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Por que a bateria ainda não deixa os aviões elétricos decolarem

Cora, um dos carros voadores elétricos financiados por Larry Page (Google) - Divulgação
Cora, um dos carros voadores elétricos financiados por Larry Page (Google) Imagem: Divulgação

João Paulo Vicente

Colaboração para o UOL Tecnologia

28/09/2018 04h00

Dez anos depois do lançamento do primeiro carro da Tesla em 2008, a discussão sobre meios de transporte movidos à energia elétrica chegou a outro patamar: o céu. Isso porque projetos de aviões elétricos são uma tendência na indústria.

Do Uber nos ares ao império de carros voadores de Larry Page, fundador do Google, o futuro parece pertencer a aeronaves elétricas. Só que esse futuro fabuloso ainda tropeça num obstáculo importante: as baterias.

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Pesquisadores ao redor do mundo buscam desenvolver baterias capazes de fazer decolar aviões menos poluentes, mais silenciosos e com passagens de menor custo.

Nesse cenário, aviões elétricos são vistos como o futuro do setor. O grande problema, no entanto, atende por densidade energética, a razão entre o peso de uma fonte de energia e a quantidade de força que ela é capaz de gerar.

Hoje, não há qualquer tipo de bateria com uma densidade de energia que viabilize a decolagem de um voo comercial. Em outras palavras, a quantidade de baterias necessária para fazer um avião funcionar seria tão pesada que o transformaria numa bigorna.

Preso no chão

Antes de entender porque a aviação elétrica ainda está mais perto do chão do que do céu, vale lembrar que, no último mês de julho, o ministro de transporte da Noruega e o presidente da Avinor (a equivalente norueguesa da Infraero) voaram por alguns minutos ao redor do aeroporto de Oslo. Os dois estavam espremidos dentro do Alpha Go 2, um minúsculo avião elétrico produzido pela empresa eslovena Pipistrel.

A Pipistrel está na vanguarda dos voos elétricos, incluindo pesquisas em bateria, e mesmo assim a autonomia do componente não dá nem para o cheiro quando comparada ao querosene. 

Pipistrel - Divulgação  - Divulgação
O Alpha Go 2, da Pipistrel, tem densidade energética pequena
Imagem: Divulgação

Isso porque a querosene para aviação rende 12.000 Wh/kg (watt-hora por kilo), enquanto a bateria utilizada no voo na Noruega - de polímero de lítio, ainda em fase experimental -, apenas 175 Wh/kg. É só um pouquinho a mais do que as Lítio-Íon usadas no Modelo S da Tesla, 157 Wh/kg.

Ainda que os sistemas elétricos sejam até três vezes mais eficientes e desperdicem menos energia do que os motores de combustão, a diferença é cruel. Um avião teria que carregar bem mais que dez toneladas de baterias para ter a mesma autonomia que uma tonelada de querosene oferece.

Um Airbus A320, um dos aviões mais utilizados pelas companhias aéreas no Brasil, tem um peso máximo de decolagem de 77 toneladas - nesse caso, com direito a 21 toneladas de querosene. Para voar com a tecnologia de lítio-íon disponíveis hoje, numa conta grosseira, ele precisaria de bem mais de 200 toneladas para sair do chão. É impossível.

Desafio químico

Ácido, lítio, íon: notou os nomes? A verdade é que o desafio da aviação elétrica é um desafio químico.

“O que se busca hoje, tanto para automóveis elétricos quanto avião, é mais autonomia, então há pesquisadores atrás de novos materiais que ofereçam isso com segurança”, afirma Maria de Fátima Rosolem, que estuda baterias avançadas para veículos elétricos no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD).

Hoje baterias para carros já chegam a 600 km de autonomia, mas pecam um pouco em segurança. Pode ter uma bateria com autonomia menor, mas segurança maior. Não tem química que consegue atingir todos os requisitos

Maria de Fátima Rosolem, pesquisadora do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD)

A segurança, nesse caso, é essencial. A escolha dos materiais utilizados deve levar em consideração os riscos que eles podem oferecer em voo. O lítio, por exemplo, pega fogo em contato com ar.

Maria conta que há pesquisas em curso sobre diversas alternativas que poderiam melhorar tanto segurança quanto densidade energética das baterias, como modelos de lítio sólido, sódio-íon e lítio-enxofre. “São pré-protótipos, que levarão anos para entrar em escala comercial”, afirma.

No caso da Lítio-Enxofre, o Brasil está no olho do negócio. A Oxis, uma empresa inglesa de pesquisa nesse tipo de bateria, abriu uma fábrica em Minas Gerais no começo do ano com apoio da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig). Um dos focos é o desenvolvimento de produtos para a aviação.

De qualquer forma, a densidade energética das baterias tem crescido entre 2% e 3% ao ano. Segundo Don Hillebrand, diretor do Centro de Pesquisa em Transportes de Argonne em Lemont, nos Estados Unidos, quando elas chegarem a marca de 1.000 Wh/kg já serão viáveis para voos curtos. “Esse número reflete aproximadamente um terço da energia da gasolina, mas é o suficiente”, disse Hillebrand em entrevista à "Wired" no ano passado.

“É uma questão de mercado. Se o mercado estiver buscando, a tecnologia vai atrás. A lítio-íon foi desenvolvida por causa dos celulares”, afirma Maria de Fátima.

Modelo híbrido

De acordo com a consultoria Roland Berger, há quase 100 projetos diferentes de aeronaves movidas a energia elétrica em desenvolvimento no mundo.

São três no Brasil. O mais famoso deles é da Embraer, um projeto embrionário de um veículo elétrico de decolagem e pouso vertical (eVTOL na sigla em inglês) em parceria com a Uber.

Os eVTOL são veículos pequenos, que voam baixo, carregam poucas pessoas e tem uma velocidade semelhante ou um pouco superior a de helicópteros - são espécies de táxis aéreos. Por conta dessas particularidades, eles têm uma demanda energética menor do que a de aviões, o que facilita o desenvolvimento.

Zunun Aero - Divulgação  - Divulgação
Zunum Aero testa modelos híbridos de aeronaves
Imagem: Divulgação

Mesmo entre os aviões propriamente ditos, as pesquisas mais avançadas dizem respeito a aeronaves de pequeno porte, muito distantes de um A320, com capacidade para 180 pessoas. Nesse campo, a empresa que tem chamado mais atenção é a americana Zunum Aero, que já recebeu investimentos da Boeing e JetBlue.

No ano que vem, a Zunum iniciará os testes de um avião híbrido, que une eletricidade e querosene, para doze passageiros e autonomia de voo de 1.125 km. O plano é lançá-lo no começo dos anos 2020.

O híbrido funciona assim: os motores são abastecidos pelas baterias elétricas e o avião conta com o que a empresa chama de “extensor de alcance”, uma turbina de combustível fóssil que mantém as baterias carregadas no ar

A princípio, os voos híbridos decolam com o turbo-gerador rodando para suplementar as baterias. Ele fica ligado durante parte do cruzeiro e é desligado quando a energia restante nas baterias é suficiente para completar a viagem em segurança

Sandi Adam, diretora de marketing da  Zunum

“Mas o avião é elétrico. Conforme a tecnologia das baterias se desenvolve, nós seremos capazes de depender menos e menos no extensor de alcance e eventualmente substituir ele por um conjunto de baterias de backup”, explica ela por email.

Na comparação com um avião tradicional, o modelo emite 80% menos gases de efeito estufa. Pelo menos no papel, as vantagens não param por aí. O custo por passageiro é entre 40% e 80% mais barato, os motores são silenciosos e aeronave é capaz de decolar e pousar em pistas muito curtas - e até na vertical.

Somados, esses três fatores fazem a Zunum apostar em uma aviação regional, de distâncias menores que 1.500 km, com foco no uso de pequenos aeroportos. “Nós vemos essa aeronaves operando tanto de ponta a ponta quanto alimentando grandes hubs, em linhas aéreas elétricas regionais”, afirma Sandi.

Para Alessandro Oliveira, coordenador do Núcleo de Economia do Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (Nectar-ITA), um modelo como esse poderia impulsionar a aviação regional de média densidade.

“Da capital para interior, ainda enfrentaria forte concorrência da aviação comercial tradicional, mas na medida que aeroportos pelo interior se viabilizam com a aviação elétrica, novos destinos começam a ser criados e aí uma certa desconcentração de tráfego pode ocorrer”, diz Alessandro.

Só falta as baterias colaborarem.