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Ricardo Cavallini

O que é privacidade quando até a Alexa serve como testemunha para a justiça

Detalhe da Alexa Echo Dot, da Amazon - HeikoAL/ Pixabay
Detalhe da Alexa Echo Dot, da Amazon Imagem: HeikoAL/ Pixabay

01/09/2020 04h00

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A justiça está analisando um caso que pode influenciar as próximas decisões relacionadas a coleta de dados em celulares e outros dispositivos de internet das coisas. No caso do assassinato de Marielle, a promotoria estadual acredita que os dados de geolocalização e buscas no Google por parte dos acusados pode ajudar a condenar os culpados.

Em caso ainda mais recente, a polícia encontrou no celular das filhas da deputada Flordelis, suspeita de ter assassinado o marido, diversas buscas no Google procurando dicas e onde encontrar veneno ou assassinos de aluguel.

Como vocês também sabem, tudo o que fazemos deixa rastro no mundo digital. O que você lê, onde você clica, quanto tempo demora, tudo, absolutamente tudo é registrado.

Em 2018, um caso de fraude ficou famoso nos EUA pelo fato do governo federal ter requisitado dados do servidor de uma câmera de segurança Google Nest para ajudar a condenar os acusados.

Em 2019 na Flórida, Silvia Galva morava com seu namorado e foi morta com uma lança no peito. Depois de uma discussão com seu namorado, a polícia foi chamada e encontrou ela morta com uma lança no peito. Seu namorado, que diz ser inocente, foi preso e acusado de homicídio em segundo grau. Ele alega que o ferimento foi acidental, mas a situação não está a seu favor. Foi então que seu advogado recorreu a uma testemunha improvável, a Alexa. Com um mandado, a justiça pediu as gravações do alto-falante Echo da Amazon.

O caso ainda não foi esclarecido, mas esta não foi a primeira vez que a Alexa serve como testemunha. Nem tão pouco se trata de um pedido incomum. Segundo a Amazon, somente entre janeiro e julho deste ano, foram 2.416 pedidos da justiça, a maioria teve colaboração da empresa com envio de informações parciais ou totais das gravações.

Com câmeras de segurança, assistentes pessoais, relógios inteligentes, registros de uso e gravações de uma série de outros aparelhos conectados, estamos cada vez mais distantes do anonimato.

Há 20 anos, escrevi sobre a mudança do conceito de privacidade. Em meu segundo livro, disse que "em um mundo conectado, onde tudo é gravado e nada é deixado de lado, ninguém será anônimo. Não teremos mais escolha sobre quem captura informação sobre a gente, pois todo mundo capturará informações. O importante será saber quem capturou, com qual propósito, sob quais circunstâncias e como vai usar essa informação. O conceito de privacidade vai mudar. Hoje, privacidade é o direito de permanecer anônimo. Amanhã, privacidade será o controle sobre a informação que nos identifica e nos descreve."

Em 2020, este é justamente o caminho que estamos seguindo. As novas legislações, tanto no exterior quanto aqui, trabalham intensamente nesse equilíbrio.

E que caiba sempre a justiça abrir as exceções, mas que a justiça também amadureça para entender como a tecnologia funciona e conseguir fazer o equilíbrio que proteja os cidadãos, mantendo a privacidade, mas provendo justiça às vítimas e à sociedade.

Este é um debate necessário cuja definição da lei não será suficiente. Precisaremos amadurecer o entendimento da justiça para criar jurisprudência com casos reais. Coisas conectadas não são novidade, mas só agora estão atingindo a massa e ganhando popularidade. Não será fácil, ainda mais no Brasil, com uma justiça que entende muito pouco sobre tecnologia, seus riscos, possibilidades e consequências.