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Viagem barata: Por que motoristas do Uber estão protestando contra a empresa no Brasil

Geoffroy Van der Hasselt /AFP
Imagem: Geoffroy Van der Hasselt /AFP

Felipe Souza

Da BBC Brasil, em São Paulo

28/03/2016 17h11

Publicitários, administradores, músicos, taxistas e comerciantes. Alguns com ensino superior e até pós-graduação. A lista de pessoas que abandonaram suas profissões e apostaram todas as fichas no Uber é vasta, mas, agora, muitos dizem se sentir enganados pela empresa, acumulam dívidas e já falam em voltar para as carreiras de origem.

O principal motivo apontado por eles é o desconto de 15% aplicado na tarifa do Uber em novembro de 2015, o que reduziu drasticamente, segundo eles, os lucros de quem trabalha para a empresa.

A adesão em massa de novos motoristas nos últimos meses também faz parte do leque de reclamações. Eles alegam que a demanda não cresceu na mesma proporção e que o número de viagens diárias por colaborador despencou.

A BBC Brasil conversou com motoristas descontentes com a nova tarifa adotada pelo aplicativo, mas todos pediram para não ser identificados por medo de sofrer represálias. Um grupo marcou uma greve ações para esta segunda-feira a partir das 5h em todas as cidades brasileiras onde o aplicativo funciona.

A reportagem apurou que a adesão foi pequena, mas não há detalhes oficiais. Testes feitos nas regiões leste e oeste de São Paulo durante esta manhã apontaram tempo de espera normal para chamar um veículo, de até cinco minutos.

O gerente comercial pós-graduado Artur (nome fictício) afirma que está com dificuldades para pagar as parcelas do carro que comprou há dois anos para trabalhar para o aplicativo - que liga motoristas particulares a passageiros - e se arrepende de ter deixado o antigo emprego.

"Só paguei metade das 48 parcelas de R$ 1.800 do carro. Quando entrei no Uber, eu ganhava até R$ 8 mil líquido por mês, com 12 horas de trabalho por dia. Hoje, eu levanto as mãos para o céu quando consigo tirar R$ 3 mil, mas preciso de jornadas de até 18 horas", relata.

No emprego anterior, Artur ganhava R$ 3.500 líquidos, com uma jornada de 10 horas diárias, mas recebia outros direitos trabalhistas, como 13º salário e férias. Ele conta que a carga horária de trabalho no Uber motivou até mesmo o fim de seu casamento. "Minha mulher cansou de não me ver mais em casa", disse.

A Uber informou, em nota, que redução dos preços causou um aumento da demanda e mais viagens aos motoristas. A medida, segundo a empresa, faz gerar "tanta renda quanto antes" aos motoristas porque eles "ficam menos tempo rodando entre uma viagem e outra."

Livre mercado

O professor de economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas) William Eid afirmou que a política usada pela Uber é comum na economia de livre mercado: reduzir as tarifas para aumentar seu faturamento e atrair clientes. "Agora, os motoristas se sentem prejudicados e fazem greve, mas eu vejo isso como um tiro no pé porque (a redução de tarifas) gera uma publicidade instantânea para a empresa, que vai manter a tarifa baixa para agradar seus clientes", afirmou Eid.

Ele diz ainda que a relação de demanda e oferta só vai chegar a um ponto de equilíbrio e agradar ambos os lados quando as pessoas desistirem de trabalhar no Uber devido à grande quantidade de motoristas.

"O motorista do Uber hoje está insatisfeito porque ele quer comparar o serviço ao táxi. Mas ele deve se lembrar que o taxista comprou um alvará por R$ 100 mil (ilegalmente) e essa despesa afeta o lucro dele", disse.

Os motoristas reclamam que a grande oferta de carros do Uber, principalmente a versão mais barata, leva os profissionais a esperar entre 30 minutos a duas horas para fazer uma viagem. "Fora as balas e água que compramos diariamente para nossos clientes, gastos com limpeza do carro, terno e seguro", afirmou outro motorista à reportagem.

O Uber recebe 20% de cada uma das viagens de feitas de Uber Black (veículos de luxo) e 25% do Uber X (carros populares). A BBC Brasil apurou que a empresa não pretende reduzir sua margem de lucro e também não tem planos para reajustar a tarifa atual.

Sindicato

Um grupo de motoristas fundou há nove meses a Amparu (Associação dos Motoristas Parceiros das Regiões Urbanas do Brasil), o primeiro sindicato brasileiro de motoristas do Uber. O presidente, Nelson Bazolli, afirma que a intenção deles é apenas ter mais diálogo com a empresa norte-americana.

"Protocolamos diversos pedidos de reunião, mas a última reunião foi no dia 28 de janeiro. Estamos preocupados porque o motorista precisa trabalhar mais para lucrar, o que causa cansaço e pode levar a imperícias. Sem dinheiro, ele também não consegue manter o padrão exigido pela empresa e já começa a rodar com pneu careca e suspensão com avarias", afirmou o sindicalista.

Ele disse que não possui números da adesão de motoristas ao protesto desta segunda, mas condena carreatas e protestos feitos nas ruas. "Pedirmos apenas para os motoristas desligarem o aplicativo hoje (segunda-feira). Não concordamos com carreatas porque não queremos ser vistos como os taxistas", disse.

Bazolli, porém, não descarta novos protestos, "de forma mais incisiva", caso não haja negociação com o Uber.