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Pulseiras tec podem barrar surtos como coronavírus, mas falta muito ainda

Você usaria um relógio inteligente dado pelo governo para evitar o coronavírus? - Estúdio Rebimboca/UOL
Você usaria um relógio inteligente dado pelo governo para evitar o coronavírus? Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL

Fabrício Calado

Colaboração para Tilt

27/02/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • Médica conseguiu provar que pulseiras e relógios inteligentes podem prever epidemias
  • Ela usou dados não identificados de mais de 47 mil usuários de pulseiras Fitbit
  • Mas, estudo não considerou grupos de risco como crianças e pessoas de baixa renda
  • Ideal seria monitorar população com pulseiras, mas custo e privacidade são empecilhos

Em tempos de coronavírus, especialistas de saúde pública temem uma epidemia pelo mundo e agora no Brasil. Como aparelhos vestíveis —como smartwatches como Apple Watch e pulseiras fitness— antecipam falhas em nossos sinais vitais, seria possível que poderiam também atacar essas epidemias? Uma médica americana conseguiu provar isso, mas em um cenário difícil de colocar em prática.

Usando os dados não identificados de mais de 47 mil usuários de Fitbit, popular fabricante de pulseiras fitness, uma equipe liderada pela epidemiologista Jennifer Radin conseguiu de fato tornar mais eficiente a previsão (e prevenção) de gripes em cinco estados americanos.

A especialista em medicina digital no Instituto Translacional de Pesquisa Scripps, em La Jolla, na Califórnia, se baseou em uma pesquisa de 2017, quando um grupo de pesquisadores de Stanford (também nos EUA) pôde aproveitar a coleta de dados biométricos para saber quando ficaríamos doentes, com base em medições anormais da frequência cardíaca, temperatura da pele e outros do tipo.

Legal, mas faltou algo importante

A sacada de Radin foi notar, via medições nos aparelhos vestíveis, que os dados de duração do sono e de batimento cardíaco mudam quando o usuário está doente. Ótimo, certo?

Mas não basta. O problema não era o que o estudo mostrou, mas os que ele não tinha: os dados de quem não usa vestíveis, como crianças, idosos e a população de baixa renda. Como esses grupos também estão mais sujeitos a problemas mais graves causados pela gripe, faz uma grande diferença quem ficou de fora do estudo.

O tamanho do problema

Para contextualizar o quadro: cerca de 7% dos adultos que trabalham e 20% das crianças dos EUA pegam gripe todo ano. A maioria dos casos mais incomoda que mata, mas entre 12 mil e 61 mil pessoas morrem anualmente nos EUA por gripe desde 2010.

Hoje, os EUA monitoram doenças como a gripe com os dados que hospitais e prestadores de serviço de saúde repassam às autoridades. O gargalo aqui é que leva semanas para atualizar os dados e revisar as estimativas, e, em caso de mudanças súbitas, pode demorar para identificar um surto.

Segundo a revista eletrônica de saúde OneZero, nem todo hospital e prestador de serviço informa casos que parecem gripe para as autoridades; na verdade, é uma minoria.

Fora isso, no máximo um terço das pessoas vai ao médico quando tem sintomas de gripe. No caso de quem tem renda mais baixa, a chance de ir ao médico é ainda menor, para evitar gastos com tratamento. Ou seja, o sistema atual já não é dos melhores.

Gripebit

Nesse sentido, o estudo se mostrou mais aperfeiçoado que o sistema público de saúde. A coleta de dados dos usuários doentes foi mais rápida e identificou muito antes quem estava ou ficaria gripado. Além disso, segundo um dos pesquisadores, em tese os dados permitem identificar não só gripes, mas outras mudanças na saúde da população.

Segundo Radin, com acesso em tempo real aos dados de saúde coletados por esses dispositivos, seria possível identificar surtos e epidemias de gripe em questão de dias ou até horas em vez de meses.

Mas, o buraco é mais embaixo, e os pesquisadores reconhecem isso. O critério "ter Fitbit" exclui bastante gente da conta. Um estudo do Pew Research Center, por exemplo, identificou que cerca de 31% dos americanos que ganham mais de US$ 6,2 mil por mês têm um smartwatch, contra 12% da população com uma renda abaixo de US$ 2,5 mil que tem um dispositivo desses.

Ah, e outra: cerca de um terço dos usuários americanos de vestíveis abandonam os bichos depois de um tempo.

Resolvida a encrenca

Ou seja, o ideal seria as autoridades darem Fitbits para toda a população. Como é mais provável o George R. Martin contar para gente o final real oficial de "Game of Thrones" do que esse cenário, uma alternativa é mais gente comprar os tais aparelhos à medida que o preço deles cair.

Mesmo assim, não está claro se/como as autoridades públicas poderiam usar isso. Por exemplo, não é todo mundo que morre de amores com a ideia de um Google (dono da Fitbit) pondo a mão nos seus dados particulares de saúde.

Uma outra opção seria usar os smartphones para agilizar a vida das autoridades. Neste caso, seria criado um app que perguntaria para o usuário toda semana como ele está de saúde. Mas se você já usou algum app que mede o humor, ajuda a criar hábitos ou monitora seu ciclo menstrual, deve estar neste momento gritando na sua caixa de comentários mental que este sistema também está longe de ser perfeito.

De modos que não vai ser dessa vez que a tecnologia salva o dia. Mas ela tem lá seu potencial. É só ver direito isso aí.

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