Topo

Por que cada vez mais jovens abandonam família e tecnologia para viverem de esmola como monges

Dhruvi (à esq.) vai passar por um ritual de iniciação para abandonar completamente o mundo - BBC
Dhruvi (à esq.) vai passar por um ritual de iniciação para abandonar completamente o mundo Imagem: BBC

11/07/2019 13h49

Eles comem apenas o que receberem de esmola, nunca se banham e não usam tecnologias modernas.

Centenas de jovens na Índia, membros de comunidades que seguem o jainismo, começaram a "renunciar ao mundo material" para virarem monges que caminham descalços, comem apenas o que recebem de esmola, não tomam banho nem usam tecnologia moderna. A repórter de religião da BBC News, Priyanka Pathak, foi investigar o porquê.

"Eu nunca vou conseguir abraçar minha filha de novo", diz Indravadan Singhi. Ele desvia o olhar, sem querer revelar suas emoções. "Nunca vou poder olhá-la nos olhos de novo."

Resignado, ele observa seus filhos e outros familiares decorando a sala com enfeites dourados e cor-de-rosa para celebrar a passagem da sua filha "do mundo" para a "vida monástica".

Nos dias que antecederam a cerimônia, sua família veio do interior para passar com Dhruvi seus últimos dias fazendo coisas que ela gosta - jogando críquete no parque, ouvindo música e comendo em seus restaurantes favoritos. Depois, ela nunca mais poderá fazer esse tipo de coisa.

Enquanto religiosa, a jovem de 20 anos nunca mais poderá chamar os progenitores de mãe e pais. Ela vai cortar o cabelo, caminhar apenas descalça e comer apenas o que receber de esmola. Nunca mais andará de carro, nem tomará banho, nem dormirá sob um ventilador de teto e nunca mais usará um celular.

A família dela pertence à uma antiga comunidade jainista, minoria religiosa de cerca de 4,5 milhões de fiéis. Esses devotos seguem os princípios de sua religião sob a orientação espiritual de monges. Essas normas incluem orientações detalhadas sobre a vida diária, especialmente o que comer, o que não comer e quando comer.

Nos últimos cinco anos, Indravadan Singhi e sua esposa viram sua única filha - que antes amava jeans rasgados e sonhava em cantar em um reality show - se tornar cada vez mais religiosa e retraída.

Quando passar pelo ritual jainista de iniciação, chamado de deeksha, a jovem Dhruvi está se afastando do modo de vida que conheceu até agora.

E ela não está sozinha. Centenas de jovens jainistas estão seguindo o mesmo caminho, com seus números aumentando a cada ano - principalmente o número de mulheres.

"Até alguns anos atrás costumava haver apenas entre 10 e 15 rituais de iniciação por anos", diz o professor Bipin Doshi, que ensina filosofia do jainismo na Universidade de Mumbai.

No último ano, esse número subiu para 250 e o filósofo acredita que deve subir para 400 em 2019.

Líderes das comunidades atribuem o aumento a três coisas: o crescimento de pressões do mundo sobre os jovens, o fato de gurus estarem adotando novas tecnologias para tornar mais fácil para as pessoas comunicarem ideias religiosas e, finalmente, retiros com um superestrutura que permite aos jovens experimentarem a vida monástica antes de escolher se comprometer.

Pressões da vida moderna

O estresse social de econômico de um mundo hiperconectado contribuem para esse fenômeno, diz Doshi.

"Você vê tudo ao mesmo momento: o que está acontecendo em Nova York, o que está acontecendo na Europa. Antes, nossa competição era restrita às ruas por onde andamos. Hoje, a competição é com o mundo todo", diz ele.

Ele afirma que o chamado "Fear of Missing Out" (Fomo, ou medo de ficar de fora) está levando mais jovens a tentar escapar de tudo.

"O entendimento é que, uma faz que você passa pela deeksha e renuncia ao mundo, o seu nível de espiritualidade e status social e religioso são tão grandes que até os homens mais ricos se curvam a você", afirma ele.

Pooja Binakhiya, fisioterapeuta que participou do deeksha no mês passado, diz o foco de sua vida mudou completamente após se tornar religiosa.

Se antes seus dias eram cheios de preocupações, como família, amigos, beleza e carreira, hoje ela diz que não precisa mais se preocupar sobre como os amigos a verão.

"Aqui nós só pensamos em alma, alma e alma", diz ela.

Gurus nas redes sociais

Dias antes de sua cerimônia de renúncia, Dhruvi diz que sua guru é "tudo para ela".

"Ela é meu mundo. O que ela disser é o que vale."

Todos os religiosos iniciantes falam de seus gurus com o mesmo entusiasmo. É evidente que esses líderes religiosos inspiram enorme obediência e lealdade.

Doshi diz que nem sempre foi assim.

"Antigamente, os ascetas eram mais introvertidos e mais interessados em sua autopurificação", diz ele. Mas hoje eles estão mais envolvidos em atrair novos fieis - especialmente jovens.

Até dez anos atrás, os textos do jainismo eram escritos em linguagens antigas da Índia, como sânscrito e prácrito magádi. Hoje, a literatura religiosa é oferecida em muitas línguas, especialmente em inglês.

Histórias da religião são transformadas em curta-metragens que circulam por WhatsApp - são filmes bem produzidos que com frequência glorificam a renúncia e até retratam os monges como superheróis.

O monge jainista Muni Jinvatsalya Vijay Maharajsaheb diz que nos últimos anos vídeos produzidos por ONGs ligadas à religião tiveram um papel central em tornar o jainismo acessível para os jovens.

Ele próprio publicou vários vídeos no YouTube que tiveram mais de 1 milhão de visualizações. "Se você quer atingir os jovens, é mais fácil ir aonde eles estão do que trazê-los para cá."

Os retiros religiosos

A jovem Dhruvi diz que foi um retiro de 48 dias no qual ela esteve há cinco anos que foi "a faísca que me fez refletir sobre a possibilidade de ter uma vida monástica".

Sob o atual guru, o retiro permite que os jainas leigos experimentem a vida monástica - sem sapatos, eletricidade ou banhos. A maioria dos noviços apontam para o retiro como o local e momento onde eles decidiram que queriam ser monges.

Durante o retiro, os gurus incentivam os jovens a renunciarem a um mundo "cheio de mágoa".

Mas esse tipo de retiro não pode ser feito do dia para a noite.

Hitesh Mota, que organiza cerimônias de renúncia em Mumbai, diz que a maioria dos participantes vai antes em retiros menores para "gradualmente construírem sua confiança de que sim, eles podem viver assim um pouquinho mais da próxima vez".

"O medo da vida monástica, o medo de abrir mão de tudo é removido durante o retiro. É o primeiro passo, uma espécie de campo de treinamento para se tornar um monge."

No mês passado, um retiro na cidade de Nashik terminou em um procissão de comemoração com carroças carregando 600 participantes usando roupas brilhantes. A maioria tinha menos de 25 anos e centenas deles expressaram o desejo de passar pela deeksha.

Entre eles estava o adolescente Het Doshi, de 12 anos.

Estudante dedicado e campeão em competições de skate, Het perdeu várias semanas de aula e três competições de skate para participar do retiro. No fim, seus pés estavam machucados e cheios de bolhas e ele perdeu 18kg. Apesar de tudo, diz ele, "a chama já estava em seu coração".

"Meu guru disse que não há nada de bom nesse mundo", diz ele, que parecia não entender muito bem as próprias palavras. "Eu não gosto de nada nesse mundo material. Eu quero me afastar dos meus karmas, dos meus pecados. Então, eu quero passar pela deeksha. Meu guru diz que eu deveria passar por ela o quanto antes, então eu fazer a renúncia antes dos 15."

Seus pais o observavam orgulhos.

Resistência familiar

Mas nem todo mundo compartilha do entusiasmo dos filhos pela renúncia.

Dhruvi teve que se esforçar para conseguir o apoio dos pais. "Minha família ficou muito chateada quando eu contei", diz ela.

A jovem parou de mencionar a deeksha por alguns anos, ciente de que se forçasse a barra muito rápido ela poderia pôr em risco a sua liberdade de viajar com sua guru.

Ela acabou conseguindo superar a resistência da família, mas ainda há dúvidas.

Na manhã da cerimônia de renúncia de Dhruvi, seu pai a abraçou pela última vez antes de ela usar as roupas de monja. Ele tinha o pesar evidente em seu rosto.

"Toda essa pompa é uma coisa", disse ele. "Volte em dois anos para ver como as coisas se saíram."