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Por que o homem mais rico do mundo e outros magnatas de tecnologia vão depor no Congresso dos EUA

Jeff Bezos, da Amazon, bateu recentemente o recorde de homem mais rico do mundo, com fortuna estimada em US$ 172 bilhões - Andrej Sokolow/picture alliance via Getty Images
Jeff Bezos, da Amazon, bateu recentemente o recorde de homem mais rico do mundo, com fortuna estimada em US$ 172 bilhões Imagem: Andrej Sokolow/picture alliance via Getty Images

James Clayton - Da BBC News

29/07/2020 14h07

Pela primeira vez, Jeff Bezos, Mark Zuckerberg, Tim Cook e Sundar Pichai vão depor juntos em uma sessão que discutirá se empresas de tecnologias ficaram poderosas demais.

Um encontro inédito deve acontecer nesta quarta-feira (29) no Congresso americano com quatro dos maiores magnatas de tecnologia do país prestando depoimento em um comitê parlamentar.

Entre eles está Jeff Bezos, que é o homem mais rico do mundo e fundador da varejista online Amazon. É a primeira vez que ele presta depoimento ao Congresso americano.

Também foram convocados Mark Zuckerberg (Facebook), Sundar Pichai (Google) e Tim Cook (Apple).

O desempenho desses magnatas de tecnologia e suas respostas às questões dos congressistas podem definir as relações futuras entre o setor de tecnologia e o governo.

Uma das questões fundamentais do comitê é: seriam essas empresas de tecnologia grandes demais?

A pandemia de covid-19 deixou ainda mais evidente a discrepância destas empresas em relação às demais. Enquanto muitas companhias enfrentam problemas, as chamadas Big Tech ("Grandes da Tecnologia", em tradução livre) vivem bons momentos financeiros. Juntas elas valem mais de 5 trilhões de dólares.

Isso vem provocando críticas semelhantes às que se fazem aos bancos: de que elas seriam grandes demais para falir.

Igualmente o número de reclamações feitas contra essas empresas cresceu muito.

O que eles devem dizer?

Em comentários já divulgados para a imprensa, Mark Zuckerberg argumenta que o Facebook tornou-se bem-sucedido seguindo o "jeito americano", fornecendo produtos e serviços que as pessoas consideram valiosos, depois de começar do zero.

"Nossa história não teria sido possível sem leis dos Estados Unidos que incentivam competição e inovação", ele diz.

Mas ele reconhece que existem preocupações sobre tamanho e percepção de poder dessas empresas de tecnologia. E reconhece também que deve haver um papel mais ativo de governos e reguladores com regras atualizadas sobre a internet.

Jeff Bezos já publicou o discurso que fará na abertura da sessão no Congresso.

"Na Amazon, a obsessão com clientes nos fez o que somos, e nos permitiu fazer coisas ainda maiores", diz ele.

"Eu sei o que a Amazon conseguia fazer quando éramos dez pessoas. Eu sei o que conseguíamos fazer quando éramos mil pessoas, e quando éramos 10 mil pessoas. E sei o que podemos fazer hoje que somos quase 1 milhão."

"Eu acredito que a Amazon deve passar por um escrutínio. Devemos submeter a escrutínio todas as grandes instituições, sejam elas empresas, agências governamentais e não-lucrativas. Nossa responsabilidade é se certificar de que vamos ser aprovados nesse escrutínio com louvor."

Posição proeminente

O tema geral das críticas é de que essas empresas não são apenas provedoras de serviços, elas são donas de parte da internet. A acusação é de que elas abusam de sua posição proeminente de forma injusta, às custas dos demais concorrentes.

Um dos exemplos é a Amazon, que promove seus próprios produtos com maior ênfase do que os demais nas plataformas de venda da Amazon.

Ou a Apple, que cobra 30% das receitas que os apps arrecadam com vendas na App Store.

Os criadores de app reclamam: onde mais podemos vender nossos apps? Apple e Google (que são proprietários dos sistemas operacionais iOS e Android, respectivamente) controlam o mercado. Eles têm controle sobre quem pode competir ou não ? e também decidem quais são as cobranças em cima dos apps.

O Google também vem sendo acusado (e até multado) por diminuir a exposição de mecanismos de busca rivais. Novamente a acusação é de que nenhuma empresa deveria ter tanto controle sobre uma parte tão essencial da nossa internet.

E há críticas gerais que podem ser feitas contra todas as gigantes de tecnologia. Por exemplo, as estratégias apelidadas de CopyAcquire/Kill (Copiar/Adquirir/Matar).

As gigantes de tecnologia costumam copiar as ideias de outras empresas, comprar startups que ameaçam seus domínios e até mesmo "matar" muitos dos negócios rivais. Essa tática seria apenas mera astúcia no mundo dos negócios? Ou é uma prática injusta?

E é nesse ponto que essa prática se torna tão difícil de regular. Tradicionalmente as leis contra competição (regras antitruste) são baseadas em preços cobrados junto aos consumidores.

Em um monopólio típico, ou cartel, o teste dessa prática é simples. Basta perguntar: os consumidores estão pagando mais porque não existe competição?

Os "trustes" (práticas anticoncorrência) que se formaram nos Estados Unidos no começo do século 20— e que formaram a base da legislação— levavam a um aumento de preços cobrados. Empresas como a petrolífera Standard Oil e as companhias ferroviárias abusavam de suas posições dominantes no mercado para prejudicar os consumidores.

Isso é muito mais difícil de se comprovar no caso das gigantes de tecnologia.

Por exemplo, o Facebook, Instagram e WhatsApp são gratuitos. A Amazon costuma oferecer preços mais baixos do que a concorrência. Os mecanismos de buscas do Google são gratuitos. O YouTube, que pertence ao Google, é gratuito. E muitos apps para iPhone são gratuitos.

Então qual é o problema?

Esse é o cerne da disputa. Os críticos dizem que essas empresas prejudicam os consumidores de uma forma mais sutil, estrangulando companhias menores. E isso prejudicaria a economia como um todo.

É isso que os parlamentares querem examinar.

Ativistas antitruste dizem que já perderam uma batalha antes mesmo do começo da sessão. Eles queriam que cada magnata de tecnologia prestasse depoimento individualmente, e não em grupo.

"Nós queremos deixar pouco espaço para que um se esconda atrás do outro", diz Sarah Miller, do projeto American Economics Liberties Project.

Os executivos falarão juntos e a sessão será, ainda por cima, virtual.

Também se teme que os parlamentares usarão a sessão para se exibirem na imprensa e para seus eleitores, em vez de perguntarem questões técnicas duras.

Questões separadas também devem surgir, em especial para Mark Zuckerberg. O Facebook é atualmente o foco de uma campanha de boicote publicitário. A empresa é acusada de ser lenta demais na remoção de conteúdo racista e de ódio. Isso pode vir a ser explorado pelos congressistas.

E é claro, com a chegada das eleições americanas em novembro, o Facebook deve receber críticas tanto de democratas quanto de republicanos. Os democratas estão preocupados com o conteúdo de extrema-direita que se prolifera nas plataformas. Os republicanos dizem que o Facebook é uma empresa esquerdista em sua estrutura. E há ainda preocupações com interferências vindas do exterior.

A China também deve ser um tema presente nas discussões, e que pode ser do interesse dos magnatas de tecnologia. Com empresas como TikTok e Huawei atraindo a ira do governo de Donald Trump, uma linha de defesa que pode surgir é: "Fatiem nossas empresas, exagerem nas regulações contra nossas empresas, e vocês vão acabar dando mais poderes às companhias de tecnologia da China".

Tentar tirar os quatro magnatas de seu roteiro pré-estabelecido será o desafio maior para os parlamentares. Isso deu certo em um depoimento prestado por Mark Zuckerberg no Congresso americano em 2018. Mas é mais fácil falar do que fazer.

O Congresso americano tem uma grande oportunidade diante de si. A chance de realmente questionar esses homens poderosos não surge toda hora, e os depoimentos deles podem moldar suas relações futuras com clientes e governo.

Mas qualquer que seja o resultado da sessão de quarta-feira, esse não será o fim da história. No começo da semana, um comitê do Senado anunciou que terá uma audiência especial para discutir o papel predominante do Google na publicidade online.