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Pedro e Paulo Markun

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

VR Church: como é o culto em uma igreja em realidade virtual

Ambiente do VR Church divulgado no site oficial da igreja - Reprodução/ VR Church
Ambiente do VR Church divulgado no site oficial da igreja Imagem: Reprodução/ VR Church

10/10/2021 04h00

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Deus pode ver tudo. Ele também pode fazer o que quiser em qualquer lugar.
(Provérbios 15:3; Hebreus 4:13)

Domingo, 3 de outubro de 2021, 19h57, horário de Brasília. Os colunistas estão diante de um prédio enorme. Pedro usa uma camisa florida vermelha. Paulo, uma jaqueta militar sem mangas. Sem muita conversa, vamos entrando.

A recepção é imensa e está vazia. Dentro de minutos, começará um culto religioso dentro do prédio. Avançamos. Uma placa com letras meio futuristas informa: VR Church.

O pé direito alto, as paredes brancas e um ar meio espartano lembram as grandes igrejas neopentencostais.

Mas estamos no AltspaceVR, um mundo virtual que estava prestes a fechar as portas quando foi comprado pela Microsoft em 2017 e que tem como foco os eventos ao vivo.

Para entrar, é preciso colocar um dos diversos dispositivos de realidade virtual disponíveis no mercado, tais como o próprio Windows Mixed Reallity da Microsoft, o Oculus do Facebook ou o HTC Vive, da HTC.

Para os curiosos, o universo até tem um acesso com um programa para Windows, que roda em 2D na janela do seu computador, mas você não vai conseguir entender a dimensão da coisa.

Apartados da realidade de nossos espaços físicos, é impossível anotar qualquer coisa e os colunistas aprenderam nessa primeira missa que, em eventos ao vivo, terão de encontrar um jeito de registrar as impressões —gravar lembretes no celular, por exemplo.

Outra premissa: precisamos ter um avatar. Paulo não encontrou um corte de cabelo parecido com o que usa e seu clone ficou com uma juba que não corresponde ao real.

Os empecilhos técnicos na detectação da posição do corpo resulta em avatares que não têm pescoço, braços, pernas ou pés, mas o rosto já ostentam alguma expressão, as mãos acenam e podem "apanhar" ou "lançar" objetos, disparar armas, etc. Pouca utilidade numa missa, portanto.

Se alguns querem semelhança e proximidade com sua aparência, muitos visitantes da realidade virtual escolhem figuras bem diferentes e veem nisso uma vantagem.

Avatares de Paulo e Pedro na VR Church - Pedro Markun/ Arquivo pessoal - Pedro Markun/ Arquivo pessoal
Avatares de Paulo e Pedro na VR Church
Imagem: Pedro Markun/ Arquivo pessoal

O salão principal da VR Church é um espaço amplo, luminoso e colorido. Depois de um grande saguão, entramos no templo, propriamente dito, onde cabem centenas, milhares de avatares. Naquele culto, havia 33 participantes.

É possível "sentar" em sofás coloridos ou ficar em pé (força de expressão, para figuras sem pernas) perto ou longe do púlpito não muito alto, onde acontece a pregação, bem embaixo de um telão.

Todos os microfones dos fiéis são fechados pelo aplicativo da igreja, mas os colunistas puderam continuar conversando (sem atrapalhar a missa) pelo sistema de comunicação paralelo do próprio Oculus.

Os outros fiéis parecem jovens, usavam roupas descoladas, bonés virados ao contrário. Todos têm um codinome. Um menu específico oferece emojis para serem liberados (coraçõezinhos, palmas etc.) sempre que alguém se sentir tocado por uma mensagem.

A maioria dos avatares tem a cabeça baixa e as mãos espalmadas, como quem reza. Uma canção vibrante, com palavras de referência bélica, ecoa no templo e o texto é projetado no telão.

Também é possível assistir a missa "voando" vários metros acima do solo. E mudar de lugar a qualquer momento.

Pedro apertou o botão de teletransporte e foi parar no púlpito. Ninguém o recriminou pela invasão e ele saiu dali rapidinho.

Quase metade do tempo da missa foi ocupado por recados do assistente do pastor, Chuck.

Ele explicou que a igreja precisa do trabalho de voluntários, para ajudar a construir mais espaços e cenários e também de dinheiro, embora o mais importante seja o amor.

Excitado, informou que os fiéis podem agora montar um coro, gravando o resultado para difundir em suas redes sociais e junto à família —um novo software permite isso, pois no AltspaceVR ainda há problemas de sincronização do áudio, o que impede, por exemplo, que as pessoas cantem juntas.

O pastor DJ. Soto não gastou muito tempo no púlpito, nem apresentou qualquer recomendação mais espiritual, digamos. Envergando um avatar bem mais parecido com ele próprio do que as primeiras versões, (que encontramos em vídeos do Youtube) sua conversa é envolvente.

Criado num meio militar, Soto estudou numa escola pentencostal, formou-se em estudos bíblicos, mas passou anos longe das igrejas, trabalhando como produtor em pequenas emissoras de TV.

A revelação veio ao cobrir a história de um grupo de jovens na GT Church, uma megaigreja pentecostal. Gostou do que viu, a ponto de se oferecer como voluntário para a igreja. O pastor também gostou do rapaz e criou um programa especial de residência que transformou Soto em pastor.

Em 2016, depois de experimentar um Oculus Rift de primeira geração, concluiu que a realidade virtual era um terreno virgem e fértil para levar a mensagem de Cristo. No final do ano, fundou a VR Church.

Depois de explicar que vamos acompanhar a segunda epístola de Pedro, Soto nos convida a deixar o salão principal do templo para entrar em outro espaço, onde os textos estão espalhados pelas paredes em grandes telas. A rotina padrão de uma missa é essa, eles leem e estudam juntos o capítulo da Bíblia.

A VR Church tem em seu conselho de direção pessoas que comandam pequenas empresas destinadas a ajudar outras igrejas a entrar no mundo da realidade virtual.

É o caso de L. Michelle Salvant, que se apresenta como CEO da LMichelle Media & BelieveVR, que criou com o marido, empresa especializada no uso de tecnologias emergentes de mídia para ajudar igrejas e ministérios a levar adiante sua visão. O casal está desenvolvendo uma plataforma de realidade virtual inédita, BelieveVR, para mostrar histórias de fé na RV.

Outro integrante do conselho é Nick Runyon, pastor comanda a Media Tractor, agência digital que apoia empresas e organizações sem fins lucrativos em todo o mundo criando e implementando estratégias digitais para ajudar as organizações a crescer.

O board da VR Church inclui ainda Christy Childers, que se diz colíder do grupo Christians @ Facebook, onde atende ao lado de pessoas que seguem Jesus e trabalham no Facebook em todo o mundo.

Em entrevista aos colunistas, após o culto, D.J. Soto disse que sua intenção é plantar igrejas onde as pessoas estejam e que cerca de metade de seus fiéis frequentam igrejas físicas.

Ele diz que a participação dos seguidores na VR Church vai além dos cultos: ajudam a programar novos espaços, contribuem com a logística, organizam eventos e transmitem os atos para várias plataformas.

A VR Church tem cinco cultos diferentes nos finais de semana, mas Soto quer mais.

Ele acha que a realidade virtual vai se espraiar rapidamente, permitindo que tudo que acontece numa igreja física ocorra em sua réplica virtual e assegura: pretende continuar a ser um pioneiro nos próximos anos.

A empresa de Mark Zuckerberg tem parcerias com comunidades religiosas, como a megaigreja Hillsong, em Atlanta, nos EUA, as Assembleias de Deus e a Igreja Presbiteriana.

No futuro, imagina Zuckerberg, haverá um metaverso para as igrejas também.

Os colunistas não conseguiram mergulhar profundamente na experiência espiritual que a missa virtual promete. Parte, por conta de serem ainda novatos nesse mundo, parte por não terem lá grande intimidade com os atos de fé no mundo real.

Paulo foi coroinha nas missas em latim, fez primeira comunhão tardiamente e abandonou o mundo católico pouco depois —embora seja autor de uma biografia de dom Paulo Evaristo Arns.

Pedro foi batizado, mas tampouco frequentou muito os templos —experimentou outras denominações, sem aderir a nenhuma delas.

Mas tudo indica que não será por falta de evangelizadores que as religiões ficarão de fora do metaverso.

Amém, diria Mark Zuckerberg —ainda mais depois do que aconteceu no dia seguinte ao culto acompanhado pelos colunistas.