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Série de Bill Gates na Netflix otimiza filantropo nerd e ameniza polêmicas

"O Código Bill Gates" opta por abordar missões filantrópicas do multimilionário Imagem: Reprodução/Netflix

Janaina Garcia

Colaboração para Tilt

21/09/2019 04h00

Sem tempo, irmão

  • Documentário estreou nessa sexta (20) na Netflix em três episódios
  • Foco maior é na ação filantrópica do empresário, que deixou Microsoft em 2008
  • Nerd recluso, leitor voraz e relação difícil com mãe ajudam a "humanizar" empresário
  • Acusação de monopólio da Microsoft rende só uma breve menção

"É fácil se deixar levar por alguém que quer mudar o mundo. Mas é difícil não se perguntar: ele foi longe demais? Ele vai conseguir resolver esses problemas? Ou estarão sempre fora do alcance?" As perguntas feitas pelo diretor Davis Guggenheim em "O Código Bill Gates", que estreou na Netflix nesta sexta-feira (20), sintetizam bem o tom positivo do documentário.

Dividido em três partes, a minissérie de Guggenheim —o mesmo diretor de "Uma verdade inconveniente" (2006), sobre o político ambientalista Al Gore— optou por enfatizar a carreira do filantropo Bill Gates, ainda que o multibilionário seja mais associado à sua maior criação: a Microsoft.

Não espere aqui ver muito sobre as questões mais delicadas da carreira de Gates. Dois dos três episódios priorizam a atividade da Fundação Bill e Melinda Gates, que faz um trabalho tão ambicioso quanto obsessivo para tentar erradicar doenças causadas pelas péssimas condições de saneamento em países subdesenvolvidos.

Parte 1: filantropia e infância

No primeiro episódio, um obstinado Gates busca mostrar empatia ao sofrimento de famílias na África que veem seus filhos sucumbirem à diarreia —algo impensável em realidades como a dele e de milhões de famílias nos Estados Unidos. A série se volta às tentativas dele para arregimentar parceiros que desenvolvam uma espécie de privada sustentável, já que a água contaminada está diretamente relacionada à doença que chocara o executivo e sua esposa, Melinda.

Também vemos aqui o histórico familiar em Seattle e a criação da personalidade reclusa de Gates: da relação conflituosa com a mãe, a empresária Mary Maxwell Gates — que acabou sendo decisiva também ao "forçar" o filho a socializar — a hábitos que o tornariam o profissional workaholic e pouco paciente com outros seres humanos. Por seres humanos, leia-se: reles mortais — e não gênios, como ele.

Sobre a genialidade do empresário, a produção traz curiosidades que vão além do burocrático título de "melhor aluno do Estado do oitavo ano ao ensino médio". Mostra como ele é um tão curioso quanto obcecado pela leitura —lê em média 150 páginas por hora ou 14 livros durante suas férias. As publicações são, sobretudo, a respeito de energia e mudanças climáticas.

Bill Gates é um leitor voraz: lê em média 150 páginas por hora, ou 14 livros durante suas férias

O documentário revela o jovem Gates como um exímio competidor em desafios de programação, algo que o levou ao sucesso com a Microsoft. Um traço curioso: é andando que ele organiza suas ideias. Temas delicados são respondidos ao diretor em cenas de longas caminhadas em meio à natureza. As dificuldades de Gates em lidar com situações como a morte da mãe por câncer de mama fazem o contrapeso ao personagem-gênio.

Parte 2: Microsoft e combate à pólio

A projeção do nome de Gates em uma escala planetária, por meio da Microsoft, é parte de um segundo episódio novamente focado na filantropia. Dessa vez, com porém, a tentativa é erradicar a poliomielite na Nigéria, por meio da produção e distribuição de vacinas.

O gigantismo da intenção de Gates desconsidera a conflituosa realidade local, em que líderes religiosos e terroristas questionam e atacam ações como a da fundação. Por outro lado, a intenção da entidade não deixa de ser uma pressão colocada pelos próprios Gates e Melinda sobre as generosas doações recebidas, como a de US$ 31 bilhões cedida pelo bilionário Warren Buffett anos atrás.

Em um vaivém de narrativa mesclando passado e futuro, o diretor mostra que Gates, pelas palavras de seus entes mais íntimos, "não quer ser inspirador, quer ser um otimizador". A frase se encaixa na figura do filantropo que quer erradicar a pólio, ainda que, logo em seguida, mostre o empresário orgulhoso que se negou a falar com o ex-sócio e amigo mesmo com a morte iminente dele.

O sócio, no caso, era Paul Allen —que atuou como vice-presidente da Microsoft, na segunda metade da década de 1970, após ajudar Gates a desenvolver o MS-DOS e revolucionar, para sempre, a operacionalização de microcomputadores de uso pessoal.

Ajudaram a afastar os dois a parceria com a IBM (então maior companhia de informática do mundo), um Allen interessado por uma vida cada vez menos entregue ao trabalho e um Gates com a cabeça enfiada nos planos da Microsoft. workaholic Gates chega ao ponto de decorar as placas dos carros dos funcionários para saber, já no estacionamento da empresa, quem faltou.

Amigos e cofundadores na Microsoft, Paul Allen (dir.) e Bill Gates se afastaram depois Imagem: Anthony P. Bolante/Reuters

Parte 3: acusação de monopólio

A terceira e última parte do documentário foca a importância de Melinda na mudança de rumos e propósitos de Gates, após sucessivas demonstrações de apego máximo ao trabalho. É feita ainda uma breve menção ao processo judicial no qual a Microsoft fora acusada de monopólio nos anos 90. A empresa chegou a ser condenada, o que a levaria a ser divida em duas (uma parte cuidando do Internet Explorer, outra gerenciando o Windows), mas acabou inocentada anos depois.

A esta altura, é apresentado um Gates focado na questão climática. Ainda que tenha os olhos voltados para a produção de energia limpa por meio da empresa Terra Power, o executivo defende a produção de energia nuclear. Aliados chegam a classificá-lo como um "tecnófilo", que "acha que a tecnologia salva tudo", e às vezes se pergunta, "por que não... o planeta?".

Mesmo que a energia nuclear gere controvérsia, Gates e os cientistas de quem se cerca —entre os quais Lowell Wood, que trabalhou com Edward Teller, criador da bomba de hidrogênio—, insistem que o CO2 mata muito mais gente que as usinas nucleares.

Trump, China e uma mãe "visionária"

O documentário destaca que o acidente de nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011, é decisivo para criar animosidade junto à opinião pública em relação ao tipo de energia dos sonhos de Gates. As negociações passam a avançar, então, com a China. Mas um componente bastante atual— a recente guerra comercial travada entre os dois países— muda completamente o rumo da investida.

A produção presta uma homenagem a Mary Gates, mãe de Bill —uma das duas mulheres, assim como Melinda, símbolos da conexão dele com o mundo real. Seja por festas em que fosse "obrigado" por ela a socializar, seja pelo contato com a natureza e um olhar mais próximo à família.

Quase no fim do documentário, surge uma frase de Mary Gates, dita durante palestra motivacional, que ajuda a entender a saga de Bill em busca das soluções para os problemas do mundo. "Quando temos essas expectativas [de sucesso] para nós, é mais provável que façamos jus a elas. Afinal, não é o que se recebe ou mesmo o que se dá, é o que você se torna."

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado inicialmente, a quantia doada por Warren Buffet foi de US$ 31 bilhões.

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