Com algum exagero, bolsonaristas e petistas costumam ser colocados em lados opostos do espectro ideológico. Nesta semana, no entanto, eles ficaram coladinhos disparando críticas contra um inimigo comum, o Facebook. Aqueles tiveram uma rede de perfis e páginas falsas removidas de Facebook e Instagram porque enganavam as pessoas, enquanto estes tiveram contas barradas no WhatsApp por aderirem a "máquinas de disparo". O mais curioso foi ver duas das mais fortes correntes políticas do país passarem, em poucos dias, da posição antagônica que ocupavam para a desconfortável situação de defender condutas que, na prática, absolvem o outro lado. Mas vamos por partes. O que rolou?Para quem não se lembra, PT e o clã Bolsonaro já haviam sido flagrados compartilhando dos mesmos métodos. Na campanha de 2018, ambos recorreram a empresas de disparo automático de mensagens pelo WhatsApp. Desta vez, porém, foi diferente porque: - O PT foi apanhado sozinho: teve todas as suas nove contas suspensas do aplicativo por usarem ferramentas automáticas de envio, algo contrário às regras da plataforma. Recuperou quatro, mas...
- ... O mal-estar já estava gerado, ainda mais porque o partido defende o PL das fake news. E o Facebook não morre de amores pelo projeto. Só que...
- ... A legenda subiu o tom. Sugeriu que a empresa tem lado na disputa política: a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse estranhar as contas saírem do ar poucos dias após iniciar movimento para o impeachment do presidente...
- ... Bolsonaro, seus filhos Carlos e Eduardo, por sua vez, foram alvos do carinho do Facebook por outros motivos. Eles...
- ... estão ligados a pessoas que se passavam por jornalistas para espalhar conteúdo falso -- e muitas vezes fantasioso-- por meio de uma rede de contas, perfis e páginas no Instagram e Facebook. Não chegavam a botar a mão na massa, mas...
- ... empregavam os sujeitos que criavam posts dizendo, por exemplo, que a TV Globo inventava mortos de covid-19 e contrários ao ex-ministro Sergio Moro.
Por que é importante?Quando Tilt revelou as remoções feitas pelo WhatsApp aos canais do "Zap do PT", o partido reclamou da falta de transparência da empresa de Mark Zuckerberg. Hoffmann disse não saber pelo que o PT tinha sido penalizado e que não havia sido sequer notificado. Sugeriu que a livre manifestação da legenda estava sendo vedada. Os desafetos não perderam tempo. Acusaram a legenda de imputar aos outros as próprias condutas. Outros chamaram o partido de hipócrita. Não faço esse juízo de valor, mas poucos atinaram para uma evidente contradição. Ao dar seis votos para a aprovação do PL das fake news no Senado, o PT endossou um projeto que proíbe o disparo automático pelo WhatsApp, algo que a legenda foi flagrada fazendo. A falta de transparência também foi usada por bolsonaristas. Houve quem chamasse a ação (remoção de 35 contas, 14 páginas e 1 grupo no Facebook, além de 38 perfis no Instagram) de "absurda e autoritária" por não dar direito ao contraditório. Notou outra contradição passando diante dos seus olhos, leitor? Em câmera lenta: esse instrumento, o direito de defesa para decisões de redes sociais, está no PL das fake news. Mas o governo Bolsonaro, que pede agora por "ampla defesa", votou contra o projeto quando teve a chance. Não é bem assim, mas está quase láApesar de as reclamações de ambos os lados serem as mesmas, não peça para um deles avaliar se as críticas ao Facebook valem quando a pimenta está no olho do outro. Os três lados dessa história estão acuados como nunca. O PT ainda busca retomar lugar de destaque na oposição, hoje ocupado pelo próprio governo. O clã Bolsonaro tenta se desvencilhar das denúncias que batem à porta, da inação econômica e da sucessão de crises. Já o Facebook é acossado por anunciantes que cobram uma postura mais ativa no controle da disseminação de discurso de ódio. Com a ação desta semana, a rede social mostrou que suas regras valem para todos, inclusive para figuras próximas ao presidente do Brasil. Mas o recado a ressoar mais forte junto aos donos do dinheiro talvez tenha sido outro: no mesmo dia, uma cadeia de supremacistas brancos de um notório racista norte-americano foi derrubada pela segunda vez de Facebook e Instagram. Desculpa dizer, mas isso faz os dissabores de PT e Bolsonaro serem juntos não mais do que coadjuvantes na grande partida global que o Facebook vem jogando para limpar sua barra. Enquanto isso, as duas forças políticas batem cabeça a respeito de uma lei que pode mudar a internet brasileira, mas cujos desdobramentos parecem não ter sido captados inteiramente por ambos os lados. |