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Verba pública: oficiais da Prefeitura de SP vão e voltam para casa de app

Funcionários da Prefeitura de SP gastam até R$ 20 mil em pouco mais de um ano com app de transporte - Estúdio Rebimboca/UOL
Funcionários da Prefeitura de SP gastam até R$ 20 mil em pouco mais de um ano com app de transporte Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL

Gabriel Francisco Ribeiro

De Tilt, em São Paulo

04/10/2019 04h00Atualizada em 04/10/2019 14h11

Sem tempo, irmão

  • Dados mostram que funcionários da Prefeitura usam carros da 99 para ir e voltar do trabalho
  • Uso diário pago pela cidade custa quase R$ 20 mil para apenas um funcionário em um ano
  • Prefeitura passou a adotar apps desde 2017 e diz que mudança gerou economia para a cidade
  • Município ainda disse que todos os casos citados pela reportagem tinham uso autorizado
  • Transparência Brasil afirma que funcionários não tiveram moralidade pública

Funcionários da Prefeitura de São Paulo estão usando carros pedidos pelo aplicativo da 99 e pagos com dinheiro público para fazer o trajeto de ida e volta do trabalho para suas casas, segundo dados analisados por Tilt. O caso que mais chama a atenção envolve um servidor que fez 398 viagens de ida ou volta de um mesmo endereço privado. Elas foram feitas em pouco mais de um ano e custaram quase R$ 20 mil aos cofres públicos - cerca de R$ 1.500 por mês.

As informações foram obtidas pela TV Globo via Lei de Acesso à Informação e repassadas a Tilt pela Transparência Brasil, ONG de monitoramento do poder público. Ela criou relatórios sobre algumas situações controversas e apontou que o uso do aplicativo, de maneira geral, tem sido feito de "maneira razoável", mas identificou possíveis irregularidades.

A Prefeitura de São Paulo usa aplicativos desde 2017, quando adotou uma plataforma de transporte particular para conter gastos e substituir os carros alugados e oficiais que ficavam à disposição dos servidores. A 99 venceu a licitação para prestar o serviço, mas o controle das viagens é feito pelo município.

Procurada por Tilt, a Prefeitura de São Paulo afirmou que todos os casos analisados pela reportagem estão autorizados por lei a fazer viagens de ida e volta do trabalho com carros pagos pelo município. Mas a justificativa não convence a Transparência Brasil, que diz que os servidores desrespeitam a moralidade e a eficiência do setor público ao fazer um uso quase "pessoal" dos apps.

Os casos

Os nomes dos servidores e os endereços envolvidos nas corridas analisadas por Tilt foram preservados para manter o sigilo dos envolvidos.

Sete funcionários, em quatro secretarias, se destacam na extensa planilha de endereços. Cada um deles fez mais de 200 viagens para um mesmo endereço privado. Só estes sete servidores somaram em pouco mais de um ano 2.021 viagens pelo aplicativo no valor total de R$ 76.745,97.

A secretaria da Fazenda é a única com mais de uma pessoa na lista, sendo que o líder de corridas trabalha na pasta. Sozinha, a pessoa gastou R$ 19.609,33 em 398 viagens da sua residência ao trabalho no período de novembro de 2017 a janeiro de 2019.

Cruzando os dados, Tilt conseguiu descobrir o nome do funcionário - tem um cargo alto na secretaria, o que justificaria a autorização para o uso intenso da plataforma. Cada corrida custou quase R$ 50. Ainda assim, a Transparência Brasil não acredita que a atitude seja livre de críticas.

Quando a gente verifica que todos os dias ou quase todos os dias úteis do ano o servidor utiliza o transporte particular para deslocamento da sua residência ao trabalho e vice-versa, esse servidor não está cumprindo com princípios da moralidade e eficiência do setor público. Se fosse uma conduta esporádica, não teríamos essa discussão, teria usado eventualmente pelas suas funções
Jéssica Voigt, cientista de dados da Transparência Brasil

Quem tem direito ao transporte

Em nota ao Tilt, a Prefeitura reforçou que o uso do transporte por aplicativos gerou uma "economia de R$ 93 milhões aos cofres municipais em 2018 devido à substituição da frota própria e carros locados por serviços tecnológicos sob demanda" e que todas as corridas indicadas na reportagem foram "viagens para residência feitas por autoridades municipais autorizadas pela norma vigente".

O município cita o Decreto 29.431/1990 e a Portaria 76/SG/2018 como os responsáveis por autorizar as viagens para autoridades.

Segundo a portaria, estão liberados para utilizarem carros oficiais ou transporte pago pela Prefeitura para ir e voltar ao trabalho funcionários que se enquadram na categoria de "uso frequente" dos apps. Eles estão nas seguintes posições: secretário municipal, secretário municipal especial, secretário executivo do gabinete do prefeito, prefeito regional, controlador geral do município, procurador-geral do município, secretário adjunto, secretário executivo adjunto e chefe de gabinete.

Tilt identificou três dos sete envolvidos nas corridas apontadas nesta reportagem e todos se enquadram em algumas dessas posições. A Prefeitura diz que todos os sete endereços privados identificados envolvem pessoas autorizadas, mas não quis revelar o nome dos demais usuários.

Questionada se haveria algum outro motivo para que os funcionários usassem os carros desta maneira, a Prefeitura afirmou que é simplesmente por conta do cargo.

Transparência Brasil quer discussão do tema

Apesar das corridas não terem sido feitas ilegalmente, a Transparência Brasil acha que a Prefeitura não deveria somente justificar os dados como feitos por "corridas com autorização". De acordo com a entidade, o município deveria ao menos discutir o tema.

"Preocupa que a Prefeitura se omite de fazer essa discussão e simplesmente fala que a conduta é legal. Pode ser questionada dos princípios da administração pública. Menos a legalidade e mais o cumprimento dos princípios, não podemos achar razoável essas viagens que somando se repetem mais de 200 vezes", aponta Voigt.

A Prefeitura diz que o novo sistema permite altos níveis de controle e transparência de servidores, diferentemente do antigo modelo de frota própria e locada que tinha como base fichas de papel. Nesse ponto, a Transparência Brasil concorda.

"Não estamos condenando o serviço de app por transporte. Agora que temos todas as rotas muito bem documentadas, conseguimos ver que isso é um abuso, que não condiz com a moralidade", diz a representante da ONG.

Segundo o município, a fiscalização do uso de apps é feita pelo próprio servidor e supervisor (que recebem um email sobre a viagem), pelo fiscal de cada contrato e pela Secretaria Municipal de Gestão (que faz relatórios mensais sobre usos dissonantes), sendo reforçada pela análise de órgãos externos que solicitam os dados.

"Caso sejam constatadas irregularidades, o fiscal solicita a abertura de um processo de apuração preliminar e uma comissão é montada para analisar se realmente houve uso irregular do aplicativo. Em caso positivo, o processo é encaminhado para a Procuradoria Geral do Município, responsável por abrir um processo administrativo disciplinar e efetivar eventuais sanções ao servidor, que podem ser diversas, como solicitação de devolução dos recursos aos cofres municipais e/ou sua exoneração", informa a Prefeitura.

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