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Pedro e Paulo Markun

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Metaverse Fashion Week 22: um festival inventado para ninguém

Colunistas do UOL

28/03/2022 10h16

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A semana de moda Metaverse Fashion Week 22 acabou ontem (27). E, para estes colunistas, foi um fracasso. Paulo já cobriu algumas semanas de moda no Brasil, tempos atrás, embora seu vínculo com o assunto seja escasso. Pedro nem isso.

E, embora todos os elementos supostamente estivessem ali: passarelas, marcas famosas, lançamentos exclusivos, quando a cortina se abre e o show começa, nada mais é do que um joguinho digital. Falta imersão, falta brilho e aquela sensação de deslumbre e importância presente no imaginário da alta costura.

Não é de todo inesperado, mas dado que o Metaverse Fashion Week 22 foi anunciado como nada mais, nada menos que "o maior evento digital de moda dos últimos tempos" ou "um fenômeno disruptivo", ainda que limitado ao mundo do luxo, a experiência segue sendo decepcionante.

Giovanna Graziosi Casimiro, chefe da semana de moda do metaverso chegou a afirmar: "(...) O MVFW22 será um momento no tempo em que o mundo da moda testemunhará o futuro da moda e como esse mundo permitirá que eles encontrem novos públicos, avancem a sustentabilidade da moda e reavaliem a diversidade e acessibilidade na moda".

O MFW22 não é o primeiro evento de moda digital. A plataforma Second Life, que foi apresentada como uma revolução ao ser lançada em 2003, realizou algo parecido no mês passado —mas com as criações de um único designer, Jonathan Simkhai.

O evento do Decentraland começou na quinta-feira, 24 de março. Trata-se de uma plataforma virtual descentralizada, como o nome indica e que não demanda qualquer tipo de óculos de realidade virtual para ser acessada — basta um computador e internet. Há de tudo um pouco nesse universo repleto de mundos, grande parte dedicados a joguinhos.

MVFW: Passarela Principal - Pedro Markun/Acervo Próprio - Pedro Markun/Acervo Próprio
MVFW: Passarela Principal
Imagem: Pedro Markun/Acervo Próprio

E a primeira Fashion Week digital foi apenas um deles. Com o mesmo layout de outros games, repleta de marcas conhecidas como Dolce e Gabana, Estée Lauder, Tommy Hilfiger, Elie Saab, Nicholas Kirkwood, Perry Ellis, Imitation of Christ, Estée Lauder, Etro, Hogan, Dundas.

Chiques e famosos disputam espaço com novos criadores, desconhecidos do mundo da moda tradicional, e que trabalham confeccionando roupas exclusivas para avatares, como DressX ou Auroboros.

Na Genesis Plaza, que teoricamente deveria ser o ponto de partida para outras experiências, o avatar de Paulo (que ganhou um nome genérico, pois é preciso pagar para escolher seu nome real no Decentraland) chegou a cruzar com muitos outros avatares andando para lá e para cá. A maioria, envergando o visual genérico.

E pior: questões técnicas ainda não resolvidas levam o Decentraland a travar com facilidade, dependendo do computador por onde é acessado. Paulo, pilotando um MacBook não teve maiores problemas. Pedro, a bordo de um PC rodando Linux, quebrou a cara várias vezes. Ambos enfrentaram, em escalas diferentes, o que parece ser o maior desafio para um dia tornar realidade a promessa de um admirável mundo novo onde passaremos mais tempo que no planeta Terra: a latência.

Numa explicação simplista, é o lapso temporal entre o comando e sua realização, que existiu no passado em qualquer computador, mas que o avanço da capacidade de processamento parecia ter eliminado. Em espaços compartilhados, como os do metaverso, ela é maior e demanda hardware que ainda não está disponível.

A empresa de tecnologia Intel estima que um metaverso completo exigiria um aumento de mil vezes no poder de nossa atual capacidade de computação coletiva.

Magnus Olden, CTO da Domos, uma empresa de tecnologia dedicada à machine learning (aprendizado de máquina com inteligência artificial), escreveu em artigo recente: "Remover os últimos 10% de latência variável é muito mais complexo do que remover os primeiros 90%. É como pedir a Usain Bolt para cortar mais um segundo de seu tempo de 100 metros."

Outro aspecto frustrante é o grau de imersão que a experiência oferece. Os avatares do Decentraland — ao contrário daqueles disponíveis no Meta— tem pernas e pés, mas o que se oferece é a imagem na tela do computador, como em qualquer joguinho e comandos de teclado e mouse que permitem aos bonequinhos caminhar, saltar, falar, acenar e fazer outros gestos, além de uma ferramenta que permite conversar com os coleguinhas. O teletransporte exige um clique, nada mais.

Mas, como na semana da moda não há tarefa a cumprir, monstros a abater, socos ou tiros a disparar, a coisa perde a graça em poucos segundos, pelo menos para quem não é um usuário frequente dessa realidade.

De graça, o Decentraland só oferece avatares padrão, o que fará com que você enfrente aquilo que seria mortal numa semana de moda verdadeira: encontrar alguém usando a mesma roupa. Ou até pior: cruzar e conviver com uma espécie de clone digital.

As roupas na plataforma, assim como os terrenos, os nomes e tantos outros itens são informações armazenadas na blockchain, criadas e guardadas como NFTs- outra sigla que esta em alta no momento.

Em galerias espalhadas pelo novo distrito da moda é possível encontrar alguns desses itens a venda, nas 'vitrines virtuais' temos um mix de lojas que remetem aos seus produtos físicos, com lojas focadas em vender roupas digitais.

MFVW: Forever 21 - Markun/Acervo Pessoal - Markun/Acervo Pessoal
MFVW: Forever 21
Imagem: Markun/Acervo Pessoal

Um macacão da Auroboros, uma das marcas exclusivamente digitais que compõem o desfile, está à venda - em edição limitada de 100 peças — por 700 MANA (a criptomoeda local) que, em reais, equivaleria hoje a mais de 8000 reais!

MVFW: Macacão Auroboros - Markun/Acervo Pessoal - Markun/Acervo Pessoal
MFVW: Loja Auroboros
Imagem: Markun/Acervo Pessoal

Parte do segredo dos mercados de luxo; vender caro cria uma sensação de exclusividade e importância. Mas como toda transação na blockchain é, por natureza, pública, é possível acessar o registro do item e descobrir que apenas 1 dos 100 foi vendido — para a designer Metagolden, que também veste uma série de acessórios criados por ela própria, compostos de colar, pulseira e 'asas de diamante' que, somados, custam cerca de 4500 reais.

Os colunistas saíram sem comprar nada e seguem ostentando seus avatares básicos.

Apesar disso, o diretor de criação da Decentraland Foundation's, Sam Hamilton, garante: "A moda e a alta costura são novas no metaverso. E o Decentraland está na vanguarda da moda digital e sob demanda desde o lançamento dos wearables de avatar em 2020. Desde aquela época, os criadores têm empurrado os limites técnicos e estilísticos da Decentraland wearables e criaram uma economia em expansão com mais de US$ 1 milhão em vendas de avatares wearables no ano passado."

Pode ser. Para os colunistas, há um fosso enorme a ser ultrapassado até que a experiência real em uma semana de moda digital seja mais próxima do que acontece (ou acontecia até o covid surgir) nas maiores metrópoles do planeta. Em 2021, estimou a Bloomberg, Nova York, Londres, Milão e Paris perderam mais de US$ 600 milhões com a realização de suas Fashion Weeks apenas em formato digital.

Paparazzi no MVFW - Markun/Acervo Pessoal - Markun/Acervo Pessoal
MVFW: Paparazzi
Imagem: Markun/Acervo Pessoal

E vale notar, que, há duas semanas, Paris voltou a ter o espetáculo ao vivo e a cores.