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Ricardo Cavallini

"O Dilema das Redes": Facebook se defendeu, mas só levantou mais questões

Dawid Sokolowski/ Unsplash
Imagem: Dawid Sokolowski/ Unsplash

07/10/2020 04h00

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Como muitos de vocês, assisti a "O Dilema das Redes" na Netflix. Por acompanhar (e falar sobre esse assunto) há muitos anos, não vi nenhuma novidade. Também não curti a novelinha, intercalando entrevistas de profissionais reais e ex-funcionários com atores interpretando uma família afetada pelos problemas e consequências das redes sociais.

Mas a novelinha foi fundamental para explicar consequências de maneira bastante clara sobre como a rede funciona. Enquanto um ex-funcionário do Facebook fala sobre modelos, algoritmos e outras palavras que podem não dizer muito, a novela mostra exatamente como isso funciona na prática, dando exemplos claros de como a rede não é apenas uma ferramenta passiva, mas algo muito maior que isso.

Talvez por achar que não tinha nada de novo, fiz uma previsão errada, não achei que chamaria tanta atenção. Mas chamou. O assunto, nas próprias redes e fora dela, foi dominado pelo filme. Foi citado nas principais publicações, jornais, revistas, blogs e no almoço de domingo.

Com tanta atenção, o Facebook resolveu responder, soltando um documento que acusa o filme de ser sensacionalista, apontar uma visão distorcida e colocar o Facebook como bode expiatório de problemas sociais complexos.

No documento, o Facebook aponta sete erros que, segundo ele, foram cometidos pelo filme. Comento cada um deles abaixo.

Vício

O que o Facebook diz:
O Facebook constrói seus produtos para criar valor, não para serem viciantes.

O que eu acho:
No documento, o Facebook afirma que quer dar o controle para as pessoas e por isso fornecem ferramentas de gerenciamento de tempo. Mas é difícil acreditar nisso quando a inteligência de controle de notificações é limitada a ponto de você não poder nem evitar aquelas centenas de convites para grupos que você não se importa. Ou quando você clica em um vídeo na timeline e é jogado automaticamente para uma timeline apenas com vídeos virais. Ou quando o WhatsApp não te permite controlar as notificações de forma mais inteligente.

Nesse documento, eles dizem que em 2008 fizeram uma mudança que priorizou interações e que isso diminuiu o tempo em 50 milhões de horas vistas diárias. Mas no meu entendimento, priorizar interações significa investir em longo prazo para o número de horas crescer, pois quanto maior a interação, maior nosso desejo de permanecer na rede. Sem contar que "50 milhões de horas" significa perder 1 segundo por pessoa nos bilhões de usuários. É nada perto de todas as outras iniciativas. E o acompanhamos nas pesquisas são os números subindo. O ponto é mais simples. Os produtos, querendo eles ou não, são viciantes. O que eles estão fazendo para mudar isso de verdade?

Você não é o produto

O que o Facebook diz:
Você não é o produto, o Facebook é custeado por propaganda, por isso permanece sendo grátis para as pessoas.

O que eu acho:
A lógica é muito simples. Se é custeado por propaganda, o que eles entregam para os anunciantes é o meu tempo e a minha atenção. Então, eu sou o produto! A lógica da frase "se é de graça, o produto é você" é justamente essa. O resto é discussão semântica.

Algoritmo

O que o Facebook diz:
O algoritmo do Facebook não é maluco, ele mantém a plataforma relevante e útil.

O que eu acho:
Sim, mas mesmo se a gente concordar que vocês não fazem por pura maldade ou porque só se importam com o lucro, é possível concordarmos que deu ruim? E que já passou da hora de criarmos mecanismos para evitar os problemas?

Dados

O que o Facebook diz:
O Facebook fez melhorias em toda a empresa para proteger a privacidade das pessoas.

O que eu acho:
Sim, e com isso são 14 anos pedindo desculpas, segundo levantamento no The Washington Post. Na matéria, uma lista de todas as vezes que Zuckerberg pediu desculpas por suas falhas de conduta e falta de privacidade. Pediu desculpas em 2003, 2006, 2007, 2009, 2010, 2011, 2014, 2016, três vezes em 2017 e quatro vezes em 2018. Então, a questão é mais simples, querendo vocês ou não, não está funcionando.

Polarização

O que o Facebook diz:
O Facebook tomou medidas para reduzir o conteúdo que pode gerar polarização e lembra que não criaram este problema.

O que eu acho:
Sim, a polarização e o populismo já existiam muito antes do Facebook, mas ninguém está acusando vocês por criarem esses problemas, apenas por ter dado anabolizante com biotônico para eles.

Eleições

O que o Facebook diz:
Facebook fez investimentos para proteger a integridade das eleições.

O que eu acho:
Aqui eles reconhecem que cometeram erros em 2016. Erro no qual resultou em uma multa recorde de US$ 5 bilhões em 2019. A multa representou um valor tão baixo perto do faturamento do Facebook que as ações da empresa subiram quando a multa foi oficializada. Resultado? Zuckerberg ficou US$ 1 bilhão mais rico. Que grande multa essa. Agora eu que peço desculpas. Desculpe não confiar em você, mas você concorda que está difícil?

Desinformação

O que o Facebook diz:
O Facebook combate notícias falsas, desinformação e conteúdo prejudicial, usando uma rede global de parceiros de verificação de fatos.

O que eu acho:
Sim, sabemos que existe um trabalho grande de moderação, mas aqui existe uma contradição. Há nove meses, Zuckerberg disse que as pessoas devem ser "capazes de julgar por si mesmas o caráter dos políticos", defendendo a permanência de notícias falsas postadas por políticos. Isso mesmo recebendo uma carta assinada por 200 funcionários da empresa lembrando que liberdade de expressão e pagar para propagar notícias falsas não são a mesma coisa.

Há quatro meses, disse que o Facebook não seria árbitro do que as pessoas falavam. Justamente quando o Twitter começou a fazer checagem dos fatos e deletar alguns posts no Twitter feitos por Trump.

Então fico na dúvida, irão apagar ou não as fake news feitas por políticos?

Concluindo

Não, Facebook, ninguém está colocando você como bode expiatório de nada. As redes sociais são um problema social complexo sim, mas o Facebook é disparado a maior empresa nesse segmento. E, coincidência ou não, a que apresenta o pior histórico até agora. No Brasil, os aplicativos mais populares são WhatsApp, Facebook, Facebook Messenger e Instagram. Todos pertencem à empresa. Então você pode não ter gostado de se olhar no espelho, mas é preciso mudar.

Pedir desculpas praticamente todos os anos não resolve o problema. Talvez por isso, mudaram de tática. Essa é a grande novidade nesse documento do Facebook, eles pararam de pedir desculpas.