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O que aconteceu com o gato filosófico de Schrödinger, a experiência mais famosa da física quântica

BBC Brasil
Imagem: BBC Brasil

Francisco López-Munoz e Francisco Pérez Fernández

The Conversation*

03/01/2022 09h31

O princípio da indeterminação ou incerteza indica que quanto mais preciso é o conhecimento da posição de uma partícula, mais imprecisa é a medição de sua massa e de sua velocidade.

O desenvolvimento da física atômica questionou a ideia de real que a modernidade ergueu sobre a mecânica clássica.

Estabeleceu que os modelos explicativos deterministas, que funcionavam com perfeita precisão no mundo macro, se tornavam inconsistentes quando se aprofundava na compreensão do mundo micro.

Assim, ao estabelecer seu famoso princípio da indeterminação ou incerteza, Werner Heisenberg discutiu a possibilidade de uma causalidade mecânica e fechada no âmbito da física.

Isso rompia dramaticamente com qualquer explicação fechada, em termos de causas e efeitos unidirecionais, do mundo.

Quão ruim é a incerteza

O princípio, formulado em 1925, indica que quanto mais preciso é o conhecimento da posição de uma partícula, mais imprecisa é a medição de sua massa e de sua velocidade, e vice-versa.

Assim, a precisão com a qual pode ser medida é limitada.

Isso não depende do aparelho utilizado, que poderia ser hipoteticamente perfeito, mas do ato mesmo de medir, pois a medida de algo depende da forma como se mede e não do objeto medido.

A distância, por exemplo, é indiferente que seja medida em quilômetros ou milhas, porque isso não a altera, mas o resultado varia se for usado um método ou outro e, com ele, o valor da mesma.

Isso não anula a validade da física clássica, mas matiza sua precisão: a mecânica clássica se propõe a trabalhar com quantidades perfeitamente mensuráveis, porque supõe que é possível conhecer a medida exata do que quer que seja e em qualquer de seus aspectos. Por isso, pode postular uma visão determinista e invariável do real.

A ideia de que o princípio da incerteza realmente anula o determinismo é questionada, mas isso implica na aceitação de uma ideia um tanto estranha: que na realidade não existem posições, massas ou velocidades de partículas — e, sim, apenas ondas perfeitamente quantificáveis mediante funções complexas.

Deste modo, a indeterminação de qualquer sistema seria apenas aparente.

A ideia, no entanto, não modifica o problema intuitivo da alteração de um sistema ao medi-lo.

Além disso, a mudança de partículas para ondas não resolve a questão do fechamento epistemológico da física, levantada por Erwin Schrödinger, que idealizou o conhecido experimento mental do gato em 1935.

Aqui está um gato trancado

Imagine o animal colocado dentro de uma caixa opaca equipada com um dispositivo formado por um frasco de vidro contendo um veneno volátil e um martelo suspenso sobre o frasco, de modo que se cair em cima dele, o quebrará, fazendo escapar o veneno.

Para garantir a autossuficiência do sistema, o martelo, por sua vez, foi conectado a um mecanismo de detecção de partículas alfa, de forma que se for detectada a presença de pelo menos uma, será acionado e cairá.

Ao lado do detector, colocamos um átomo radioativo com 50% de probabilidade de emitir uma partícula alfa no decorrer de uma hora. Feche a caixa e espere.

Ao final de uma hora, há dois eventos possíveis de terem ocorrido: ou o átomo emitiu uma partícula alfa e ativou a armadilha de veneno, ou não a emitiu.

Consequentemente, o gato estará vivo ou morto. O interessante é que não se pode saber o que aconteceu sem abrir a caixa.

Um cientista meticuloso e empenhado em garantir a qualidade preditiva do que faz vai querer desenvolver um modelo que permita antecipar o que aconteceu ao gato antes de vê-lo com seus próprios olhos. Ele recorrerá então a uma formulação do problema na chave da mecânica quântica.

Assim, o gato será descrito por uma função de onda complicada que será o resultado da superposição dos dois estados possíveis combinados a 50%:

A) Gato vivo.

B) Gato morto.

Aplicando o formalismo quântico, acontece algo que nos deixa perplexos: o gato estaria vivo e morto ao mesmo tempo.

O que se faz então é recorrer à única maneira positiva de descobrir o que aconteceu: a caixa é aberta. Mas ao realizar esta comprovação — medição — se altera o sistema, pois se rompe a superposição de estados descrita na função.

É neste momento que aparece o determinismo ditoso que impõe o senso comum para nos indicar que, como o gato não podia estar vivo e morto ao mesmo tempo, já devia estar vivo ou morto antes.

Porém, a mecânica quântica está nos informando de algo mais perverso: enquanto ninguém abrir a caixa, o gato se encontrará em um estado indefinido, formado pela superposição dos dois estados possíveis: A e B.

Isso significa simplesmente que é a forma de controle que se aplica a um sistema que o altera e determina, porque o modifica.

Há várias interpretações deste modelo mental.

A mais básica é que a interpretação quântica mostra que não é tão "óbvio" quanto o senso comum indica que se pode alcançar a certeza final sobre algo, visto que existe um componente probabilístico ingovernável.

Antecipar, não prever

Se tem tentado vencer este paradoxo, a fim de avançar até a ideia de um modelo preditivo que permita saber o que vai acontecer ao gato.

O mais recente foi apresentado por Zlatko Minev, membro da equipe liderada por Michel Devoret na Universidade Yale (EUA): o "salto quântico", ou seja, o momento em que se decide se o gato vive ou morre, não é tão abrupto como se pensava.

Embora não tenha sido observada experimentalmente até a década de 1980, a ideia do salto quântico se deve ao físico dinamarquês Niels Bohr, sendo o que acontece quando se mede a informação quântica de um átomo ou molécula — o chamado bit ou qubit.

Ao fazer essa medição, o átomo "salta" de um estado de energia para outro, e se sabe que a longo prazo estes saltos são imprevisíveis.

O que a equipe de Yale estabeleceu é que, embora não seja possível fazer previsões exatas sobre as mudanças em um sistema, seria aceitável dispor de um dispositivo de monitoramento que fornecesse um sinal antecipado de que um salto quântico vai ocorrer.

Isso daria coerência física a qualquer sistema em estudo e, em condições ideais, poderia antecipar a morte do gato e até mesmo revertê-la antes que aconteça (o que, diga-se de passagem, já é bastante paradoxal por si só).

Na realidade, esta descoberta não invalida a utilidade do paradoxo de Schrödinger, uma vez que não rompe com o dogma quântico de que o futuro é aleatório, nem altera o fundamento do princípio da indeterminação.

Apenas indica — e isso não é pouco — que é possível ter um meio que avise que vai ocorrer uma mudança no sistema que se estuda.

Algo semelhante ao que aconteceu com os peixes dias antes da erupção do vulcão na ilha de La Palma: os pescadores relataram que a captura de peixes havia reduzido drasticamente antes da erupção porque os peixes simplesmente haviam desaparecido das zonas de pesca habituais.

Não é que os animais soubessem que haveria uma erupção vulcânica.

Eles simplesmente anteciparam um perigo ao perceber os primeiros sinais, como tremores de baixa intensidade ou mudanças sutis na temperatura e na composição da água, que escapam da percepção humana.

Toque filosofal

Tudo isso, e aí vem a filosofia, abre novos caminhos interpretativos no que diz respeito ao problema mente-corpo, que invalidam a presunção de que o dualismo seja necessariamente uma abordagem falsa, anômala ou dispensável.

Na verdade, diante do que postulam os defensores do reducionismo, nem é absurdo ser dualista nem, de fato, se pode afirmar que ser dualista careça de sentido científico.

O próprio Schrödinger apresentou algumas ideias em 1944.

Atraído pela enorme complexidade observável na matéria viva, ele propôs que, em relação ao comportamento dessa matéria viva, era necessário buscar uma resposta diferente, pois se devia aceitar que, talvez, funcionasse de maneira irredutível às leis ordinárias da física.

Isso não implica que devam ser descobertas novas leis da física para explicar o funcionamento do vivo, mas que os diferentes níveis sistêmicos sobrepostos dos quais qualquer atividade orgânica é constituída modificam, alteram e alternam os processos deterministas e probabilísticos que funcionam regularmente na matéria inerte.

Como explicar a consciência então?

Pode-se começar aceitando a existência de uma alma imaterial como resposta simbólico-racional ao fato da pluralidade de manifestações do consciente.

Solução historicamente bem-sucedida, mas com sérias dificuldades teóricas. E se não, pergunte a René Descartes.

Outra alternativa seria entender que a consciência está em íntima conexão com o estado físico de uma região limitada da matéria, o corpo, do qual depende, e que, uma vez que existe uma grande pluralidade de corpos, haveria uma pluralidade de consciências ou mentes, tantas quanto pessoas.

Mas isso nos levaria ao problema do subjetivismo e do relativismo.

Ou seja, como seria possível que as pessoas pudessem estar de acordo em algo com as demais, se vivemos presos em nossa própria consciência?

A menos, é claro, que se apresentasse uma proposta alternativa de compromisso, como o chamado emergentismo sistêmico (que deixaremos para outro dia).

Schrödinger optou, terceira opção, por uma postura monista-materialista ao abordar o caso, entendendo que o mental era um mero epifenômeno.

Mas esse tipo de explicação tampouco é inteiramente funcional, na medida em que requer um determinismo psicofísico que seu próprio paradoxo questiona, pois impede que se possa explicar a anomalia inerente às leis psicofísicas.

Ao que parece seu gato não estava apenas vivo e morto ao mesmo tempo, mas também era filósofo.

*Francisco Pérez Fernández é professor de psicologia criminal, psicologia da delinquência, antropologia e sociologia criminal e pesquisador da Universidade Camilo José Cela, na Espanha.

*Francisco López-Muñoz é professor de farmacologia e vice-reitor de pesquisa e ciência da Universidade Camilo José Cela.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em espanhol).