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Após 28 anos, Apple volta à CES e é pressionada sobre privacidade

Da direita para a esquerda: Erin Egan, diretora de política pública e privacidade do Facebook; Jane Horvath, diretora de privacidade da Apple; e Susan Shook, diretora de privacidade da Procter & Gamble, participaram de uma mesa redonda sobre privacidade na CES 2020 em Las Vegas - David Becker/Getty Images/AFP
Da direita para a esquerda: Erin Egan, diretora de política pública e privacidade do Facebook; Jane Horvath, diretora de privacidade da Apple; e Susan Shook, diretora de privacidade da Procter & Gamble, participaram de uma mesa redonda sobre privacidade na CES 2020 em Las Vegas Imagem: David Becker/Getty Images/AFP

Gabriel Francisco Ribeiro*

De Tilt, em Las Vegas (EUA)

08/01/2020 10h24Atualizada em 08/01/2020 16h17

Sem tempo, irmão

  • Apple voltou à CES após 28 anos para participar de painel sobre privacidade
  • Executiva debateu ao lado de outras colegas, como representante do Facebook
  • Apple foi colocada contra a parede por jornalista que lembrou polêmica
  • Painel mostrou ainda futuro pouco claro para equilíbrio entre tecnologia e dados do usuário

Após 28 anos longe da CES (Consumer Electronics Show), a Apple voltou a fazer parte, nesta terça-feira (6), da maior feira de tecnologia do mundo. Não, a empresa de Tim Cook não lançou nenhum novo modelo de celular. Na verdade, discutiu nossa privacidade - ainda sem um caminho certo e inclusive sendo colocada contra a parede.

A companhia responsável pelos iPhones participou de um painel com outras executivas que chefiam áreas de privacidade de empresas. A representante da Apple na feira foi Jane Horvath, diretora sênior de privacidade.

Esta foi a primeira vez em 28 anos que a Apple participou, de alguma forma, da CES. A última vez que isso havia ocorrido foi em 1992, quando a empresa mostrou o dispositivo Newton - nem lá tão bem-sucedido, se podemos dizer.

Sem treta, irmão

Horvath foi acompanhada no painel por Susan Shook, chefe de privacidade da Procter & Gamble, e Rebecca Slaughter, comissária do FTC (Federal Trade Commission). Além delas, estava lá Erin Egan, vice-presidente de políticas públicas e chefe de privacidade do Facebook, empresa conhecida por não tratar nossa privacidade tão bem assim.

A expectativa de quem foi assistir à conversa era de que houvesse um possível embate entre Facebook e Apple. Nos últimos tempos, as duas companhias têm se estranhado quando o assunto é uso de dados dos usuários.

Tim Cook, executivo-chefe da Apple, já fez críticas públicas ao modo com que o Facebook trata os dados de usuários e ao próprio modelo de negócios da rede social, que usa nossas informações para lucrar. Mark Zuckerberg, por outro lado, já respondeu a Cook chamando críticas do executivo de "extremamente superficiais". Treta grande.

Mas a expectativa de conflito no debate de uma hora não durou nem dez minutos. Ao responder a uma pergunta para opinar sobre o modo como Google e Facebook usam os dados comparando com a Apple, a diretora da maçã já frustrou quem queria ver o bicho pegar.

Não quero falar dos meus competidores, quero falar só da Apple
Jane Horvath, diretora sênior de privacidade da Apple

O que se viu, na verdade, foi muitas vezes uma tabelinha entre as duas companhias. A executiva do Facebook aproveitou, mais de uma vez, para elaborar em cima de frases da colega da Apple para exaltar "feitos" da rede social sobre privacidade.

A parte mais crítica do debate coube à comissária do FTC, que em alguns momentos fez intervenções discordando das executivas. Em determinado momento, Egan acabou não se aguentando e respondeu com ironias e cara de poucos amigos à agência afirmando que o Facebook "aceita todas as determinações do FTC" - apesar da frase, o tom de voz dizia o contrário.

Apple ficou contra a parede

Com puras levantadas de bola para as executivas cortarem e poucas perguntas incisivas no debate —as principais para o Facebook— sobrou para a plateia perguntas mais críticas. E coube à Apple pagar o pato.

apple na ces - Gabriel Francisco Ribeiro/UOL - Gabriel Francisco Ribeiro/UOL
A mesa foi composta (da dir. para a esq.) por Erin Egan, vice-presidente de políticas públicas e chefe de privacidade do Facebook; Jane Horvath, diretora sênior de privacidade da Apple; Susan Shook, chefe de privacidade da Procter & Gamble; Rebecca Slaughter, comissária do FTC (Federal Trade Commission)
Imagem: Gabriel Francisco Ribeiro/UOL

Um jornalista do The Washington Post questionou a empresa por, no ano passado, ela ter colocado um painel do lado de fora da CES afirmando que "o que acontece no iPhone fica no iPhone", mas depois reportagem do jornal e de outras publicações mostrarem que aplicativos de terceiros pegam dados de usuários no celular. A Apple teve que se defender.

"Nós estamos constantemente melhorando as proteções, a cada dois dias um time revisa os dados coletados. Nós garantimos que não identifique você como usuário. Temos revisão de apps, podemos isolar os dados", alegou Horvath.

O momento foi, de longe, o mais tenso do painel. O jornalista não se satisfez com a resposta e por três vezes colocou a executiva ainda mais contra a parede, até que o mediador solicitou que outra pessoa pudesse fazer uma pergunta, o que foi acatado de pronto pelo jornalista.

Recentemente, a Apple chegou a sofrer polêmica também por causa de gravações de áudios das pessoas sendo captadas pela Siri e ouvidas por engenheiros que melhoravam o assistente, sem as pessoas saberem.

Dados sem solução

Os verbos mais usados no debate por todas as executivas foram "precisamos", "deve" e afins. Ou seja: a privacidade dos nossos dados segue um caminho sem muita solução.

No fim das contas, o debate serviu mais para as empresas propagandearem o que supostamente fazem para proteger nossos dados. Em meio a polêmicas devido a diversos episódios em que foi leniente com a privacidade das pessoas, até o Facebook aproveitou a situação para exaltar seu modelo de negócios baseado em publicidade a partir de dados dos usuários.

"Nós constantemente queremos ser transparentes. Oferecemos um serviço de graça e não queremos manipular ninguém por propaganda, não é nosso modelo de negócios. Achamos que não estamos usando muitos dados. Dá para oferecer privacidade em um modelo de negócio com propagandas e oferecemos isso", afirmou Egan.

O único ponto que todos concordaram no debate é que a criptografia de ponta a ponta deve ser reforçada para os usuários. A tecnologia, utilizada por aplicativos como o WhatsApp, faz com que o conteúdo de uma conversa não passe pelas empresas de tecnologia, garantindo mais privacidade.

No entanto, até isso passou por polêmica. Apple e Facebook não souberam dizer ao certo como podem fazer com que conteúdos de terrorismo e abuso infantil sejam vetados em meio à criptografia. Ou seja, ainda falta muito para um cenário perfeito em que tecnologia e privacidade de dados encontrem um equilíbrio.

* O repórter viajou a convite da LG

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