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Viu um fantasma? Como a ciência explica eventos paranormais

Se tem algo estranho na sua vizinhança, quem você vai chamar? - Reprodução
Se tem algo estranho na sua vizinhança, quem você vai chamar? Imagem: Reprodução

Mirthyani Bezerra

Colaboração para o Tilt

31/10/2019 04h00

Sem tempo, irmão

  • Vultos podem ser explicados pelo fenômeno da aura cerebral, antes ou durante enxaqueca
  • Ouve vozes? Motivo pode ser doença neurológica ou a possibilidade de telepatia
  • Mudanças de temperatura causam arrepios, interpretados por alguns como fantasmas
  • Existe a possibilidade de que a consciência não seja puramente física

Ver vultos, ouvir vozes, ter pressentimentos, sentir arrepios ao entrar em certos locais... Há quem acredite que vivências como essas são sobrenaturais, mas alguns desses fenômenos podem, sim, ser explicados à luz da racionalidade. Sons de baixa frequência, doenças neurológicas e psiquiátricas e até enxaqueca podem ser algumas das causas para eles.

Veja o que dizem os especialistas sobre cada um desses fenômenos e as respostas que ciência ainda não conseguiu dar.

Vultos

Você está sozinho em casa, vendo TV, quando percebe algo se movendo no seu campo de visão periférico. Um vulto. Vai na cozinha, checa a casa inteira, chama pelas pessoas que moram com você, mas não há ninguém. Será que é a hora de chamar alguém para benzer a casa?

Segundo Saulo Nader, neurologista da Academia Brasileira de Neurologia e do corpo clínico do Hospital Albert Einstein (SP), ver vultos pode ser a ocorrência de um fenômeno conhecido como aura cerebral, um estágio antes ou durante a enxaqueca, em que há sensações visuais.

Elas podem se manifestar desde em forma de manchas até figuras abastratas, como vultos.

"Às vezes [a aura] vem sozinha, sem a dor de cabeça. Elas podem vir como luzes piscantes, vagalumes, flashes luminosos, manchas ou vultos, e isso poderia ser confundido com uma situação espiritual, fantasmagórica", afirma Nader.

Doenças também podem influenciar a área da visão no cérebro e "criar" fantasmas. "A pessoa pode ter uma crise convulsiva, um curto-circuito elétrico na área occipital do cérebro, que é a que cuida da visão. Ela pode ter uma doença de Parkinson ou Alzheimer mais grave, que pode se manifestar com vultos e alucinações visuais. AVC e esclerose múltipla também podem lesionar essa parte do cérebro", diz.

Ouvir vozes

Quem ouve vozes pode sofrer de alguma doença mental séria. "Tradicionalmente, isso é percebido como sintoma de uma doença psicótica. Pode ser esquizofrenia, uma depressão muito grave ou um quadro bipolar", afirma Alexander Moreira-Almeida, coordenador de pesquisas em Espiritualidade e Saúde Mental da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

Em muitos casos, essas alucinações têm um componente familiar, que pode ser a voz de pessoas conhecidas, familiares e inclusive de entes que já morreram.

"Aqui, a gente tem uma aproximação bem significativa com o fantasmagórico. Tanto que antigamente a esquizofrenia era tida não como uma doença mental, mas espiritual. Pessoas com esquizofrenia passavam por rituais de exorcismo para tirar o demônio do corpo", explica Nader.

Um dos principais pesquisadores brasileiros sobre experiências espirituais, Moreira-Almeida afirma que existe dentro da academia uma tradição de pesquisa que considera a possibilidade de que, em alguns casos, ouvir uma voz ou ter uma visão poderia ser uma verdadeira experiência telepática.

"De alguma forma, a mente seria capaz de captar alguma coisa à distância. Sem negar as outras explicações mais convencionais, que são perfeitamente razoáveis e explicam a maioria dos casos, quando você vai estudar a fundo elas não explicam tudo", diz.

Pressentimento

Sabe aquele sentimento de que algo ruim pode estar prestes a acontecer? Pode ser um aviso divino para os que acreditam, mas pode ser também culpa das ondas sonoras de baixa frequência.

A razão é controversa e ainda é fruto de investigação científica. O ouvido humano consegue captar ondas sonoras que vibram entre 20 a 20.000 hertz de frequência. Alguns animais, como elefantes e pombos, conseguem captar ondas abaixo de 20 Hz.

Segundo Nader, estudos científicos dão conta de que, embora o cérebro humano não consiga interpretar essas ondas como som, existe a possibilidade de que ele as interprete como sensação.

"O som faz vibrar o tímpano, que gera um impulso elétrico para o cérebro, que é interpretado como som. Esses sons de baixa frequência vibram o tímpano em uma frequência diferente, a ponto de não dar um estímulo elétrico para o cérebro e ser captado na forma de audição. Mas esse impulso elétrico é captado como um 'feeling', como uma sensação de receio, emotiva, subjetiva à interpretação", explica.

Arrepios

Quem é mais velho deve lembrar algumas cenas da novela "A Viagem", de 1994, em que o personagem Alexandre, uma alma penada em busca de vingança, costumava soprar perto do pescoço dos que estavam vivos. Era uma explicação "mística" para os arrepios.

"Muita gente acredita ou brinca que 'passou uma alma, passou um fantasma'", conta Nader. "Mas isso tem uma justificativa: quando ocorre uma alteração rápida da temperatura na pele, por algum motivo, isso faz com que o cérebro mande um sinal neurológico para os pelos e cabelos para se arrepiarem e dar aquela sensação estranha. Esse ventinho é isso também", explica.

Aparições

Moreira-Almeida levantou a seguinte situação hipotética: "Você está na Irlanda e tem a visão da aparição de um parente seu, sorrindo para você. Dali a meia hora, você recebe a ligação de alguém dizendo que ele morreu atropelado no Rio de Janeiro".

Segundo ele, esse tipo de relato é mais comum do que se imagina e, assim como outros fenômenos, tem sido documentado e estudado na academia.

Para o coordenador da Comissão de Estudos e Pesquisa em Espiritualidade e Saúde Mental da ABP, existe a possibilidade de que a consciência não seja puramente física.

"Há duas grandes hipóteses: a humanista-materialista, de que o cérebro nas suas funções químicas e elétricas gera consciência; e a dualista, de que existiria a mente como algo independente do cérebro, que estaria relacionado a ele e integrado a ele", diz Moreira-Almeida.

Mas, segundo ele, para essa questão ainda não há respostas; só hipóteses. A verdade está lá fora?