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A extraordinária história da mulher conhecida como 'computador humano'

Shakuntala Devi começou a fazer cálculos mentais aos 3 anos de idade -
Shakuntala Devi começou a fazer cálculos mentais aos 3 anos de idade

Da BBC

10/08/2020 14h06

A vida da indiana Shakuntala Devi, capaz de fazer cálculos matemáticos complexos em segundos, é tema de um novo filme.

A capacidade de Shakuntala Devi de fazer cálculos mentalmente em questão de segundos era tanta que aqueles que a conheciam costumavam descrevê-la como um "computador humano".

Seu talento com os números lhe rendeu um lugar no Livro Guinness dos Recordes e a transformou em uma celebridade que viajou o mundo demonstrando suas proezas matemáticas em universidades, teatros, estúdios de rádio e televisão.

A vida dessa mulher indiana, que morreu em 2013, aos 83 anos, foi retratada em um filme que tem o nome dela como título e que foi lançado recentemente.

Vidya Balan, a atriz de Bollywood que interpreta a gênio dos números, a descreveu como uma "garota de uma pequena cidade indiana que conquistou o mundo".

"Ela não teve educação formal, mas podia fazer os cálculos mais complexos em sua mente com uma velocidade surpreendente. Era mais rápida do que um computador", disse Balan à BBC.

Para se preparar para o papel, a atriz estudou, entre outras coisas, um vídeo da rede de televisão canadense ATN em que Devi é vista perguntando para a audiência se querem que ela responda da esquerda para a direita ou da direita para esquerda.

Segundos antes, uma pessoa pediu que ela multiplicasse dois números de oito dígitos. Ela deu a resposta quase imediatamente. O vídeo foi visto mais de meio milhão de vezes desde que foi publicado, em 2013.

Dom divino

Em entrevistas, Devi disse que fazia cálculos matemáticos de cabeça "desde os 3 anos de idade". Seu pai, um artista de circo, descobriu essa habilidade quando jogavam cartas e viu que a menina o vencia porque conseguia memorizar as dele.

"É um presente de Deus, um dom divino", ela costumava dizer quando lhe pediam para explicar este talento extraordinário.

Ninguém em sua família tinha qualquer habilidade especial para números. "Nem mesmo remotamente, embora meu pai fosse um bruxo."

Aos 6 anos, quando já era considerada uma criança prodígio, ela mostrou seus dotes pela primeira vez em um evento público na cidade de Mysore, no estado indiano de Karnataka, onde nasceu. Devi também aprendeu sozinha a ler e escrever.

Velocidade surpreendente

Em 1950, ao participar de um programa de televisão da BBC, deu uma resposta a um problema que não era a mesma de seu apresentador. Isso ocorreu devido a uma falha na pergunta, observou Devi. Quando os especialistas reexaminaram os números, concordaram com ela.

Em 1977, em Dallas, nos Estados Unidos, Devi venceu uma disputa com o Univac, um dos supercomputadores mais rápidos já construídos.

E ela entrou para o Guinness ao multiplicar dois números de 13 dígitos escolhidos ao acaso por um computador em frente a mil pessoas no Imperial College London. O cálculo levou 28 segundos, incluindo o tempo para falar o resultado de 26 dígitos.

Além de ser um gênio da matemática, Devi desenvolveu uma carreira alternativa como astróloga.

Ela escreveu livros sobre astrologia, culinária, matemática e crime. Também uma obra em que defendia a descriminalização da homossexualidade, que nos anos 1970 era um grande problema não apenas na Índia, mas na maior parte do mundo.

"Ela era tantas coisas. Ela vivia a vida em seus próprios termos. Ela não tinha medo, não se desculpava. E pensar que isso foi há 50 anos!", diz Balan.

A atriz preparou seu papel assistindo a vídeos e lendo matérias sobre Devi, além de ouvir as histórias de Anupama Banerji, sua única filha, que mora com a família em Londres.

"Tudo isso me deu uma ideia sobre a vida dela. O que realmente me fascinou é que normalmente não se associa uma pessoa engraçada com matemática, e ela muda completamente essa ideia", diz.

"Ela brincava com números, dá para ver uma espécie de alegria nela quando fazia cálculos matemáticos. Adorava atuar."

Em um estudo de 1990, Arthur R. Jensen, pesquisador de inteligência humana da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, a descreveu como "extrovertida, afável e eloquente".

No entanto, sentia "profunda infelicidade", disse o jornalista e cineasta Pritish Nandy. "Parte era por motivos pessoais, mas o mais importante era que tinha uma habilidade e não conseguia monetizar isso", disse ele à BBC.

Em várias entrevistas, Devi relatou como, por ser uma criança prodígio, frequentemente sofrera pressão para ganhar dinheiro, como única fonte de renda de sua família.

E, mais tarde em sua vida, sua infelicidade foi associada a seu casamento com um homem gay que não havia saído do armário.

Balan espera que o filme seja uma forma de entretenimento em um momento em que muita gente está em casa, devido à pandemia do coronavírus.

Mas também que "traga uma mudança na forma como ensinamos matemática, que se torne mais interessante e que tire o medo que as pessoas têm desta disciplina e inspire mais pessoas a estudá-la".