Anatel afasta rever liberdade da internet no Brasil: 'questão superada'
Assegurar quer qualquer informação enviada pela internet receba o mesmo tratamento, seja um vídeo da Netflix ou sua mensagem da WhatsApp, é um princípio da rede que foi abalado em todo o mundo quando os Estados Unidos retiraram as salvaguardas à neutralidade de rede. No Brasil, porém, essa proteção ganhou um defensor: o novo presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Leonardo Euler de Morais.
Assim que a Comissão Federal das Comunicações dos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês) derrubou a necessidade de a neutralidade de rede ser protegida, empresas brasileiras começaram a argumentar que também no Brasil essa proteção deveria ser flexibilizada também.
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Pressão
O argumento delas está relacionado com o 5G. A chegada da quinta geração da banda larga móvel trará não só altas velocidades de conexão como maior ênfase na comunicação entre máquinas, a chamada internet das coisas. Também haverá a possibilidade de dividir banda larga em fatias, cada uma com características diferentes de operação, como taxas de transferência e latência próprias. Empresas de telecomunicação acreditam, no entanto, que essa característica poderia ser minada pela forma como a neutralidade de rede está configurada no Brasil. Morais discorda de que uma redefinição tenha de ser feita.
O princípio da neutralidade de rede está muito bem consagrado no Marco Civil da Internet. Essa é uma questão superada no Brasil
Liberdade na internet
Garantida por lei no Brasil, a neutralidade exige que todos os conteúdos online sejam tratados de forma igualitária. Ou seja, operadoras não podem alterar e priorizar o tráfego de dados para determinadas plataformas ou até bloquear acessos a sites, serviços ou apps.
Neste aspecto, esse princípio impede provedores de transformarem seus serviços de internet em planos similares aos de TV paga ou aos da telefonia móvel. Por isso, frequentemente, a neutralidade de rede é tida como um princípio que resguarda a liberdade do consumidor em relação aos serviços online usados.
Há duas situações em que as operadoras podem fazer a chamada diferenciação do tráfego:
- atender requisitos técnicos que garantam o funcionamento da rede
- priorizar serviços prioritários, como de saúde e segurança, e emergenciais, como avisos de situações de risco
Não faria sentido a gente questionar esse princípio, que deve ser absoluto. Isso não rivaliza ou contradiz a correta concepção de que a rede de telecomunicações não é uma rede burra. A dinamicidade tecnológica que permeia o setor de telecomunicações é muito diferente de outros setores
E completa:
Ter diferenciação conforme velocidade ou latência, em nada, fere o princípio da neutralidade de rede
As operadoras de telecomunicações já manifestaram a preocupação de que não poderiam gerenciar a rede sem que infringissem a neutralidade de rede.
A questão é: fazer um gerenciamento de rede que permita esses requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada do serviço não fere o princípio da neutralidade de rede
WhatsApp grátis!
O presidente da Anatel analisou ainda o chamado "zero rating", prática de operadoras frequentemente classificada por entidades de defesa dos consumidores como violação à neutralidade de rede. Você já deve ter visto algo assim: são pacotes de internet móvel em que o uso de um determinado serviço não consome a franquia contratada -- coisas como "WhatsApp de graça!" e "navegue no Facebook à vontade".
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"'Zero rating' é um gênero com várias espécies. A depender da espécie, não vejo violação ao princípio da neutralidade de rede", diz. Para exemplificar, ele cita uma das espécies que não violaria a neutralidade de rede:
Se a operadora tem um app que o usuário pode usar para cancelar seu serviço, mudar seu plano, solicitar portabilidade de outra operadora, e o acesso a esse serviço não consome a franquia de dados do consumidor, eu não vejo isso como um problema de 'zero rating'
Mas também aponta um caso em que haveria infração:
Em teoria, se existe 'zero rating' enquanto o usuário não esgotou o plano de dados até o final, não vejo problema nisso. Agora, se depois de concluir a franquia de dados, só determinados aplicativos poderem ser usados, aí já é uma discussão que merece um olhar mais atento para fazer valer o disposto no artigo nono do Marco Civil da Internet [este é o trecho que garante a neutralidade de rede]
Infrações à neutralidade de rede
A questão não é pacificada. No ano passado, o Brasil foi incluído em uma lista dos países latino-americanos que violam a neutralidade de rede, devido à disseminação de planos com algum tipo de "zero rating". O relatório foi feito pelas organizações Intervozes, do Brasil, e Derechos Digitales, do Chile.
O Ministério Público Federal foi outro a questionar a prática. Submeteu ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) uma reclamação contra Vivo, Tim, Claro e Oi por explorarem amplamente esse modelo de negócio. Para a procuradoria, havia duas ilegalidades: violação da neutralidade de rede e prática anticoncorrencial -- como o "zero rating" nasce de acordos financeiro entre a operadora e a empresa dona do aplicativo, negociações como essa impediriam que companhias de menor poder econômico competirem em pé de igualdade.
A questão não foi adiante, pois o Cade arquivou o caso em 2017. A primeira reclamação foi rebatida com argumentos da própria Anatel e do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), de que o Marco Civil não trata de arranjos entre empresas e a neutralidade de rede "é claramente relacionada a questões de tráfego de rede, não a questões comerciais".
"Ao proibir a priorização de 'pacotes de dados em razão de arranjos comerciais', tratou-se claramente de vedar as chamadas 'fast lanes' (uma espécie de 'subconexão' em que determinados pacotes trafegariam mais rapidamente na rede), o que não pode ser interpretado como uma proibição genérica de arranjos comerciais entre provedores de acesso à internet e provedores de aplicação", afirmou a superintendência-geral.
Como a discussão começou?
A discussão sobre uma possível revisão dos limites da neutralidade de rede foi reacesa quando o maior mercado de tecnologia do mundo resolveu mexer em sua lei. A FCC revogou no fim do ano passado uma regra que entrou em vigor em 2015, durante a gestão Barack Obama. Naquele ano, a banda larga foi classificada como serviço de utilidade pública -- mesmo status que eletricidade e telefone fixo possuem no país.
Essa diretriz foi incluída no Ato das Comunicações americano, criado em 1934 para evitar que o serviço telefônico fosse interrompido, controlado ou fornecido conforme o teor das conversas.
Quando a internet fixa e móvel foi equiparada à telefonia, passou a ser proibido bloquear a transmissão de qualquer conteúdo online ou que a rede fosse dividida em faixas -- a limitação do acesso deveria ocorrer apenas pela falta de pagamento ou por condições do pacote, como o fim da franquia de dados. Essa foi a forma que os EUA encontraram para garantir a neutralidade de rede por lá.
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