Como a Huawei driblou o embargo dos EUA e voltou ao Brasil após 6 anos?

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A Huawei retornou nesta semana ao mercado brasileiro de celulares, seis anos após ter deixado o Brasil, estrangulada pelos efeitos dos embargos comerciais do governo dos Estados Unidos. Durante sua primeira passagem pela Casa Branca, Donald Trump proibiu empresas norte-americanas —e de alguns países aliados— de vender serviços e produtos para a chinesa. As medidas foram mantidas e intensificadas por Joe Biden.
Como é virtualmente impossível sobreviver no mercado dos smartphones fora da China sem figurinhas carimbadas como o Android, do Google, a empresa se recolheu ao conforto de seu mercado nacional. Isso apeou a Huawei do posto de segunda maior vendedora de celular do mundo. Gol dos EUA.
Retornar ao nosso país —e à América Latina— exigiu dribles aos vetos norte-americanos do tamanho de uma reconfiguração, de hardware e software, na linha de celulares. Nada simples —e em poucos anos. Mau sinal para o projeto "Make America Great Again", de Trump, que soterra o mundo em tarifas para obrigar empresas a produzir nos EUA. A retomada, uma vitória da China ao arrocho norte-americano, mostra, porém, que há alguns limites para a desenvoltura tecnológica chinês.

A Huawei começou a vender dois aparelhos, ambos dobráveis —aqueles cuja tela sensível ao toque se curva sem ser quebrada: Mate XT Ultimate Design, o único aparelho do mundo com tela dobrada em três; e o Mate X6. O primeiro custa R$ 33 mil; o outro, R$ 23 mil. O preço —assustador, não é?— decorre da estratégia da Huawei, tanto quanto as táticas para se desvencilhar das amarras americanas, porque:
- A empresa escolheu voltar apenas com dobráveis, naturalmente mais caros, ainda que seu portfólio inclua smartphones tradicionais. Isso porque...
O que você faria se tivesse essa decisão em suas mãos? Retornaria ao mercado brasileiro de forma regular ou de forma espetacular com dispositivos únicos?
Carlos Morales, diretor de comunicação da Huawei para a América Latina
- O segundo fator: a manufatura deles é complicada. Fazer o Mate XT leva 22 dias, processo que a Huawei classifica como artesanal. Modelos tradicionais são feitos às centenas em um só dia. Por fim...
- ... Os aparelhos são importados da China, onde são vendidos por R$ 16 mil (XT) e R$ 9,2 mil (Mate X6). Como a Huawei tem zero planos de produzir nacionalmente, os tributos e custos de importação serão uma constante.

Se o P30, um dos últimos smartphones da Huawei vendidos no Brasil, tinha componentes de empresas norte-americanas como Google (serviços digitais), Micron Technology (memória), Qorvo (comunicação sem fio), Corning (display), Skyworks e Cirrus Logic (semicondutores), a história é outra com Mate X6 e XT.
No P30, não chegava a 1% os componentes de fornecedores vetados. De todo modo, foram substituídos na nova linha por itens feitos pela própria Huawei, por empresas da China ou de outros países não atingidos pelo embargo dos EUA. Crucial mesmo eram os serviços digitais do Google.
Antes mesmo do veto da Casa Branca, a Huawei já tinha um sistema operacional. Era o Harmony OS, que hoje é o cérebro dos celulares da empresa na China. Para outros mercados, a Huawei recorria ao EMUI. Essa é uma interface criada a partir de alterações do Android.
Ainda que seja uma plataforma de código aberto, o sistema do Google possui partes que são propriedade da empresa norte-americana. Usou, estabeleceu alguma conexão comercial com a companhia. Ou seja: infringiu a restrição imposta pelos EUA. O jeito para se livrar de vez dos norte-americanos foi turbinar a EMUI. Isso envolveu criar:
- serviços digitais próprios;
- diversos kits que rodam nos bastidores do celular para sustentar gráficos, segurança, conexão;
- uma nova galeria de apps e;
- uma integração de tudo isso com o Harmony OS para conectar com os aparelhos da chinesa --o sistema roda nos relógios inteligentes da marca vendidos no Brasil.
Por isso, quem espera encontrar Maps e o motor de buscas do Google vai achar Mapas Petal e Buscador Petal, feitos pela Huawei. Além do EMUI, a Huawei usava em seus aparelhos antes mesmo do embargo os processadores Kirin, desenhados por sua subsidiária HiSilicon e feitos pela chinesa SMIC.

Mesmo com todos os esforços, a experiência é "próxima do normal", admite a Huawei. Quem se acostumou com as últimas gerações de smartphone vai encontrar lacunas como as ausências de serviços com inteligência artificial generativa nas fotos ou na produção de texto e de aplicativos famosos na loja —interessados nesses serviços precisam recorrer a métodos alternativos.
Usuários podem instalar apps em seus celulares. Isso ajuda demais a Huawei, pois permite promover uma experiência próxima do normal aos usuários
Carlos Morales
Outra dificuldade a ser enfrentada pela Huawei é o segmento de aparelhos que ela escolheu em seu retorno. Há menos concorrentes, claro. Dos mais de 10 fabricantes operando no país, cai para três os que atuam com dobráveis: Motorola, Samsung e a recém-chegada Honor. Ainda que analistas vejam potencial de crescimento, estes smartphones respondem só por 0,1% das vendas no Brasil.
As pessoas estão começando a mudar a percepção sobre os dobráveis. Eles não são mais vistos só como aparelhos frágeis ou meramente adaptados. Agora, são vistos como alternativa real para o dia a dia
Carlos Morales
A Huawei compara os smartphones dobráveis aos PCs, que mantêm um certo ritmo de venda a despeito de terem a morte decretada várias vezes. Fora isso, a empresa vê o retorno como o início da construção de sua marca no país. Um celular que se dobra em três partes é uma vitrine e tanto, mas, vendido por R$ 33 mil, pode não passar disso. Até por isso, a chinesa não descarta trazer ao Brasil seus celulares menos espetaculares.
DEU TILT
Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo.
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