Topo

Thiago Gonçalves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Opinião: apagão de dados do CNPq evidencia sucateamento da nossa ciência

CNPq é a principal agência de fomento à ciência no pais, e todos os seus sistemas estão paralisados. - Marcelo Gondim e Carlos Cruz/Divulgação CNPq
CNPq é a principal agência de fomento à ciência no pais, e todos os seus sistemas estão paralisados. Imagem: Marcelo Gondim e Carlos Cruz/Divulgação CNPq

29/07/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Todos os sistemas digitais do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq), a principal agência de fomento científico no país, estão fora do ar desde o último final de semana. Pesquisadores de todas regiões no Brasil demonstram preocupação com a situação, e com razão: estes sistemas fornecem todos os dados para a implementação de bolsas e financiamento, e sem eles tudo fica parado.

Informações desencontradas não oferecem qualquer alento. Não sabemos a extensão dos danos ou quando podemos esperar que o sistema volte a funcionar. Quais são exatamente as consequências para a ciência brasileira?

Muitos pesquisadores reclamam, mas a Plataforma Lattes é um sistema que antecedeu vários bancos de dados semelhantes. Na prática, ela funciona como um LinkedIn da ciência, onde todos os pesquisadores inserem seus dados de maneira uniforme. Ali estão todos os nossos artigos publicados, nossas orientações de pós-graduação e os projetos de pesquisa, de maneira aberta e transparente.

O Lattes já foi utilizado até para verificar o currículo de ministros e membros do governo, contribuindo significativamente para sua eventual queda.

A ideia é excelente, já que facilita a construção de currículos de maneira idêntica para todos os cientistas brasileiros. Hoje, plataformas semelhantes, como a OrcID, oferecem funcionalidades semelhantes, demonstrando o pioneirismo do CNPq/Lattes.

O problema maior, a meu ver, está na implementação. O Lattes é um sistema de difícil acesso, lento, com navegação obscura, e sobretudo com preenchimento muito mais complexo que o necessário, com a exigência de detalhes sobre cada item que nunca serão utilizados por ninguém.

Já era hora de modernizar o sistema, mas fica aí o reflexo da falta de investimentos: para isso, seria necessário um investimento considerável por parte do CNPq, enquanto a realidade é de sucateamento e falta de verbas na agência.

Consequências graves

Da mesma forma, a própria falha computacional já demonstra a precariedade dos sistemas. Algumas fontes citam problemas com componentes da placa do servidor, mas com manutenção e investimento isso nunca aconteceria, pelo menos não por tanto tempo. Seja qual for o motivo da queda, é evidente como a gerência do sistema está sofrendo.

Pesquisadores temem perder seus dados do Lattes, o que seria um problema grave. Espero que isso não seja necessário, que haja backups de toda a informação, mas tendo em vista o tempo dedicado a montar o currículo de cada um, seriam dezenas de horas de trabalho perdido para cada cientista no Brasil.

Esses dados são utilizados por todo o financiamento à ciência no Brasil. Qualquer pedido de bolsa ou processo seletivo exigem, invariavelmente, o currículo Lattes, e sem isso não se sabe como esses processos serão afetados ou se serão temporariamente suspensos.

Isso sem contar a memória da ciência nacional que desapareceria.

Mas não é só o Lattes. Penso também nos bolsistas de pós-graduação, que hoje não sabem se vão receber seu salário em agosto devido aos problemas. Ou os pesquisadores que trabalhavam para solicitar algo do pouco dinheiro disponível para seus projetos, sem saber se o projeto foi apagado ou quando vão poder voltar a preparar suas propostas.

A ciência brasileira, que já andava mal das pernas, agora está completamente congelada.

No final, a queda dos sistemas do CNPq é um retrato do financiamento à ciência no Brasil: antiquado e vulnerável, sem alternativas, correndo sérios riscos de danos permanentes e irreparáveis, e sobretudo com cientistas de joelhos, impotentes, que nada mais podem fazer que torcer para que não haja um colapso irreversível.