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No Instagram, artista dá cara à mulher negra da quebrada e sofre ataques

Bruna Bandeira recria o imaginário sobre a população preta no Instagram - Arquivo pessoal
Bruna Bandeira recria o imaginário sobre a população preta no Instagram Imagem: Arquivo pessoal

Flávia Santos

10/09/2021 04h00

A pedagoga e ilustradora Bruna Bandeira da Silva, 29, fez da sua paixão pela arte de desenhar um símbolo de representatividade e afeto para a população preta e periférica que a segue nas redes sociais.

Bruna é cria da Cidade Ipava, bairro da região do M'Boi Mirim, em São Paulo, onde se entendeu como mulher preta e periférica e ambiente no qual colocou em prática os objetivos e projetos que idealizou por tanto tempo.

Ela é a criadora do "Imagine e Desenhe", um perfil no Instagram que conta com mais de 500 mil seguidores e se tornou referência de arte digital por sempre ter como inspiração manos e manas pretas para protagonizar suas ilustrações.

A página foi criada em 2012, quando Bruna ainda estava no processo de formação acadêmica. No corre da faculdade e do trabalho, ela colocou em prática o sonho que a acompanhou pela infância de trabalhar com arte e poder frutificar a essência da quebrada em que viveu.

Sua família se mudou para a Cidade Ipava quando ela tinha apenas 4 anos de idade. Bruna nos conta que sempre se sentiu bem no lugar onde cresceu. "Gosto de como a gente se sente confortável na periferia. Na periferia, 'cê' se sente protegido, se sente em casa. A periferia tem aquele aconchego", afirma.

Entre muitas metas sonhadas pela ilustradora está a de fundar uma instituição para disponibilizar mais oportunidades aos moradores da quebrada.

"Um dos meus maiores sonhos é fundar uma instituição [que ofereça] informação, cursos, de uma forma que seja de fácil acesso para todo mundo. O que a periferia precisa é de orientação e oportunidade", diz.

Foi durante a infância que Bruna descobriu sua paixão por lecionar, levar informação e conhecimento ao próximo. Também nessa época foi diagnosticada com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Para ter uma válvula de escape, começou a desenhar. Não desenhar por si só, mas criar histórias e raízes através dessa arte.

Foi nesse momento que ela decidiu cursar pedagogia, para levar toda sua criatividade para a educação infantil.

Percebendo que aquilo era muito mais que um dom, em 2012, quando o Instagram era novidade para muitos moradores da quebrada, ela criou um perfil pessoal e uma página para o "Imagine e Desenhe", que no início era alimentado apenas com desenhos baseados em situações que aconteciam em seu cotidiano. Até então ela nem considerava uma página oficialmente profissional.

"Depois do fim de um relacionamento, aquela coisa adolescente, eu ia postar aqui! Desenhava todo dia. Fazia um personagem, pegava frases de música. Ai que coisa sofrida", lembra Bruna sobre suas primeiras ilustrações.

O processo para passar a ilustrar personagens negros foi bem intenso. No início ela desenhava meninos e meninas com a pele branca, e afirma que não tinha o entendimento de que aquilo poderia ser discutido e repensado.

Muitos passos foram dados para a página se tornar fonte de representatividade racial no universo das ilustrações.

"Depois de um tempo, entrei para uma casa de dança de pole dance, onde a líder falava sobre aceitação de seus corpos, falava sobre respeito com seus corpos, seus cabelos e suas raízes. Mas isso era só a base de tudo. Comecei a estudar, ir atrás de referências de mulheres pretas para poder ilustrar. E nessa transição, minha personagem mudou. Não conseguia ilustrar só personagens brancas", afirma Bruna.

Nesse meio tempo, a ilustradora passou a receber mensagens de seus seguidores pedindo para que ilustrasse também mulheres e homens negros. E todos esses fatores colaboraram para a construção da essência do "Imagine e Desenhe", que é levar, a oportunidade ao público de se identificar com as mensagens das publicações.

De 2012 até 2017 seus trabalhos e ações foram sem fins lucrativos, apenas atuando voluntariamente em prol de jovens da quebrada. Em 2018, foram abertas outras portas para o Imagine, seu nome foi levado até empresas e grandes marcas.

Até então, a página era apenas uma rede de apoio e atualmente possui projetos e parcerias com algumas empresas, instituições e marcas conhecidas, como a Google, Amazon, Telecine, Sesc, Instituto Avon, entre outros.

Em 2019, depois de muito esforço e trabalho tanto com a Imagine, onde realizou alguns projetos, quanto como educadora, ela comprou o seu primeiro iPad para profissionalizar ainda mais o seu trabalho, melhorando a qualidade na produção e da entrega.

Mas essas conquistas foram pausadas em 2020, quando Bruna e sua página sofreram ataques e linchamentos virtuais em que a acusaram de plágio. Como suas criações sempre foram inspiradas em alguém ou algum momento marcante, isso confortou a pedagoga em meio a tantas agressões verbais que sofreu na época.

"Meu psicológico ficou bem afetado. Foi quando eu vi que nem todo mundo está lá com você. Achei muito importante esse momento, que foi um divisor de águas e onde resgatei meu propósito. O que me salvou foi minha jornada, foi saber que eu sempre fiz feira, pintei instituição, fazia coisa de graça. Então sabia que meu trabalho não era virtual, meu trabalho era presencial", diz.

Foi preciso discernimento e cuidado psicológico para que toda aquela trajetória não acabasse. Bruna se reestabeleceu, relembrou a essência do "Imagine e Desenhe" e continua até hoje levando sua arte para os corações da quebrada.

Com base nisso, ela estruturou ainda mais o propósito do "Imagine e Desenhe", segue subindo conteúdos que representem as famílias periféricas, mas sempre reforçando que ter o contato com essas vidas e as levando para potencializar as ações são o combustível maior para que toda essa luta se evidencie cada vez mais.

"Hoje a Imagine é uma empresa registrada, bonitinho, e vivo há dois anos da minha arte, no Brasil e em meio à pandemia", diz.

Atualmente, Bruna Bandeira, além de viver da sua arte, faz parte do grupo Mulheres do Brasil, onde apoia as meninas jovens e periféricas em seus trabalhos e projetos de vida.