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Thiago Gonçalves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Medida desastrosa: como novos cortes de verba afetam a ciência brasileira

Konstantin Kolosov/ Pixabay
Imagem: Konstantin Kolosov/ Pixabay

14/10/2021 04h00

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Como muitos devem saber, na semana passada o governo modificou profundamente o Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) 16. Foi um duro golpe na ciência brasileira, que já contava com a verba a partir de acordo prévio entre o legislativo e o executivo. Vou tentar nesse texto explicar o impacto da medida.

Originalmente, o texto da medida destinava R$ 690 milhões para a pesquisa científica. Deste montante, R$ 655 milhões vinham do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), uma verba alimentada por impostos e que deveria ser aplicada exclusivamente em Ciência e Tecnologia.

No entanto, o governo vinha há alguns anos desviando a verba para outras finalidades como o pagamento da dívida pública. Após longa luta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e outras entidades acadêmicas, o Congresso determinou que o FNDCT deveria ser aplicado, novamente, na ciência.

Ainda assim, o PLN foi completamente alterado, e ministérios como o Desenvolvimento Regional e a Defesa Civil passaram a receber mais de R$ 100 milhões cada.

A produção de radiofármacos, um dos principais objetivos do projeto original, também foi beneficiada, com um total de R$ 82 milhões. Um gasto importantíssimo, sem dúvida, mas que não está ligado à descoberta científica per se, e sim à saúde pública.

Para a ciência propriamente dita? Parcos R$ 7 milhões, ou pouco mais de 1% do total previsto originalmente.

A medida é desastrosa porque compromete compromissos assumidos anteriormente, como a manutenção de pagamento de bolsas a pesquisadores. Não sei dizer como isso será mantido até o fim do ano.

Outro exemplo fundamental é o Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Tradicionalmente, essa é a chamada mais democrática para financiamento à ciência no país, por ser, como o próprio nome indica, "universal": todos os cientistas de todas as áreas podem solicitar o auxílio.

Por falta de verbas, o Universal estava suspenso há alguns anos. O seu retorno havia sido comemorado pela comunidade acadêmica no país.

Porém, o novo formato da chamada já vinha sofrendo críticas. As verbas previstas eram de R$ 250 milhões. Pode parecer muito, mas levando-se em conta a duração de quatro anos por projeto e a recém-instituída necessidade de grupos de cientistas, o teto seria de menos de R$ 10 mil por pesquisador por ano.

Comparem com os gastos anuais previstos de milhões de reais em laboratórios que buscam vacinas e tratamentos contra doenças como a covid-19 para entender a dimensão do problema. Em artigo na Folha de S.Paulo, Alicia Kowaltowski, Paulo Nussenzveig e Stevens Rehen, alguns dos pesquisadores mais respeitados do país, chamam o edital de "migalhas".

Agora, nem isso. A verba para o edital viria do PLN 16, e resta a dúvida se algum projeto será contemplado. Foram 30 mil pesquisadores brasileiros que se desdobraram para solicitar verbas, um trabalho que pode ter sido para nada.

O Ministério da Economia, que solicitou as alterações no orçamento, argumenta que as verbas disponíveis não estavam sendo utilizadas. Perguntem aos 30 mil pesquisadores, lutando pelas "migalhas", se concordam com essa afirmação.

Nesta semana, o ministro de Ciência e Tecnologia Marcos Pontes se diz surpreso com as alterações. Não é hora de surpresa e frases de efeito, é hora de lutar pela ciência nacional. É hora de enfrentar os seguidos cortes que sufocam e atrofiam a pesquisa brasileira.