Momo está ensinando seus filhos a se matar no YouTube? Entenda a polêmica
Resumo da notícia
- Muitos pais receberam o alerta de vídeo da Momo no YouTube Kids com conteúdo impróprio para crianças
- YouTube diz que não existem vídeos da Momo em sua plataforma
- Pânico e vídeos se disseminaram pelo WhatsApp
- Ideal é conversar com as crianças sem mostrar os vídeos ou divulgar os vídeos para outras pessoas
Pais estão desesperados, porque vídeos aparentemente inocentes no YouTube Kids estariam ressuscitando a Momo. A boneca, que nasceu como um perfil bizarro no WhatsApp, interrompe cenas em que crianças estão brincando com slime ou fazendo comentários sobre Minecraft para dar instruções de como se matar cortando os próprios pulsos e como usar objetos cortantes para atacar familiares.
A preocupação dos pais nasceu após um alerta ter sido disparado por uma corrente que circula no WhatsApp e o assunto ter repercutido em blogs. Ninguém, porém, compartilhou links do vídeo no YouTube ou mesmo no YouTube Kids. O Google diz que não recebeu pedidos de remoção desse tipo de conteúdo. Os vídeos usados como exemplo são divulgados pelo WhatsApp.
Após a repercussão, o Ministério Público da Bahia instaurou investigação sobre o caso. Notificou YouTube e WhatsApp para que removam os vídeos. Para especialistas, a divulgação dos pais está aumentando ainda mais o pânico.
O UOL Tecnologia conversou na manhã desta segunda-feira (18) com blogueiras que tratam da maternidade e dispararam avisos sobre Momo na semana passada. Uma delas é a professora e produtora de conteúdo Juliana Tedeschi Hodar, de 41 anos. Ela foi ouvida por diversos veículos de imprensa, como a revista Crescer, depois de publicar fotos da filha chorando devido a uma conversa sobre a boneca. Outra delas é Camina Orra, que publicou em seus Stories, no Instagram, vídeos da Momo orientando crianças a usar objetos cortantes e até traduziu o que ela fala, já que as falas estão em inglês.
Hodar diz não ter visto o vídeo no YouTube e só ter tomado conhecimento dele por meio de um grupo de família no WhatsApp.
Quando conversamos com as crianças sobre isso, tivemos ciência que minha filha já tinha pânico desse personagem há meses e não falou nada. Ela tinha medo que a Momo pegasse a gente
Juliana Tedeschi Hodar
Segundo ela, a filha não viu o vídeo agora, mas ficou perturbada quando o assunto foi abordado. "A gente acredita que [ela viu] há uns três meses, pelo que conversamos com coleguinhas da escola e por outras situações."
Carima Orra também não viu o vídeo na plataforma do Google, mas teve contato com ele após o conteúdo ter sido encaminhado em um grupo de mães. Após compartilhar o material no Instagram, ela foi procurada por outras mães. Uma delas disse que finalmente descobriu o que chateava a filha havia semanas.
"Uma mãe fez um vídeo chorando, porque ela tinha certeza de que a filha ia dizer que não sabia quem era e a criança disse que era a Momo. Ela falou que a filha já faz algumas semanas tem medo de ir ao banheiro, de dormir ou fazer alguma coisa sozinha. E ela não sabia o porquê. Quando viu meu aviso, foi correndo perguntar para a menininha se ela sabia quem era. E ela falou que era a Momo e a tinha visto no YouTube."
As duas receberam os vídeos pelo WhatsApp, uma plataforma em que a remoção de conteúdo é dificultada. Devido à política de segurança da plataforma, as mensagens são criptografadas. Isso impede que seja descoberto o que há nas mensagens.
O alarde
O relato das duas blogueiras mostra que as crianças já tiveram contato com Momo em vídeos, que o YouTube diz que nunca estiveram na plataforma. O que está acontecendo agora é que os pais estão tendo consciência disso.
"Até agora, parece haver um grande pânico, e ao compartilhar o conteúdo as pessoas aumentam (o alcance) do tema", afirmou Rodrigo Nejm, psicólogo e diretor de educação da ONG Safernet, à BBC.
Responsável pelo alarde, a corrente que circula no WhatsApp é bastante alarmista. Diz que "haters estão invadindo os vídeos [no YouTube]" e inserindo trechos da Momo que "ensina crianças a pegar objetos cortantes para matar os pais, irmãos e outras pessoas. E ensinando as crianças a se suicidarem".
Nejm diz que os pais devem ser cautelosos.
"Jamais deve-se mostrar esse tipo de vídeo às crianças. Mas pode-se falar francamente que a internet tem coisas horríveis. Os pais podem contar que a Momo não é um fantasma ou monstro, e sim uma escultura, algo concreto, e que todo perfil na internet tem por trás uma pessoa real, que pode tentar assustar as crianças ou ter alguma má intenção. É por isso que elas jamais devem conversar com quem não conheçam, em jogos online ou redes sociais, nem dar número de telefone ou fazer check-in em redes abertas."
Como começou
Apesar de não incluir um só link para os vídeos no YouTube, a corrente mostrava fotos e vídeos da Momo.
O texto que circula no aplicativo de bate-papo, porém, dá uma pista para os pais que quiserem verificar a veracidade da informação. Ele chega a apontar canais que publicaram vídeos com a Momo, como Luccas Neto e Planeta das Gêmeas. O UOL Tecnologia assistiu aos 122 vídeos publicados pelo primeiro canal e aos 27 vídeos postados pelo segundo desde o começo do ano e verificou que Momo não aparece neles. Os dois canais foram procurados, mas não se manifestaram.
Já Felipe Neto, irmão de Luccas e um dos youtubers brasileiros mais populares, se manifestou a respeito e chamou Momo de "mentira" em um vídeo publicado no YouTube.
Momo é hoax, que é quando muita gente acredita numa mentira da internet e transforma a mentira quase em uma realidade
Felipe Neto
Ele explica que ano passado a Momo ficou conhecida por estar supostamente fazendo ligações e mandando mensagens no WhatsApp sobre suicídio para crianças.
E a gente mostrou que não tinha nenhum caso de suicídio motivado pela Momo (...) O objetivo é gerar pânico
Felipe Neto
Contatado pela reportagem, o Google afirma que não há vídeos circulando no YouTube Kids que contenham a Momo.
Ao contrário dos relatos apresentados, não recebemos nenhuma evidência de vídeos mostrando ou promovendo o desafio Momo no YouTube Kids
O YouTube Kids conta com conteúdos infantis e vem com uma função para os pais limitarem o tempo de acesso dos filhos, além de controlar o que podem ou não ver na plataforma. A curadora é feita por algoritmos, assim como no YouTube normal, mas também conta com curadores humanos.
As preocupações de mães e pais brasileiros é semelhante ao que ocorreu no Reino Unido no fim de fevereiro. Diversas escolas e até unidades da polícia ficaram alarmadas sobre o conteúdo de desafios relacionados à Momo. Ao abordar as crianças, descobriam que elas não só já tinham visto Momo diversas vezes como também até haviam mudado seu comportamento por causa da boneca.
Poucos dias antes do assunto virar motivo de alarde entre os pais britânicos, a pediatra norte-americana Free Hess havia descrito em seu blog como uma mãe encontrou vídeos desse tipo no YouTube Kids. O post é anônimo, mas sua autora disse ter ficado bastante surpresa.
Segundo Hess, o vídeo foi removido após ter sido denunciado por ela. Ainda assim, o YouTube dos EUA avisou não ter identificado qualquer evidência de que vídeos da Momo realmente existiram.
Ainda assim, correntes espalhadas por redes sociais como Instagram e Facebook fizeram pais norte-americanos se preocuparem. A socialite Kim Kardashian foi uma das que recorreu a suas redes sociais para avisar seus 129 milhões de seguidores no Instagram de que vídeos do YouTube estavam escondendo a Momo.
Como Momo surgiu?
Momo não foi criada com o objetivo de induzir crianças e adolescentes a nada, muito menos incitar ao suicídio ou à violência. Ela foi criada como uma escultura em 2016 por um artista plástico. Foi exposta em uma galeria de arte em Tóquio em uma exposição sobre fantasmas. A inspiração veio de uma lenda japonesa em que uma mulher morre no parto e retorna para assombrar os vivos.
A escultura foi chamada de Mother Bird (mãe-pássaro, em tradução livre) e envolve uma cabeça com traços humanos em cima de pés de pássaro. O material usado na criação foi borracha e óleos naturais. Com o tempo, a boneca foi se deteriorando. A única coisa que sobrou foram os olhos, que devem ser reciclados em uma nova arte.
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