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Zuckerberg critica 'bolhas' e polarização e lança manifesto para 'reiniciar globalização'

Mark Zuckerberg faz discurso em encontro da Apec, em Lima, Peru - Mariana Bazo/Reuters
Mark Zuckerberg faz discurso em encontro da Apec, em Lima, Peru Imagem: Mariana Bazo/Reuters

Kamal Ahmed

Editor de Economia da BBC

17/02/2017 10h31

Mark Zuckerberg disse estar seriamente preocupado com o crescimento de uma onda contrária à globalização.

Em entrevista à BBC, o fundador do Facebook disse que as notícias falsas, a polarização de opiniões e as "bolhas ideológicas" estariam prejudicando o "entendimento entre as pessoas".

Para ele, o crescimento global deixou muita gente para trás, o que teria gerado uma demanda pela saída do "mundo interconectado".

Em uma convocação, ele disse que as pessoas não podem ficar "sentadas e chateadas", mas devem agir para construir "infraestruturas sociais".

O termo aparece diversas vezes na entrevista e sugere a construção coletiva de pontes para a circulação de ideias, pessoas e oportunidades.

"Quando eu lancei o Facebook, a missão de conectar o planeta não era nada polêmica", afirmou.

"Era como se isso fosse uma vontade comum às pessoas; a cada ano o mundo ficou mais conectado e esta parecia a direção para a qual as coisas caminhavam", disse. "Agora, essa visão é mais controversa."

Perda de esperança

"Há pessoas pelo mundo que se sentem deixadas para trás pela globalização e pelas mudanças rápidas que aconteceram, e, como resultado, há movimentos que querem abandonar parte desta conexão global", disse.

A entrevista com Zuckerberg veio junto à publicação de uma carta de 5.500 palavras, um manifesto escrito por ele sobre o futuro do Facebook e da economia global.

No texto, ele cita o ex-presidente americano Abraham Lincoln, que falou sobre agir "em conjunto", sobre "necessidades espirituais" e mais engajamento cívico. Ele diz ainda que muitas pessoas "perderam a esperança no futuro".

"Por algumas décadas, talvez mais, vendeu-se a ideia de que se o mundo caminhasse junto, tudo iria melhorar", afirmou.

"Acho que a longo prazo isso será verdade, e há pedaços de infraestrutura que podemos construir para termos certeza de que a comunidade global funciona para todo mundo", disse o criador da rede social mais famosa do mundo.

"Mas também acho que houve caminhos em que a globalização não levou em conta alguns dos desafios que ela criaria para as pessoas, e agora acredito que parte do que vemos é um reflexo disso."

Ele continua: "Se as pessoas estão se perguntando sobre isso, o caminho para a humanidade é se aproximar cada vez mais ou não? Acho que a resposta é claramente sim", ele diz. "Mas nós precisamos ter certeza de que a comunidade global funcione para todos. E isso não vai acontecer automaticamente."

Zuckerberg prossegue: "Todas essas diferentes instituições, sejam elas governos, ONGs ou empresas, precisam fazer sua parte na construção dessa infraestrutura para empoderar as pessoas e então criar oportunidades para todos, não apenas alguns."

"Se você está triste com o rumo das coisas, espero que não fique apenas sentado e chateado, mas que sinta a urgência que existe para a construção de infraestruturas de longo prazo", afirmou.

Desafios globais

A BBC perguntou ao executivo se ele sentia que o presidente americano, Donald Trump, concordava com sua visão de que "unir as pessoas" e "conectar o mundo" levaria a um progresso maior.

Zuckerberg não participou da mesa redonda com líderes da indústria tecnológica organizada recentemente por Trump.

"Não acho que eu vá falar sobre isso diretamente", respondeu, cuidadosamente. "Você pode falar com ele, você pode olhar para o que ele já disse para ter uma ideia sobre isso".

"O que eu vou falar é que um monte de caras vão olhar para este tema pela perspectiva de um ou dois acontecimentos, mas eu realmente acho que este é um assunto mais amplo."

O CEO do Facebook continua: "Tenho falado sobre isso há muito tempo, desde antes das eleições recentes na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos. Muitas das maiores oportunidades atuais virão da união das pessoas - seja espalhando prosperidade ou liberdade, ou acelerando a ciência, ou promovendo a paz e a união das pessoas".

Zuckerberg ainda disse: "Muitos dos desafios que enfrentamos hoje são também inteiramente globais - a luta contra as mudanças climáticas ou o terrorismo, o fim de pandemias, ou quando uma guerra civil em um país leva a uma crise de refugiados por diferentes continentes".

"Estas são coisas inerentes à globalização, e requerem um nível diferente de infraestrutura daquele que sempre tivemos."

Ambições políticas?

"Você gostaria de conhecer o presidente Trump?", perguntou a reportagem.

"Gostaria que o foco não fosse este. Eu realmente não tenho muito a comentar sobre isso. Isso de alguma forma distrai do foco que nós estamos tentando construir aqui."

Houve especulações de que Zuckerberg poderia estar considerando uma carreira na política, com direito a rumores de que ele se candidataria nas eleições presidenciais de 2020 - o que ele nega veementemente.

Durante a entrevista, disse a ele que o tom politizado da carta que divulgou não ajudaria muito a diminuir as especulações sobre a posição que Zuckerberg pretende ocupar no futuro.

Ele se imaginaria no mundo político? "Não vou fazer isso agora, este não é o plano", afirmou. "O que realmente me importa é conectar o mundo."

O Facebook tem sido atacado por não fazer o suficiente para conter as fake news (ou notícias falsas) - como as que afirmaram, por exemplo, que o papa teria apoiado Trump, algo que circulou bastante nas timelines da rede social.

Na Alemanha, houve polêmica depois que uma parlamentar do Partido Verde apareceu em um post do Facebook defendendo um refugiado do Afeganistão que havia estuprado e matado uma estudante alemã.

A deputada, Renate Kuenast, nunca disse a frase que tinha sido atribuída a ela por uma organização de extrema-direita.

Kuenast disse achar difícil aceitar que "Zuckerberg ganhe bilhões, exiba suas doações bilionárias à caridade e ao mesmo tempo permita que o Facebook se torne uma ferramenta para extremistas".

Mr Zuckerberg disse que entendeu a importância de atacar as fake news.

Liberdade de opinião

"Precisão de informação é muito importante", disse ele em sua carta, publicada na quinta-feira. "Sabemos que há desinformação e conteúdos falsos circulando no Facebook."

"Conseguimos progresso na luta contra estas mentiras da mesma maneira que lutamos contra o spam, mas temos mais trabalho pela frente", escreveu. "Estamos atuando cuidadosamente porque nem sempre existe uma linha clara entre enganação, sátira e opinião."

Mas ele complementou: "Em uma sociedade livre, é importante que as pessoas tenham o poder de compartilhar suas opiniões, mesmo que outros achem que elas estão erradas".

"Nossa atuação se focará menos em banir a desinformação e mais em trazer à tona perspectivas complementares e informação, inclusive com questionamentos sobre a veracidade dos itens, feitos por checadores de acontecimentos."

À reportagem, ele disse que "polarização e sensacionalismo" também sabotam o "entendimento comum".

E admitiu que as redes sociais - que funcionam por mensagens curtas e às vezes agressivas - são parte do problema.

"Em alguns lugares, elas podem simplificar questões importantes e complexas e podem nos levar a ter opiniões simplificadas sobre elas", disse.

"E acho que é nossa responsabilidade ampliar os bons efeitos e mitigar os negativos, para que tenhamos uma comunidade que se entenda entre si", afirmou.

"Se eu conheço você pelos valores que temos em comum ou até pelos interesses que compartilhamos, é bem mais fácil termos um debate sobre algo que discordamos de maneira produtiva do que se nos conhecêssemos e embarcássemos em algo sem entendimento ou empatia."

'Ser um exemplo'

Como ninguém votou em Mark Zuckerberg, muitos podem argumentar que existe uma questão de legitimidade aqui e questionar o direito dele de desenvolver - e tentar colocar em prática - uma visão sobre o mundo.

E o que dizer das polêmicas sobre pagamento de impostos, ou privacidade, ou lucros enormes, em uma época em que a desigualdade é um fator que está por trás tanto da atual visão tenebrosa que muitos têm sobre o establishment político e empresarial como também das falhas identificadas da globalização?

"Há muitas áreas em que precisamos melhorar. Eu aprecio as críticas e respostas e espero que possamos continuar melhorando nestas questões", disse Zuckerberg, ressaltando que está doando 99% de sua parte no Facebook - 45 bilhões de dólares (ou quase R$ 130 bilhões) - para a fundação de caridade que ele toca com sua esposa, Priscilla Chan.

"Ser um bom cidadão corporativo é realmente importante", disse. "Nós estamos em uma série de diferentes países pelo mundo."

Zuckerberg prossegue: "Precisamos ajudar a construir estas comunidades e é isso que estou tentando fazer com meu projeto filantrópico - espero ser um exemplo para outros empreendedores que construirão coisas no futuro sobre como é preciso devolver coisas para comunidades e para o mundo."

"Acredito profundamente em tudo isso e este é um trabalho em construção."

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