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Ricardo Cavallini

Estava esperando o Vale do Silício e as startups nos salvarem? Errou a mira

DrAfter123/Getty Images
Imagem: DrAfter123/Getty Images

05/05/2020 04h00

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Com o advento da crise gerada pela Covid-19, tenho visto alguns artigos discutindo sobre a responsabilidade do Vale do Silício e das startups, bem como os riscos de delegar toda a fabricação para a China. Achar culpados e soluções mágicas é normal em tempos de crise, mas se queremos ter uma discussão pertinente, precisamos tomar alguns cuidados. Achar que o Vale do Silício esta sendo pouco ágil para resolver o problema da Covid é, para dizer no mínimo, infantil.

Primeiro, por acreditar que inovação é tudo igual. Existe uma diferença muito grande entre criar vacinas e criar satélites. Como esperar que os norte-americanos tenham grande capacidade para criar novas vacinas quando das maiores farmacêuticas do mundo, apenas uma é norte-americana? O que eles esperam? Que o Google ou o Elon Musk iriam criar uma nova vacina contra a gripe?

Em um futuro breve, a contribuição do Vale do Silício (e das startups) poderá ser gigante para a medicina. Com inteligência artificial e Crispr, teremos mais capacidade para prever e resolver problemas de saúde. De soluções baratas para detecção de epidemias até a cura do câncer. Sem esquecer a Internet das Coisas. Várias pessoas que foram salvas, porque o iPhone avisou sobre um problema no coração, é apenas um primeiro exemplo disso.

Mas quando olhamos para criar vacinas ou respiradores agora, a toque de caixa, não podemos esperar nada diferente. Makers e empresas estão criando rapidamente soluções como respiradores, mas escalar essa produção é um problema bem diferente.

E a produção ter sido centralizada na China não é exclusividade das startups. Nem tão pouco das empresas tradicionais. A China ter centralizado a produção tem mais relação hoje com o investimento estratégico do governo em fomentar esse ecossistema do que com mão de obra barata, como muitos acreditam.

Se até mesmo os EUA não foram capazes de manter a produção interna, imagine em um país como o Brasil que a indústria foi sucateada no último século. E com a tendência cada vez mais natural de exportar inimigos e demônios, acho relevante falar sobre isso. Começando por explicar que existem muitas discussões envolvidas nesse assunto.

A primeira delas é sobre para onde tem ido o investimento em pesquisa. Existe uma diferença grande de ciência básica de ciência aplicada. Como ciência básica é imprevisível, foi natural que os maiores investimentos fossem para a pesquisa que poderia rapidamente se transformar em produtos ou serviços.

Faz sentido que, neste momento, os EUA possam se dar ao luxo de ter essa discussão. Mas aqui no Brasil não é tão simples, pois nosso investimento em ciência e tecnologia em geral é pífio. Enquanto Estados Unidos e China investem cerca de meio trilhão de dólares em pesquisa e desenvolvimento, o Brasil investe cerca de 40 milhões. A Amazon sozinha investe metade deste valor.

Por isso precisamos ter cuidado para trazer essa discussão para o Brasil.

Segundo, enquanto eles se podem dar ao luxo de discutir sobre a cultura de startups e do Vale do Silício, aqui precisamos antes fomentar essa cultura. Precisamos entender rapidamente que as tecnologias exponenciais terão grande impacto na geração de PIB e dos empregos. Por isso precisamos mais do que nunca revolucionar a educação e fomentar o empreendedorismo.

Para isso, teremos que acabar com a burocracia em excesso, a corrupção generalizada, a educação deficiente e defasada, a legislação restritiva e os impostos em demasia e alta complexidade.

Alguns diriam que precisamos resolver a economia antes. Porém, a economia que não traciona é causa, mas também consequência, por isso deveríamos lidar com estes problemas já. O mesmo vale para os empregos. O empreendedorismo é a nossa principal arma nessa batalha.

Discutir sobre o povo nas ruas é apenas cortina de fumaça. A solução para a crise que virá é muito mais complexa. Enquanto ficamos em casa, os 3 poderes poderiam — e deveriam — focar nas reformas.