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Pedro e Paulo Markun

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Espaço no metaverso ajuda a saúde mental de quem sofre na vida real

Avatares do Help Club, ambiente no metaverso para lidar com a saúde mental e o autocuidado - Divulgação/Very Real Help
Avatares do Help Club, ambiente no metaverso para lidar com a saúde mental e o autocuidado Imagem: Divulgação/Very Real Help

Colunistas do UOL

10/04/2022 04h00

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No mundo real, há muitos acampamentos, resorts e grupos de ajuda psicológica para pessoas com dificuldades de relacionamento, depressão e outros problemas. Pois agora, existe um no metaverso. E o que é melhor, nem exige equipamento especial para ser empregado.

O Help Club foi lançado em outubro passado em versão beta e funciona (em inglês) nos Oculus Quest, mas também em PCs, Macs e iOS. O usuário cria seu avatar e com ele interage com outras pessoas na mesma condição em grupos ao vivo liderados por profissionais de saúde mental.

A ideia foi de Noah Robinson. Não se trata de um nerd empreendedor autodidata, mas de um doutorando em psicologia clínica na Vanderbilt University, em Nashville, Tennessee, EUA, que conseguiu financiamento do National Institutes of Health e da National Science Foundation para criar a plataforma e usá-la para o tratamento de transtornos por uso de substâncias.

Graduado na Universidade de Maryland, Noah explorou a relação entre choro e apego em 1.074 sessões de psicoterapia em sua tese de mestrado e descobriu que diferentes tipos de choro estavam correlacionados com o grau de apego entre os pacientes e terapeutas.

Depois de se formar, Noah passou dois anos no Departamento de Medicina de Reabilitação dos Institutos Nacionais de Saúde como pesquisador pós-bacharelado, onde fez uma pesquisa qualitativa entre pacientes com doenças raras e não diagnosticadas e desenvolveu ambientes de realidade virtual a serem usados com crianças com paralisia cerebral.

Help Club - Help Club - Help Club
Help Club
Imagem: Help Club

Mas por que razão Noah foi pensar em realidade virtual para tratar pessoas com dificuldades psíquicas ou psicológicas?

Melhor que ele mesmo explique, conforme seu artigo no site Road to VR:

"Quando eu tinha 13 anos, escapei para um jogo social virtual chamado Runescape. Logo quando cheguei à puberdade, percebi que era gay. Eu estava sobrecarregado com sentimentos de vergonha e ansiedade.

Vários anos carregando o fardo de estar dentro do armário, me senti sem esperança para o meu futuro e considerei acabar com minha vida.

Mas uma coisa me fez continuar: enquanto fazia amigos e subia de nível ao lado deles no Runescape, estímulos virtuais criavam verdadeiros golpes de dopamina. Esses acertos são um importante alvo de tratamento para a depressão.

Na terapia, ensinamos os pacientes a se envolverem em comportamentos recompensadores para aumentar a motivação e potencialmente superar a depressão.

Passei a maior parte da minha adolescência, quase 10.000 horas, vivendo neste mundo virtual. Dentro eu poderia construir uma identidade virtual em um mundo de fantasia onde a identidade sexual não era um fator.

À medida que ganhei confiança no mundo virtual, acabei criando meu primeiro clã, que cresceu constantemente em tamanho. Embora consistisse em 400 'estranhos' na internet, eles eram meus amigos mais próximos.

Eventualmente, senti pertencimento social e validação suficientes para sair do armário para eles. Meus amigos me aceitaram, mesmo sabendo do meu segredo mais profundo e obscuro.

Passar por esse processo praticamente me capacitou a sair do armário no mundo real e, eventualmente, superar minha depressão.

A partir daquele momento, eu sabia que queria dedicar minha vida a construir experiências virtuais que fossem tão atraentes quanto um videogame, mas também tão eficazes quanto uma terapia."

Noah diz que o Help Club está apenas começando e está convencido de que um ambiente seguro e supervisionado pode literalmente mudar a vida das pessoas:

"O Help Club foi projetado, desde o início, para apoiar a saúde mental. Estamos treinando pessoas empáticas comuns para liderar grupos de apoio e ensinar as ferramentas cientificamente validadas de uma abordagem que desenvolvemos chamada Cognitive Behavioral Immersion", diz

Noah explica que não se trata de terapia, mas de aplicar práticas desenvolvidas em clínicas e registrar as interações entre os participantes, de modo a evitar que eventuais trolls possam causar danos psicológicos.

O Help Club só aceita pessoas acima de 18 anos, mas nesses poucos meses de ação Noah percebeu que os menores também poderiam ser ajudados:

"Estamos começando a ver resultados empolgantes de nossa plataforma virtual de saúde mental. Está atraindo pessoas que precisam de ajuda; 53% de nossos usuários têm níveis (autorrelatados) de depressão clínica e 45% têm níveis clínicos de ansiedade. E estamos começando a observar a diminuição dos sintomas de depressão e ansiedade para quem passa tempo em nosso aplicativo", afirma

Noah diz que um membro do Help Club compartilhou publicamente a informação de que não conseguia sair de casa há quase três anos e que superou essa situação depois de conviver nos grupos do clube.

Outro estava tão deprimido que era incapaz de ir trabalhar e ficava na cama o dia todo. Duas semanas de participações diárias em reuniões do Help Club todos os dias e relatou que podia ir trabalhar pela primeira vez em muito tempo.

"Ele nos disse que tinha lágrimas nos olhos depois de voltar para casa do primeiro dia de trabalho, pensando em como o Help Club o havia levado até lá", afirma Noah.

Segundo ele, há outras experiências no mundo da realidade virtual, como uma comunidade de transgêneros desenvolvida no VRChat e grupos de Alcoólicos Anônimos dentro do Altspace VR.

Uma das vantagens é justamente o uso de avatares, que não só garantem a preservação da real identidade como possibilitam que os participantes experimentem outras personas, mais adequadas ao perfil identitário delas. Estão anônimas enquanto também sentem o apoio social imersivo dos avatares ao seu redor.

Embora essas plataformas possam fornecer ajuda, elas também podem causar danos se não houver moderação ou responsabilidade.

Essas plataformas também precisam proteger os menores, mantendo-os em ambientes seguros e moderados.

Noah reconhece que será preciso mais pesquisas, incluindo testes de controle randomizados, para realmente saber se o metaverso pode cumprir sua promessa de ajudar as pessoas a superar problemas da vida real.

Mas reafirma:

"Agora sei que existem milhares de outras pessoas como eu, procurando escapar para o metaverso para evitar, e talvez até curar, a dor da vida real."