por acreditar que a Apple já havia tomado as devidas providências.

Os ministérios públicos do Rio e do Paraná também arquivaram seus inquéritos pelo mesmo motivo. O Procon-SP, ligado ao Governo do Estado de São Paulo, notificou a Apple, mas o caso não teve andamento.

Isso não quer dizer que não havia consumidores preocupados por aqui. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) recebeu o relato de cerca de 350 pessoas que viram seus iPhones perderem potência após fazer uma atualização do iOS. O instituto só não entrou com uma ação pública porque já havia outra em andamento.

O processo que chegou à Justiça sobre o assunto foi o do IBDI, ainda em 2018. Ela pedia indenização de R$ 986,7 milhões por danos morais e que consumidores recebessem o valor pago pelos iPhones atingidos. Mas, a organização não teve tanta sorte.

Na primeira instância, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios nem chegou a avaliar as provas e julgou a causa improcedente. Achou que o instituto deveria ter realizado uma assembleia entre seus membros antes de entrar com a ação.

A decisão no DF foi apoiada no precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) para associações de classe (engenheiros ou jornalistas, por exemplo). O IBDI argumenta que essa interpretação não vale para organizações que defendem direitos coletivos, como os dos consumidores.

O Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) recorreu. Na segunda instância, houve nova derrota. Dessa vez, o desembargador João Egmont decidiu que não houve obsolescência programada por parte da Apple. Para ele, a empresa agiu para preservar a experiência dos usuários, prejudicada pela deterioração da bateria.

O magistrado considerou ainda que a Apple cumpriu o Código de Defesa do Consumidor ao oferecer peça de reposição. Nno caso, a bateria a um custo menor de R$ 149. Para ele, as pessoas optaram por novos iPhones por terem mais benefícios, não porque seus aparelhos antigos apresentavam problemas. E isso, de alguma forma, teria irritado o IBDI.

O que em verdade se nota é a insatisfação do recorrente [IBDI] com as vendas de novos aparelhos e a busca crescente dos consumidores por edições mais recentes, não porque o aparelho apresenta defeitos ou não funciona, e sim em razão de utilidade racional
João Egmont, desembargador do TJDFT

No começo deste ano, o IBDI entrou com dois recursos: um encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), outro ao STF. Argumentou que o caso apresenta violações aos códigos Civil (responsabilização de fornecedores para reparar danos causados), do Processo Civil (não análise das provas, por exemplo), de Defesa ao Consumidor (má-fé, propaganda enganosa) e à Constituição Federal (infração ao devido processo legal, por exemplo). As cortes ainda não decidiram sobre a admissibilidade das ações.

"O tema ainda vai longe, mas esse acordo firmado pela Apple nos EUA será argumento que ainda intencionamos usar na nossa ação", diz Palomares.

SIGA TILT NAS REDES SOCIAIS