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Thiago Gonçalves

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

O maior mistério de uma estrela de nêutrons é: o quanto pode ser apertada?

Ilustração de um pulsar, com intensos campos magnéticos que representam a estrutura compacta da estrela de nêutrons no centro - Nasa/ Goddard Space Flight Center Conceptual Image Lab
Ilustração de um pulsar, com intensos campos magnéticos que representam a estrutura compacta da estrela de nêutrons no centro Imagem: Nasa/ Goddard Space Flight Center Conceptual Image Lab

22/04/2021 04h00

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Você já parou para pensar quanto se pode apertar uma estrela de nêutrons? Bom, talvez não, não é exatamente algo comum de se pensar. Mas é um problema importante na astronomia, que tira o sono de muitos cientistas. O suficiente para que a Nasa crie um instrumento para investigar a questão.

As estrelas como o Sol produzem energia a partir da fusão nuclear. Esse processo gera energia e pressão que funcionam para aguentar o próprio peso da estrela, com toda a sua matéria. Mas o que acontece quando acaba o combustível para fusão nuclear?

No final da vida, as estrelas são sustentadas pelo que chamamos de princípio de degenerescência. De uma forma geral, é como aquela velha frase que afirma que "dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço": ao invés de serem "aguentadas" pela pressão interna, a matéria é tão apertada, tão comprimida, que não tem mais para onde ir.

E a densidade lá é realmente alta. As estrelas dez vezes maiores que o Sol, mais ou menos, tornam-se o que chamamos de estrelas de nêutrons ao final da vida.

Pensem em toda essa massa, bilhões de bilhões de bilhões de toneladas, em uma região de apenas 10 a 20 km, algo como o tamanho da ponte Rio-Niterói. Só uma colher de chá desse material corresponde a cerca de um bilhão de toneladas.

Nesse meio, algo estranho acontece. Estamos falando de átomos apertados uns contra os outros, exigindo o uso de mecânica quântica. Ao mesmo tempo, as densidades são tão altas que distorcem o espaço-tempo, o que requer a aplicação da teoria da relatividade geral. No entanto, as duas não conversam muito bem, e a Física começa a chegar numa fronteira pouco compreendida por nós.

O que acontece nesse regime? Será que os nêutrons são tão apertados que se fragmentam em quarks? E qual é exatamente o limite para que nem o princípio de degenerescência funcione mais, e a estrela exploda como uma supernova, deixando em seu lugar um buraco negro?

Foi para tentar responder essas perguntas que a Nasa criou o Explorador da Composição Interna de Estrelas de Nêutrons (NICER, na sigla em inglês), que está atualmente a bordo da Estação Espacial Internacional.

Os cientistas apontaram então o NICER para o objeto PSR J0740+6620, a 3.600 anos-luz de distância. J0740 (para os íntimos) é um pulsar, ou seja, uma estrela de nêutrons capaz de girar muito rápido —346 vezes por segundo, neste caso. É também a estrela de nêutrons mais massiva que conhecemos.

O instrumento é capaz de medir os feixes de raio-X que chegam da estrela. Mais precisamente, ele mede cada fóton de raio-X, medindo sua energia e o momento de sua chegada, com precisão de 100 nanossegundos. Essas medidas permitem então que os cientistas calculem a rotação da estrela e o campo gravitacional ao seu redor, podendo então inferir seu tamanho.

Comparando com resultados anteriores de outro pulsar, os pesquisadores concluíram que, embora tenha massa 50% maior, o seu tamanho é praticamente o mesmo, cerca de 26 km. Mesmo com o peso extra, a estrela não era capaz de apertar mais seu interior, o que desfavorece modelos como o mar de quarks no seu centro.

"O NICER não apenas está reescrevendo os livros sobre estrelas de nêutrons, mas também está revolucionando nossa capacidade de medir o tamanho de objetos muito pequenos a grandes distâncias", afirma Cole Miller, da Universidade de Maryland, líder do estudo.