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Nave? Que nada: nosso grande desafio agora é fazer elevador para o espaço

Marcel Lisboa/Arte UOL
Imagem: Marcel Lisboa/Arte UOL

João Paulo Vicente

Colaboração para Tilt

27/12/2019 04h00

Sem tempo, irmão

  • Primeiras sugestões para elevador espacial apareceram ainda no século 19
  • Duas abordagens recentes recuperam ideia; uma é da empresa japonesa Obayashi
  • Seria gigantesco cabo ancorado em objeto que está além da órbita do nosso planeta
  • China não deu detalhes de seu plano; alguns desafios são construção e evitar detritos

Construir um elevador da Terra para o espaço não é nem de longe uma ideia nova, mas nunca deixa de causar espanto quando reaparece. Na teoria, ele seria capaz de baratear e facilitar o envio de satélites, naves e astronautas a novas missões.

Nos últimos anos, pelo menos duas abordagens diferentes para esse desafio surgiram com a promessa de torná-lo realidade. Mas será que um projeto dessa magnitude sai do chão?

O conceito surgiu pela primeira vez no século 19, pela cabeça do cientista russo Konstantin Tsiolkovsky. Impressionado com a Torre Eiffel, na França, Tsiolkovsky sugeriu em 1885 construir algo semelhante até o espaço, só um tiquinho mais alta. Ela iria até a órbita geoestacionária —quando acompanha com exatidão a rotação da Terra, a 35 mil km acima do planeta.

Para efeito de comparação, o maior elevador existente hoje fica numa mina de ouro na África do Sul e tem pouco mais de dois quilômetros de altura.

Pode parecer papo de doido do russo, mas ele tem gabarito. Ainda no começo do século 20, quando os primeiros aviões sequer haviam decolado, Tsiolkovsky foi o primeiro a calcular a velocidade necessária para lançar um foguete ao espaço, assim como o modelo de múltiplos estágios usado por eles.

Claro, a ideia de uma torre ficou obsoleta. Hoje, o conceito da Obayashi, empresa de construção japonesa, envolve um gigantesco cabo ancorado em um objeto flutuando além da nossa órbita geoestacionária —o centro de massa desse conjunto estaria nessa órbita, a 35 mil km de altura. Nessa região, o elevador acompanharia perfeitamente a rotação da Terra —ver exemplo no vídeo abaixo.

No ano passado, a Obayashi conduziu testes de viabilidade do elevador em si numa proporção em miniatura: um cabo de dez metros foi estendido entre dois satélites e usado para transportar um dispositivo de um ao outro. O objetivo final da empresa é ter um elevador espacial operando em 2050.

Sem entrar em tantos detalhes sobre como fará isso, a China tem uma meta mais curta: 2045. Por enquanto o país não entregou muitos detalhes de como faria isso. Mas a iniciativa é da Academia de Tecnologia de Veículos de Lançamento da China, uma subordinada da principal empresa de programas espaciais do país, a China Aerospace Science and Technology Corp. (CASC).

O que falta?

João Felipe de Araújo Martos, professor de Engenharia Aeroespacial na UFSM especializado em propulsão aeroespacial, se diz meio cético com o conceito. "Eu entrei na graduação em 2006 e sempre surge alguém com a ideia de um elevador espacial. Não que seja inviável, mas quando chegar no ponto de se tornar viável, teremos outras tecnologias mais avançadas que vão tornar o conceito ultrapassado."

De qualquer forma, antes desta viabilidade ser alcançada, uma série de dificuldades precisa ser superada. Em primeiro lugar, hoje não há material para a construção do cabo forte o suficiente para resistir a pressão que seria exercida.

Os principais candidatos são cabos produzidos de nanotubos de carbono ou nanofilamentos de diamantes desenvolvidos em laboratório —em ambos os casos, décadas distantes de serem produzidos em escala suficiente para cobrir uma distância de dezenas de milhares de quilômetros.

Um projeto como esses também estaria sujeito a colisões com detritos espaciais. "Esse é um problema hoje: querem lançar muitos satélites, mas não tem espaço", diz João. Os primeiros satélites da história, lembra o professor, não foram descartados. Caso um desses objetos colida ou exploda, vira duas mil pecinhas. Na altura da órbita geoestacionário, a velocidade de uma dessas peças é próxima a 11 mil km/h. "Nenhum material resiste ao impacto de qualquer parafuso que seja a essa velocidade", fala.

Ah, mas se der certo...

Mesmo diante de tantas dificuldades, a perspectiva de um elevador continua interessante por baratear o envio de cargas ao espaço. Hoje, despachar um quilo lá para cima custa em torno de US$ 20 mil. Caso o projeto Obayashi saia do papel exatamente como planejado, esse valor ficaria entre US$ 50 e US$ 100.

Por outro lado, aí está a grande contradição: por si só, o custo da empreitada é astronômico (o trocadilho foi intencional). O projeto japonês, por exemplo, é estimado em US$ 100 bilhões.

"O preço é altíssimo. É diferente de um trem, em que você gasta capital na linha e ela fica disponível, a linha é mais barata que o trem", fala Annibal Hetem, professor de Engenharia Aeroespacial da UFABC. "A linha é mais barata que o trem. Nesse caso, o sistema do elevador é muito mais caro que a nave que levaria a pessoa."

É nesse ponto que está fundado o argumento do professor João Martos: quando todas estas dificuldades forem superadas, uma quantia semelhante poderia ser empregada em um novo sistema de propulsão menos complexo e mais eficiente.

"Um dos grandes problemas do foguete é que não eram reutilizáveis, então só a reutilização da SpaceX já baixou o custo de US$ 20 mil para US$ 2.500", diz João. "Então provavelmente teremos outras tecnologias de propulsão mais viáveis."

Tá difícil na Terra? Amarra na Lua

Em setembro, dois pesquisadores propuseram uma nova abordagem para um elevador espacial que poderia ser construído com os recursos disponíveis hoje. Mas esse, no entanto, seria um elevador lunar.

Segundo Zephyr Penoyre, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e Emily Sandford da Columbia University, em Nova York, a pressão gravitacional exercida seria menor. Portanto, o cabo usado poderia ser construído com materiais disponíveis, como alguns polímeros de carbono.

O cabo seria preso à Lua e se estenderia até a órbita geoestacionária. O projeto facilitaria o acesso ao satélite natural, mas ainda seria necessário usar um foguete ou outra nave espacial para chegar até o ponto final do cabo.

Nesse caso, a grande vantagem seria facilitar a exploração da Lua —e ir além. A grande questão é: vale a pena? Para João Martos e Annibal Hetem, sim.

"O lado turístico é meio exagerado, não tem nada para ver, mas ir para a Lua é um bom negócio", diz Hetem. "Pode ser uma boa possibilidade explorar a mineração, lá tem muito silício e alumínio. Além disso, a gravidade é seis vezes menor e não tem oxigênio, é mais fácil lidar com lingotes que pesam muitas toneladas e não há risco de oxidação. A metalúrgica na Lua é mais interessante do que na Terra."

"A Lua é o nosso corpo celeste e se a gente pensa em povoar outros planetas, faz sentido povoá-la", diz João. "Com certeza a Lua vai ser um ponto de reabastecimento."

Agora se chegaremos lá de elevador ou por outro meio, essa resposta ainda está por vir.

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do publicado, Tsiolkovsky sugeriu o conceito em 1885. O texto foi corrigido.