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Coronavírus: tecnologia ajuda chineses a driblar censura e ter informações

04.fev.2020 - Familiar se despede de time médico que partiu para Wuhan, epicentro do coronavírus na China - Du Zheyu/Xinhua
04.fev.2020 - Familiar se despede de time médico que partiu para Wuhan, epicentro do coronavírus na China Imagem: Du Zheyu/Xinhua

Daniel Dieb

Colaboração para Tilt

07/02/2020 04h00

A capacidade da China de construir um hospital em dez dias e fechar cidades com milhões de habitantes é importante para lidar com o coronavírus. Esta é uma face da moeda do estado autoritário chinês. A outra é a falta de liberdade de imprensa e de livre troca de informações na internet, o que ajuda a espalhar rumores e aumenta a incerteza sobre a doença.

A China tem um passado —e presente— de ocultar informações. Uma reportagem do New York Times relatou como um médico, Li Wenliang, que morreu em decorrência do coronavírus, tentou avisar colegas médicos sobre uma doença misteriosa. Em 30 de dezembro, ele havia postado a mensagem "quarentena no departamento de emergência" em um grupo de chat online. Três dias depois, a polícia o forçou a assinar um documento que dizia que sua mensagem era "comportamento ilegal".

A tentativa de silenciar Wenliang fez parte de uma série de ações das autoridades chineses para que a possibilidade de uma epidemia não viesse a público. Isso, segundo a reportagem, a fim de evitar constrangimento político e inquietação da sociedade. Por efeito, o governo demorou a tomar medidas para avisar a população de Wuhan, epicentro do novo surto, sobre como se proteger.

Em 31 de dezembro, a mensagem de Wenliang já estava circulando foram do grupo original em que fora postada. Oito pessoas eram investigadas pela polícia local por compartilhar rumores sobre a doença. Ainda naquele dia, uma comissão de saúde de Wuhan anunciou que 27 pessoas tinham contraído uma pneumonia de origem desconhecida, mas que não era necessário se alarmar pois "a doença é evitável e controlável". Em 23 de janeiro, o transporte público de Wuhan foi fechado, ônibus e trens não podiam chegar ou deixar a cidade. A cidade estava em quarentena.

Mais rápida que a transmissão do vírus é a velocidade com que fake news se espalham pela internet, e a China não contribui para a transparência e livre circulação de ideias. À semelhança do caso do médico, a censura se aplica a quem critica o governo pela maneira com que ele lida com a doença.

Uma publicação na rede social de microblogging Weibo, similar ao Twitter, despertou a atenção da chinesa Linda, que não quis se identificar. A postagem, feita pelo People's Daily, jornal controlado pelo governo, informava que mais 10 mil leitos seriam construídos em Hubei, província onde fica Wuhan. A publicação a assustou, pois relatórios oficiais diziam que poucos milhares de pessoas estavam infectados. O jornal deletou a postagem, e a hashtag usada assim que as pessoas começaram a expressar a preocupação.

Desde então, Linda salva tanto publicações oficiais quanto relatos de cidadãos sobre o coronavírus. "As experiências das pessoas não serão reportadas. Eu quero manter um arquivo emocional de algum tipo para pessoas que pedem por ajuda e infectadas, na maioria pacientes e trabalhadores de hospitais", disse ela ao MIT Technology Review.

Para não ser reconhecida pelo governo, Linda optou por usar um pseudônimo. Ela costuma traduzir o que coletou para o inglês e subir em plataformas como Imgur, Reddit, Twitter e YouTube. À mesma publicação, Andy Tang, 17, afirmou ter criado um grupo no WhatsApp para transmitir notícias sobre a doença para amigos. Dois dos membros, Ken Chung e Ronald Lam, criaram um mapa que é atualizado em tempo real com dados sobre o coronavírus.

Até os jornais oficiais, ligados ao Partido Comunista da China (PCC), carecem de confiança. Na semana passada, o Global Times, veículo oficial ligado ao People's Daily, jornal do PCC, atribuiu à polícia um vídeo no qual um drone com alto falante se aproxima de uma pessoa sem máscara e pede para ela usar ou voltar para casa. Por outro lado, um influencer da Mongólia Interior disse ao Beijing Times que era ele quem comandava a aeronave. A jornalista Carol Yujia Yin corroborou.

O problema da desinformação ultrapassa as fronteiras da China. Nos Estados Unidos, o blog de extrema-direita Zero Hedge publicou informações pessoais de um cientista de Wuhan ao acusá-lo, sem apresentar evidências, de criar o novo coronavírus como uma arma biológica. Por aqui, o Ministério da Saúde já desmentiu 19 notícias falsas sobre a doença, entre as quais uma receitava uísque e mel para combater o 2019-nCov e outra que dizia que produtos vindos da China conteriam a doença.

As redes sociais estão adotando procedimentos para verificar informações repassadas. O Twitter tira do ar perfis que publiquem mentiras. Com a conta do Zero Hedge, a medida foi o banimento. Ao pesquisar o termo "coronavírus", a plataforma retorna com um link que leva o usuário para o site do Ministério da Saúde.

No Facebook e Instagram, postagens marcadas como falsas por verificadores terão seu alcance diminuído e serão removidas aquelas que tiverem mentiras ou teorias da conspiração. As redes sociais também irão mandar notificações a quem compartilhou ou tentar compartilhar o conteúdo. Já o Google retorna a pesquisa ao termo "coronavírus" com links para sites do governo federal e estadual, além de matérias publicadas sobre o assunto.

Até o momento, o 2019-nCov infectou mais de 20 mil pessoas e está presente em mais de 20 países. O governo brasileiro declarou emergência sanitária em razão do surto. A medida se deve à necessidade de trazer brasileiros de Wuhan para o Brasil, e não pelo panorama da doença no país.

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