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Exploração espacial: de Marte a cometa, a humanidade dá novos saltos

O foguete Falcon 9 e a cápsula Crew Dragon, da Space X, iniciaram uma nova fase do programa espacial americano - Getty Images
O foguete Falcon 9 e a cápsula Crew Dragon, da Space X, iniciaram uma nova fase do programa espacial americano Imagem: Getty Images

09/12/2021 13h16

Apesar de um acidente que abalou o programa espacial americano, como a experiência humana chegou a lugares nunca antes visitados

No século 20, um tema acompanhava quase todo pensamento associado ao futuro depois dos anos 2000: o espaço. Os primeiros anos do século 21, no entanto, ficaram longe das expectativas mais fantásticas. O programa espacial americano precisou ser revisto, os esforços russos já não repetiam as glórias dos tempos da União Soviética, e alguns questionavam se era mesmo necessário investir em viagens rumo ao desconhecido.

Um sonho, porém, continuou vivo: a conquista de Marte — sonho que, aos poucos, foi se tornando realidade. Em passos históricos, a humanidade expandiu sua exploração do Planeta Vermelho, para onde enviou novas sondas e veículos e onde confirmou a existência de água.

Além disso, mirando outros pontos do universo vimos pela primeira vez a imagem de um buraco negro, objetos construídos pelo ser humano saíram do Sistema Solar, e os primeiros turistas compraram passagens para um passeio na estratosfera.

No século 21, a exploração do espaço colocou a humanidade mais perto de outros mundos.

Desastre no céu

No começo do novo milênio, o mundo já se acostumara com as idas e vindas ao espaço dos ônibus espaciais americanos. Columbia, Atlantis, Discovery, Endeavour e Challenger já haviam retornado do espaço aterrissando tranquilamente sobre uma pista um total de 111 vezes. Uma trágica missão, em 1986, terminara na explosão da Challenger durante o lançamento, mas a aterrissagem era garantia de um espetáculo belo e seguro. Até o desastroso dia 1º de fevereiro de 2003.

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O acidente com o Columbia, em que morreram sete astronautas, abalou o programa espacial dos EUA
Imagem: BRETT COOMER/GETTY IMAGES

O Columbia era o mais antigo ônibus espacial do programa iniciado pelos EUA no final da década de 1970, tendo realizado até então 27 missões bem-sucedidas. Naquele dia de fevereiro, depois de passar mais de 15 dias em órbita em torno da Terra numa missão científica, longe da Estação Espacial Internacional, a nave entrava na atmosfera a caminho de Cabo Canaveral, no Estado da Flórida. A apenas 16 minutos da aterrissagem, o Columbia se despedaçou. Pouco depois de perder contato com o centro de controle em Houston, partes da nave riscaram o céu sobre o Estado do Texas.

"Perdemos o Columbia. Não há sobreviventes", disse o presidente George W. Bush, num sombrio pronunciamento à nação em que confirmava a morte dos sete astronautas. O desastre, causado pelo descolamento de um pedaço de espuma do tanque de combustível que atingiu e danificou a asa esquerda da nave, durante sua decolagem, levou à suspensão imediata dos voos dos ônibus espaciais.

Em 14 de janeiro de 2004, Bush anunciou a futura aposentadoria das naves e o fim do programa — que, entre suas inúmeras realizações colocara em órbita o telescópio Hubble, em 1990. Os EUA, disse o presidente, apenas cumpririam os compromissos de conclusão da Estação Espacial, previstos até 2010. As viagens com os ônibus seriam retomadas em 2005, com a volta do Discovery ao espaço, mas a missão do Atlantis de maio de 2011 seria a última do programa.

Os trabalhos e as estratégias da Nasa, a agência espacial americana, começavam a ser reinventados.

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O Atlantis fez a última missão de todos os ônibus espaciais americanos, em julho de 2011
Imagem: Nasa

As razões para o gradual fim do programa com os ônibus espaciais foram muitas, mas se resumiam a dois aspectos: segurança e, principalmente, custo. O então engenheiro da Nasa Mark Adler escreveu em 2015, no site de ciência e tecnologia Gizmodo, que o programa era "caro demais".

"O ônibus nunca cumpriu sua promessa de acesso de baixo custo ao espaço graças à reutilização do sistema", disse Adler. "O ônibus e a Estação Espacial dominavam completamente o orçamento da Nasa para voos espaciais com seres humanos, a ponto de não ser possível nenhum outro desenvolvimento significativo."

As consequências da progressiva aposentadoria dos ônibus espaciais foram significativas.

Primeiro, os EUA ficariam sem um veículo próprio para enviar astronautas ao espaço. Segundo, as limitações orçamentárias foram uma forte sinalização para a iniciativa privada de que, a partir de então, o setor espacial estava aberto para visionários e ambiciosos empresários.

China, Europa e Marte

O mundo ainda se recuperava do chocante desparecimento do Columbia quando uma nova potência entrou na cena espacial.

Em 15 de outubro de 2003, a China colocou em órbita seu primeiro astronauta, Yang Liwei, um piloto de 38 anos da Força Aérea do país.

Depois de contornar a Terra 14 vezes, durante 21 horas, em sua nave Shenzhou, Yang pousou no norte da China e foi recebido como herói por cerca de 600 pessoas da região. Com o feito, a China tornou-se apenas o terceiro país a colocar uma pessoa no espaço, depois da União Soviética e dos EUA, ambos nos anos 1960.

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O feito de Yang Liwei ocupou as capas dos jornais chineses e fez de seu país uma nova potência da exploração espacial
Imagem: Getty Images

"Os americanos estão muito preocupados", disse à BBC News na época o professor Phil Deans, especialista em China da Universidade de Londres.

"Desde o fim da Guerra Fria, eles têm tido quase um completo monopólio em ir ao espaço. Agora tem muito mais concorrência."

A viagem de Yang ao espaço seria apenas o primeiro passo do ambicioso programa espacial chinês. Os objetivos de Pequim incluíam a construção de uma estação espacial e a exploração da Lua.

Também em 2003, em junho, fora aberta a temporada marciana, impulsionada pelas movimentações no Sistema Solar.

Naquele período, Terra e Marte estariam mais pertos um do outro do que jamais haviam estado desde que se tinha registro, fazendo com que uma viagem durasse apenas sete meses.

No dia 2, a ESA (Agência Espacial Europeia) usou um foguete russo Soyuz, a partir do Cazaquistão, para lançar sua missão Mars Express.

Após o bem-sucedido lançamento, a BBC News noticiava: "A Europa vai para Marte". Além do satélite de mesmo nome, cujo objetivo era orbitar e investigar o planeta do alto, a missão incluía o módulo Beagle 2, que seria lançado sobre a superfície para coletar material e investigar a possibilidade de vida em Marte.

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O Beagle 2 deveria colher investigar sinais de vida em Marte, mas se acidentou no pouso e não cumpriu sua missão
Imagem: ESA-SPL

Aqueles fascinados pelo Planeta Vermelho mal tiveram tempo de se recuperar da euforia com o lançamento europeu. Uma semana depois, no dia 10, a Nasa usou um foguete Delta II para levar ao espaço o veículo de exploração Spirit.

Continuando a tradição iniciada em 1997 com a missão Pathfinder, que incluiu o veículo Sojourner, o Spirit era um robô que passearia sobre o solo rochoso do planeta para aprender mais sobre ele.

"Temos muitos desafios pela frente, mas este lançamento correu tão bem, que estamos encantados", disse na época Pete Theisinger, gerente de projetos das missões a Marte da Nasa.

Menos de um mês depois, um novo foguete Delta II partiu da Flórida levando um irmão gêmeo do Spirit, chamado Opportunity. Igual ao primeiro, o segundo robô enviado pela Nasa em menos de um mês tinha como endereço um ponto diferente de Marte. Ambos investigariam a possibilidade de ter havido vida no planeta vizinho num passado distante.

Os lançamentos a Marte e o feito dos chineses serviram de alívio em um ano que vinha marcado pela tragédia do Columbia. Como disse uma reportagem do site da rede americana NBC em 23 de dezembro, 2003 foi "o pior dos tempos e o melhor dos tempos" para a exploração espacial.

Haveria uma decepção extra, porém. No dia de Natal, o módulo Beagle 2 deveria aterrissar em Marte e começar a enviar dados de volta à Terra, seis dias depois de ter se separado da sonda Mars Express, que orbitava o planeta.

Tudo parecia ir bem até que o Beagle 2 — um equipamento pequeno, de menos de 1 metro de largura — ficou em silêncio. Dois meses depois, ele seria dado como perdido, para a tristeza dos cientistas do programa europeu.

Missões inéditas

O sorriso voltaria logo aos rostos dos cientistas da agência europeia, mas por outro motivo. Em 2 de março de 2004, um foguete Ariane foi lançado na Guiana Francesa. Num projeto da ESA, o Ariane carregava a sonda Rosetta, cuja missão era das mais ousadas já imaginadas: alcançar, fotografar e estudar um cometa.

O plano, um projeto de cerca de US$ 1 bilhão, previa que a Rosetta viajasse 7 bilhões de quilômetros na direção do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko.

Dez anos depois da partida, a sonda entraria em órbita em torno do 67P e lançaria um pequeno módulo em sua superfície para estudar sua composição.

"A Rosetta é parte da nossa busca por conhecimento e nossos sonhos", afirmou o diretor-geral da ESA, Jean-Jacques Dordain. O público, intrigado com a missão, ainda teria de esperar uma década para saber se o plano daria mesmo certo.

Em 19 de janeiro de 2006, foi a vez de a Nasa fazer algo que nunca fora feito antes. Após dois dias de suspense e adiamentos devido ao mau tempo, um foguete Atlas 5 partiu de Cabo Canaveral, na Flórida, carregando a sonda New Horizons.

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Em 2006, o foguete Atlas 5 partiu de Cabo Canaveral, na Flórida, carregando a sonda New Horizons em direção a Plutão
Imagem: BRUCE WEAVER/GETTY IMAGES

O destino: Plutão, o último planeta do Sistema Solar, misterioso como o Deus grego que inspirou seu nome. Alan Stern, um dos chefes da missão New Horizons, dizia que provavelmente a viagem mudaria muito do que se sabia sobre o planeta. "Eu acho emocionante que todos os livros didáticos terão de ser reescritos", afirmou Stern, segundo o site Space.com.

A verdade é que os livros tiveram mesmo de ser reescritos, mas muito antes de a New Horizons enviar qualquer novidade sobre Plutão. Em agosto de 2006, apenas sete meses depois do lançamento da sonda, cerca de 2.500 cientistas reunidos em Praga (República Tcheca), durante encontro da União Astronômica Internacional, tomaram uma decisão dramática. Determinaram que, a partir de então, Plutão não seria mais um planeta.

Diante da descoberta de outros corpos celestes que também circundavam nosso Sol e eram maiores que Plutão, os cientistas estabeleceram três principais critérios para determinar o que era um planeta.

Primeiro, ele precisaria orbitar uma estrela; em segundo, precisaria ter massa e tamanho suficientes para obter um formato redondo; e, em terceiro, precisaria ter uma órbita só sua, tendo forçado outros objetos a afastar-se de seu caminho.

A órbita de Plutão não é exclusiva, já que ele invade a do muito maior Netuno, portanto ele não sobreviveu à terceira exigência. Com isso, os cientistas decidiram que o longínquo planeta ganharia uma nova definição: planeta anão.

Água em Marte

Março de 2004 foi mesmo um mês importante para os europeus. No dia 30, a ESA comunicou que a Mars Express havia detectado metano na atmosfera de Marte. Em pequena quantidade, é verdade, mas o suficiente para que os cientistas voltassem a associar o vizinho da Terra àquela palavra de quatro letras que tanto entusiasma astrônomos e leigos: vida.

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O interesse por Marte aumentou, com o envio de várias sondas de exploração e planos para uma viagem tripulada
Imagem: SCIENCE PHOTO LIBRARY

A primeira hipótese sobre a origem do gás metano na atmosfera marciana era a de que seria resultado de "atividade vulcânica ou termo-hídrica", como explicou em nota a agência europeia. No mesmo anúncio, a ESA lembrou que "na Terra, o metano é subproduto de atividade biológica, como a fermentação". Tal relação permitia considerar uma possível associação a alguma forma de vida alienígena, disse o técnico da ESA Vittorio Formisano: "Se tivermos de excluir a hipótese vulcânica, nós ainda podemos considerar a possibilidade de vida".

Os robôs Spirit e Opportunity continuavam se movimentando na superfície do Planeta Vermelho, enviando dados e imagens impressionantes.

Previstos originalmente para operar por no máximo 90 dias, os dois ultrapassaram um ano de missão e no início de 2006 chegaram ao segundo aniversário em solo marciano. Na mesma época, a festa humana em Marte ficou ainda mais animada com a chegada à órbita marciana da sonda MRO (Mars Reconnaissance Orbiter).

Lançada pela Nasa em agosto de 2005, a MRO era mais um par de olhos eletrônicos observando a superfície vermelha do alto — um céu cada vez mais movimentado.

No entanto, enquanto Spirit e Opportunity investigavam possíveis sinais de vidas passadas, a MRO tinha uma principal coisa em mente: água, especialmente em estado líquido.

Segundo a Nasa, seus instrumentos iriam "obter fotos da superfície marciana de bem de perto, analisar minérios, procurar água sob a superfície", entre outras tarefas necessárias para decifrar o histórico da presença do líquido. A Nasa parecia confiante de que havia chance de haver água no mundo desértico marciano — e tinha razão.

O trabalho da MRO seria em certa medida uma continuação do que fazia a sonda MGS (Mars Global Surveyor), lançada em 1996 e que ficou em órbita por incansáveis dez anos.

Antes de se aposentar de vez, a MGS produziu imagens da superfície que levaram cientistas da Nasa a uma grande descoberta. Em 2006, eles disseram que marcas na superfície marciana, algo como grandes escoadouros, haviam aparecido recentemente, depois de 1999. Segundo eles, era grande a chance de que haviam sido feitos pela passagem de água saída do interior das montanhas.

A tese foi questionada por especialistas, para quem avalanches causadas por rochas eram a causa mais provável das marcas, mas retornou anos depois, com ainda mais força.

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A sonda europeia Mars Express identificou a presença de água em lagos substerrâneos de Marte
Imagem: ESA/DLR/FU BERLIN/DUNFORD

Em setembro de 2015, veio a grande notícia. A Nasa informou que novos dados coletados pela sonda MRO indicavam que era mesmo água a responsável pelas marcas registradas superfície de Marte, dependendo da época do ano e das condições.

"Marte não é o planeta seco, árido que pensávamos no passado", disse o cientista da Nasa James Green. "Sob certas circunstâncias, água em estado líquido foi encontrada em Marte."

A descoberta da MRO foi possível graças a um de seus equipamentos, chamado Crism, que conseguia determinar a composição química de materiais na superfície do planeta. O Crism conseguiu estabelecer que os caminhos deixados no relevo marciano eram cobertos por sais —perclorato de magnésio, clorato e cloreto —, que por sua vez criavam condições para que a água se mantivesse líquida por tempo suficiente para percorrer um trecho da superfície. Mais champanhe na Nasa.

Três anos depois, mais água em Marte, agora subterrânea. Dessa vez a sonda europeia Mars Express, que como a MRO orbitava o planeta, foi a responsável pelas boas novas.

O radar da nave identificou um grande lago subterrâneo, de cerca de 20 quilômetros de extensão, no polo sul de Marte, a 1,5 quilômetro de profundidade. Foi a primeira vez que um foco permanente de água líquida existente no planeta foi encontrado — e não ficaria apenas nisso.

Em 2020, a ESA anunciou que outros três lagos subterrâneos na mesma região haviam sido identificados.

Na superfície, os avanços no conhecimento sobre a atmosfera, o solo e o subsolo de Marte ganharam impulso e emoção com chegada de um módulo ainda mais moderno a Marte: o Curiosity.

Enviado ao planeta pela Nasa em 2011, o Curiosity era maior, mais completo e mais robusto que qualquer um de seus antecessores. Com três metros de comprimento e quase três de largura, o novo robô chegou com a autoridade de um carro feito para circular pela superfície árida dourada.

Aterrissou em agosto de 2012 e gerou renovado interesse no mundo todo pelas aventuras marcianas da humanidade, ocupando a capa da influente revista americana Time em agosto de 2012. "O que podemos aprender com um robô distante 154 milhões de milhas", dizia a publicação.

Como se esperava, aprendeu-se muito. Em primeiro lugar, as imagens que o Curiosity passou a enviar para a Terra eram impressionantes.

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O Curiosity, com mais mobilidade, chegou a Marta em 2012 e registrou imagens incríveis, inclusive de si mesmo
Imagem: Nasa

Chamavam a atenção de muitos seus auto-retratos — ou "selfies" —, produzidos com seu eficiente braço mecânico — o equivalente a um "pau de selfie".

Como para concluir cada auto-retrato o robô da Nasa precisava produzir 86 imagens, já que as fotos registravam apenas uma área pequena do módulo, a foto final não exibia o braço mecânico, dando a impressão de que alguém mais teria produzido a fotografia. No que realmente importava, sua missão, o Curiosity também não decepcionou.

O robô-carro fora a Marte para investigar a possibilidade de o planeta já ter abrigado alguma forma de vida, e em 2018 fez seu maior avanço.

Em junho daquele ano, a Nasa anunciou que o Curiosity havia descoberto "antigo material orgânico", em rochas de 3 bilhões de anos na superfície, e "misterioso metano" na atmosfera, reforçando a descoberta anterior dos europeus.

"Embora comumente associadas com a vida, moléculas orgânicas também podem ser criadas por processos não-biológicos e não são necessariamente indicadores de vida", explicou a Nasa.

Não eram garantia de vida. Tampouco as várias sondas e robôs enviados ao Planeta Vermelho fotografaram alienígenas verdes em sua superfície. As missões da MRO, da Mars Express, do Curiosity e outras, porém, foram sem dúvida alguns dos maiores sucessos espaciais, de público e crítica, do início do século.

Fronteira final

A exploração espacial também aproximou mais a humanidade do espaço longínquo — a chamada fronteira final. Em setembro de 2013, uma equipe da Nasa anunciou que a sonda Voyager-1, lançada ao espaço em 1977, já estava numa região interestelar - entre diferentes estrelas. Ou seja, ela havia saído do nosso sistema solar.

Apesar de confirmada apenas naquela data, a passagem ocorrera em agosto de 2012, a primeira vez na história que um objeto fabricado pelo ser humano saía da área dominada pelo nosso Sol.

Na época, o professor de ciência e mídia da Universidade de Lincoln Chris Riley disse à BBC News: "Um feito como esse pode ser a maior coisa que nós, seres humanos, jamais consigamos realizar, um monumento à nossa existência que pode durar mais que a própria civilização".

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As sondas gêmeas Voyager 1 e 2 foram os primeiros objetos fabricados pelo ser humano a deixar o Sistema Solar
Imagem: NASA

Seis anos depois, em novembro de 2018, foi a vez da Voyager-2, sua sonda gêmea. Lançada também em 1977, duas semanas antes da Voyager-1, a sonda fez um caminho mais longo até se lançar rumo à fronteira final, na direção de outras estrelas e sistemas.

A Voyager-2 encontrava-se então a 18 bilhões de quilômetros da Terra, viajando a 54 mil km/h, enquanto sua sonda irmã já estava a 22 bilhões de quilômetros de nosso planeta, viajando a 61 mil km/h.

Desde então, ambas desbravam uma área completamente nova, numa viagem para qual nem haviam sido preparadas — suas missões envolviam os estudos dos planetas mais distantes do sistema solar.

Com as duas Voyagers no espaço interestelar, outro acontecimento lembrou a todos na Terra dos mistérios em pontos distantes do universo.

Em 2016, cientistas anunciaram ter identificado ondas gravitacionais geradas pela colisão entre dois buracos negros — o que causou uma dobra do chamado "espaço-tempo", central na teoria da relatividade do alemão Albert Einstein (1879-1955).

A descoberta, feita pela equipe do projeto americano Ligo Scientific Collaboration, foi vista como uma comprovação da teoria de Einstein, cem anos depois de sua publicação final, em 1916.

"É a primeira vez que o universo falou conosco por intermédio de ondas gravitacionais. Até agora, nós estávamos surdos", disse David Reitze, diretor-executivo do Ligo, criado para estudar esse tema e explorar os fundamentos físicos da gravidade.

Como diria Spock, fascinante! No entanto, talvez o que muitos quisessem mesmo era ver um buraco negro, saber como ele é. Pois isso foi possível três anos depois.

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Oito telescópios foram usados para registrar a imagem do buraco negro no centro da galáxia Messier 87
Imagem: EHT

Em 2019, pela primeira vez na história foi captada a imagem desse que é um dos elementos mais enigmáticos do universo. "Um buraco negro é um objeto extremamente denso do qual nenhuma luz consegue escapar", disse de forma didática o comunicado da agência americana que anunciou a imagem, em abril de 2019, para depois mergulhar no que soa como ficção científica.

"Qualquer coisa que chegue ao 'horizonte de eventos' do buraco negro, seu ponto sem volta, será consumido, para nunca mais voltar, por causa da gravidade inimaginavelmente forte do buraco negro."

A incrível fotografia desse assustador devorador de matéria mostrava um buraco negro no centro da galáxia Messier 87, ou M87, localizada a 55 milhões de anos-luz da Terra — ou seja, viajando à velocidade da luz, seriam necessários 55 milhões de anos para chegar a ela.

A imagem rodou o mundo, revelando seu centro escuro, cercado por um anel laranja e avermelhado, ardente como fogo. Na base do círculo, um trecho mais intenso parecia compor um sorriso. O tamanho do buraco negro era tão impressionante quanto a distância: 6,5 bilhões de vezes a massa do nosso Sol.

Para conseguir obter uma imagem desse tipo, antes se acreditava que seria necessário construir um gigantesco telescópio apenas para esse objetivo.

Mas a missão foi cumprida de forma mais criativa: com o projeto Event Horizon Telescope, ou EHT, que reuniu oito telescópios baseados em diferentes regiões da Terra.

Combinados, eles atuaram como um telescópio do tamanho do nosso planeta. "É um sonho realizado", disse à BBC News o chefe do EHT, Heino Falcke. "Você pensa nisso por 20 anos, e aí você finalmente vê, e se parece como nos seus sonhos."

Cometa e Plutão

A segunda década do século 21 trouxe recompensas por esforços feitos na primeira.

Dez anos após sua partida num foguete Ariane, a sonda Rosetta, da agência espacial europeia, alcançava seu mais importante objetivo: orbitar um cometa.

"Depois de uma jornada de uma década buscando seu alvo, a Rosetta, da ESA, tornou-se hoje a primeira nave espacial a se encontrar com um cometa, abrindo um novo capítulo na exploração do Sistema Solar", disse o orgulhoso comunicado da ESA, em 6 de agosto de 2014.

" O cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko e a Rosetta estão agora a 405 milhões de quilômetros da Terra, no meio do caminho entre as órbitas de Júpiter e Marte, correndo na direção do Sistema Solar interior a quase 55 mil km/h."

Viajando a uma distância de apenas 100 quilômetros do cometa — a órbita chegaria a 50 quilômetros —, a Rosetta começava a enviar imagens surpreendentes de seu relevo.

Uma das pontas do 67P/Churyumov-Gerasimenko logo ficou conhecida como "bico de pato", devido a seu formato. O momento mais esperado da missão, porém, viria em novembro do mesmo ano.

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O cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko foi orbitado e fotografado pela sonda europeia Rosetta
Imagem: ESA/ROSETTA/MPS

Em novembro de 2014, a Rosetta lançou sobre o 67P o módulo Philae, a primeira vez na história que um objeto artificial pousou num cometa.

O pouso não foi dos mais suaves, e o Philae acabou caindo sobre o relevo e se instalando num ponto relativamente encoberto.

Comunicou-se e enviou informações por três dias, incluindo algo que entusiasmou os cientistas: o módulo identificara a presença de "moléculas orgânicas" na fina atmosfera do 67P, incluindo compostos ricos em carbono e nitrogênio.

A descoberta reforçou a tese de muitos de que cometas podem ter tido um papel essencial no desenvolvimento de vida na Terra, ao espalhar componentes orgânicos necessários para seu surgimento.

"Cometas poderiam entregar esses requerimentos necessários para vida pelo Sistema Solar. Como você 'cozinha' o sistema de uma forma que nós finalmente emergimos, vivendo num planeta como a Terra, é uma outra questão", disse à BBC News o professor David Southwood, que trabalhou no projeto da sonda Rosetta.

"Mas os cometas ou estão carregando o que é às vezes chamado de 'panspermia', entregando vida, ou o material estava lá e de alguma forma acabou chegando ao nosso planeta."

Sem energia devido a sua posição, que dificultava a entrada de luz do Sol para alimentar seus painéis solares, após três dias o Philae ficou em silêncio, em estado de hibernação.

O cometa seguia na direção do Sol, e sete meses depois o módulo despertou, com baterias recarregadas. Ficou ativo por cerca de um mês, entre junho e julho de 2015, quando voltou a ficar em silêncio, desta vez para sempre.

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Após um pouso difícil, o Philae ficou instalado num local de pouca luz solar do cometa, o que dificultou sua operação
Imagem: ESA

Um ano depois, o Philae foi oficialmente desligado, o que gerou mensagens carinhosas de adeus nas redes sociais.

No início de setembro de 2016, a Rosetta, semanas antes de concluir sua missão, enviou uma imagem que solucionou o mistério sobre o destino do módulo. "O Philae foi encontrado!", dizia o título do comunicado da europeia ESA.

A foto mostrava, num canto da imagem, a pequena estrutura metálica, de apenas 1 metro de largura e extensão, num ponto relativamente escuro da superfície, no que parecia a entrada de uma gruta.

No fim daquele mês, a missão e a própria Rosetta chegariam ao fim. A sonda lançou-se contra o 67P/Churyumov-Gerasimenko, não num pouso leve, mas num choque, planejado para colocá-la fora de operação.

A agência americana Nasa também colheu os frutos de uma ousada e longa missão iniciada na década anterior. O rebaixamento de Plutão à categoria de planeta anão não reduziu a empolgação com a viagem de nove anos da sonda New Horizons ao limite do Sistema Solar, pelo contrário.

Os cientistas da Nasa sabiam que a sonda revelaria imagens e dados incríveis sobre esse pequeno corpo celeste, localizado a mais de 6 bilhões de quilômetros da Terra e sobre o qual pouco se sabia. Ninguém imaginava, porém, encontrar um coração.

Até julho de 2015, quando a sonda enviou suas primeiras fotos feitas durante sua passagem pelo ex-planeta, a melhor imagem de Plutão disponível fora feita pelo telescópio Hubble em 2003.

Ela mostrava uma esfera sem definição ou relevo, e o mundo que a New Horizons revelou era muito mais definido e interessante.

Exibido em detalhes pela primeira vez, Plutão continha montanhas com mais de 3 mil metros de altura, largas planícies e uma região no formato de um enorme coração.

Imediatamente identificada como o traço mais marcante da superfície, o coração recebeu o nome de Tombaugh Regio, em homenagem a Clyde Tombaugh, o astrônomo que em 1930 descobriu Plutão.

Com a exploração de um cometa e de Plutão, a humanidade esclarecia dois mistérios ainda não desvendados do Sistema Solar, agora mais explorado do que nunca.

China e espaço privatizado

O sucesso da exploração do Sistema Solar por meio de sondas e módulos não eliminou a fascinação exercida pelo envio de pessoas para fora da Terra.

As temporadas de astronautas na Estação Espacial Internacional continuaram, com o uso de naves russas Soyuz, produzindo fotos e vídeos impressionantes do cotidiano humano na órbita terrestre.

Desde sua inauguração, em dezembro de 1998, até o fim de 2020, a estação recebeu 101 missões tripuladas, 94 delas no século 21. Além de americanos e russos, estiveram na instalação astronautas de países como Reino Unido, Alemanha, Itália e Japão, numa verdadeira experiência internacional.

A conquista espacial, porém, avançava em ritmo acelerado num projeto paralelo. Provavelmente ainda na década de 2020, a Estação Espacial Internacional deveria deixar de ser a única residência humana fora da Terra, com a construção da estação chinesa.

O feito seria o resultado de duas décadas de conquistas espaciais da China. Desde o envio de seu primeiro cidadão ao espaço, em 2003, Pequim continuou colocando mais pessoas em órbita, inclusive a primeira mulher chinesa, Liu Yang, em 2012.

No ano seguinte, o país enviou uma nave à Lua, onde deixou um módulo lunar e para onde enviou novas missões não tripuladas, em 2019 e 2020. Esta última, com Chang'e-5, em dezembro de 2020, trouxe de volta amostras do solo lunar e plantou a bandeira da República Popular da China na superfície do satélite natural da Terra - apenas o segundo país a deixar sua flâmula, após os Estados Unidos, em 1969.

Enquanto o Estado chinês abraçava sua exploração do espaço, o abandono dos ônibus espaciais pelos Estados Unidos criou novas oportunidades para o setor privado.

Desde 2011, por nove anos os americanos dependera das naves russas para visitar a estação espacial, e o futuro novo veículo americano para viagens espaciais não viria da Nasa. Seria um empreendimento privado.

Em 30 de maio de 2020, num primeiro voo com tripulação reduzida, o foguete Falcon 9 levou a cápsula Crew Dragon para a estação espacial, com dois astronautas a bordo.

Foi o primeiro voo espacial tripulado a partir de solo americano, com nave do próprio país, em nove anos. A missão foi concluída em agosto, quando a nave voltou à Terra. Numa nova viagem, a dupla Falcon e Crew Dragon, projetada e construída pela empresa americana Space X, transportaria uma tripulação de quatro pessoas à estação em novembro de 2020.

Fundada em 2002 pelo empreendedor Elon Musk, dono da fabricante de veículos elétricos Tesla, a Space X desenvolveu vários avanços tecnológicos. Entre eles, a capacidade do foguete Falcon 9 de retornar ao solo, pousando verticalmente minutos após o lançamento e liberação da nave, permitindo seu reaproveitamento.

A Space X também está no centro do projeto de Musk de enviar os primeiros humanos a Marte, missão que, em 2020, ele considerava ser possível realizar talvez já em 2026. "Se tivermos sorte, talvez daqui a quatro anos", disse Musk - ou seja, 2024.

Menos ousado, mas não menos fascinante, era o projeto de outra empresa privada que encontrou no setor espacial, a Virgin, do empresário britânico Richard Branson.

A Virgin Galactic, empresa do grupo dedicada aos projetos fora da Terra, desenvolveu uma nave dedicada ao turismo espacial, a VSS Unity. Ainda em fase de testes no final de 2020, a Unity deverá levar turistas para a mesosfera - a camada da atmosfera terrestre acima da estratosfera. De lá, os passageiros terão uma vista do planeta e do espaço, sem gravidade - muitos já compraram a passagem.

Enquanto isso, outras partes do mundo lançavam-se para fora do planeta, entre eles a Índia, com seu programa de exploração da Lua, e os Emirados Árabes Unidos, que em 2020 enviaram uma sonda rumo a Marte.

Da tragédia com o Columbia à movimentada ocupação de Marte, a visita a um cometa e a entrada no espaço interestelar, o início do século 21 foi do drama a conquistas históricas.

Lançou a humanidade mais rapidamente para o futuro, enquanto aumentou nosso conhecimento sobre as origens do Sistema Solar e do próprio universo. Comprovou, caso ainda houvesse dúvidas, que a aventura humana além da Terra estava só começando.

Este artigo é parte da série "21 Histórias que Marcaram o Século 21", da BBC News Brasil.