Com decisão do STF, Google prevê plataformas virando censoras da verdade

Ler resumo da notícia
(Esta é a newsletter Tilt. Inscreva-se gratuitamente para receber no seu email toda sexta. Conheça as demais newsletters do UOL. São dezenas de opções sobre os mais variados assuntos para a sua escolha)
Talvez você não tenha notado. Afinal, um ex-presidente ocupando o banco dos réus no Brasil ofusca tudo ao redor. Mas, na mesma semana em que Jair Bolsonaro depôs no julgamento da trama golpista, o mesmo STF (Supremo Tribunal Federal) tomou uma decisão histórica: plataformas digitais, incluindo redes sociais, passam a ser responsabilizadas no país pelo conteúdo publicado nelas por outros usuários.
Até agora, elas só respondiam na Justiça por posts, vídeos e imagens de terceiros caso descumprissem ordens judiciais de remoção. A reviravolta tem poucos precedentes no mundo, nem o STF definiu como vai funcionar daqui para frente e seus efeitos são imprevisíveis. Ainda assim, uma das principais empresas interessadas no assunto já rascunha cenários do que virá. A coluna ouviu de altos executivos do Google —alguns vindos do Vale do Silício ao Brasil para acompanhar o julgamento e o desenrolar do PL da IA— que o novo entendimento transformará plataformas em censoras da verdade e vai catapultar o volume de processos judiciais

O relato feito à coluna ocorreu antes de o STF ter formado maioria para responsabilizar plataformas digitais. Àquela altura, o placar já não era favorável às Big Tech. Durante a semana, porém, o que era prognóstico na boca dos executivos do Google virou visão de futuro, porque:
- Os ministros se uniram em um raro consenso para para aplicar uma goleada em favor da inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet --esse é o tal dispositivo que restringe a punição de provedores de aplicações na internet devido ao conteúdo de terceiros somente a casos de descumprimento de ordens judiciais. Até agora...
- ... O jogo está em 7 x 1 a favor da responsabilidade civil das plataformas. Com essa etapa decretada, o placar que conta agora é outro: qual tese vai prevalecer? Por ora...
- ... Está assim: inconstitucionalidade 3 x 4 inconstitucionalidade parcial. De um lado, estão Luiz Fux, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes; do outro, estão Luís Roberto Barroso, Flávio Dino, Gilmar Mendes e Cristiano Zanin. Essa segunda turma defende que o artigo 21 do Marco Civil da Internet passe a ser usado para punir as redes. André Mendonça votou pela constitucionalidade. Nas contas de executivos do alto escalão do Google, que se manifestaram sob reserva...
- ... Vença o grupo liderado por Barroso ou o engrossado por Moraes, o último a votar nesta quinta, o novo protocolo estabelecido pelos ministros vai obrigar as empresas a retirar do ar conteúdo que os usuários julguem ilícito ou ofensivo. E sem passar pelo Judiciário.
Definir o que é ofensivo é muito difícil, especialmente em um regime de responsabilização estrita no caso de você não fazer. Basicamente transforma as plataformas em censoras, e essa decisão sobre se algo é verdade ou falso deveria ser feita por tribunais
Executivo do Google
- ... Segundo esse funcionário, 15% das remoções de conteúdo do YouTube já são feitas a partir de requisições brasileiras. O Brasil é responsável, diz, por boa parte das batalhas judiciais que a empresa enfrenta no mundo todo. Com a decisão do STF, acrescenta, o número de processos tende a explodir.
Nós tivemos cerca de 600 ações judiciais no ano passado. Se o artigo 19 for revertido, esse número vira 6 mil, 600 mil, nós não sabemos. Mas certamente nos fará bem mais agressivos em remover conteúdo que nós não achamos que viola nossas políticas, mas alguém acha que ofende alguém em algum sentido
Executivo do Google
- ... Hoje em dia, o monitoramento do que pode ou não ser veiculado nas plataformas do Google é feito por inteligência artificial em conjunto com o trabalho humano. São quase 50 mil funcionários. Para evitar o que classifica como "exposição legal" à nova regra do STF, o Google tenderá a ser mais duro com o que é removido, diz o executivo.
Executivo do Google

Ainda que o Google construa cenários de como atuará, o jogo no STF não acabou. Faltam os votos de Cármen Lúcia, Edson Fachin e Nunes Marques. Ainda que concordem em alguns pontos, cada ministro fez suas próprias considerações de como as aplicações na internet terão de operar daqui para frente:
- Alexandre de Moraes: defendeu que plataformas, redes sociais e serviços de mensagens tenham as mesmas responsabilidades de veículos de comunicação e sejam responsáveis, civil e administrativamente, por conteúdos direcionados por algoritmos ou impulsionados por meio de anúncios pagos.
Há necessidade de constar que o Supremo Tribunal Federal, a partir desse julgamento, irá igualar, determinar que se iguale a responsabilidade legal das redes sociais, das big techs e dos serviços de mensageria privada. Devem ser legalmente equiparados aos demais meios de comunicação
Alexandre de Moraes
- André Mendonça: desconsiderou a responsabilização de redes sociais sem decisão judicial prévia e considerou inválido tirar do ar perfis de usuários, exceto os falsos ou flagrados em atividades ilícita; defende apenas que as plataformas devem identificar pessoas que violem os direitos de terceiros (Veja o voto);
- Cristiano Zanin: defende que o conteúdo deve ser removido sem decisão judicial se estiver "claramente configurado" algum crime, como os contra a honra; se houver dúvida razoável sobre a licitude do conteúdo, ele argumenta que as plataformas não sejam responsabilizadas (Veja o voto);
- Dias Toffoli: defende que as plataformas tenham responsabilidade direta em temas como violência contra crianças, terrorismo e incitação ao ódio. Nessas situações, classificadas como graves, as plataformas precisam derrubar o conteúdo de forma proativa. Para outros conteúdos ofensivos ou ilícitos, como racismo, as plataformas digitais devem agir assim que notificadas de forma extrajudicial. Em caso de anúncios falsos e violações a direitos autorais, as redes devem ser responsabilizadas (Veja o voto);
- Flávio Dino: defende punição caso não se exclua postagem a partir da notificação extrajudicial de um usuário. Para alegações de ofensas e crimes contra a honra, a plataforma só poderia ser responsabilizada caso descumpra decisão da Justiça para tirar o conteúdo do ar (Veja o voto);
- Gilmar Mendes: propõe que plataformas com grande controle sobre o conteúdo sejam responsabilizadas se não agirem após serem avisadas sobre algo inequivocamente ilegal. Da mesma forma, considera que os provedores possam responder na Justiça se não removerem conteúdos e contas que veiculem crimes graves, como discurso de ódio, racismo, homofobia, ideologias nazistas, fascistas ou odiosas e preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, religião (Veja o voto);
O artigo 19 do Marco Civil da Internet não é mais suficiente (...) Vejo como inconstitucional a interpretação de que o artigo 19 concede uma isenção absoluta de responsabilização para plataformas com alta interferência sobre a circulação de conteúdo
Gilmar Mendes
- Luís Barroso: sugere que as plataformas tenham o dever de cuidar (trabalhar para reduzir riscos sistêmicos relacionados a pornografia infantil; instigação ou auxílio a suicídio; tráfico de pessoas; atos de terrorismo; abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado) e removam de forma ativa conteúdos ilícitos, como crimes, assim que forem notificadas. Se falharem ao tomar as providências necessárias, podem ser responsabilizadas. Casos envolvendo a honra devem ser julgados pelo Judiciário.
- Luiz Fux: propõe um modelo de "notificação e retirada" de conteúdo, que contaria com canal de denúncia. Valeria para conteúdos ofensivos à honra, à imagem e à privacidade que caracterizem crimes (injúria, calúnia e difamação) e considerados ilícitos (discurso de ódio, racismo, pedofilia, incitação à violência, apologia à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e a golpe de Estado) (Veja o voto);

Sem dar detalhes, o executivo ouvido pela coluna disse que, com a decisão do STF, a vida de outras empresas, como as que mantêm redes sociais, tende a ser mais difícil que a do Google daqui em diante.
A Meta é a outra empresa que levou o Marco Civil da Internet a ter sua constitucionalidade avaliada pelo STF. Ela é dona das redes sociais Instagram, Facebook e Threads, além do aplicativo de mensagem WhatsApp.
O julgamento retorna em 25 de junho. Como Fachin promete um "voto equidistante de todos os demais", a decisão da tese vencedora ficará na mão de Nunes Marques e Cármen Lúcia.
Como nem um empate está descartado —pode isso, Arnaldo?—, até o fim do julgamento, todos os olhos do Vale do Silício estarão voltados para o Brasil.
DEU TILT
Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo.
TEVE TAMBÉM EM TILT
Deu Tilt #1
IA aprende a assediar e fazer bullying para forçar pessoas a pagar mais Leia mais
Deu Tilt #2
Reconhecimento facial vai matar tíquete aéreo, e isso pode ser um problema Leia mais
Deu Tilt #3
Tecnologia do século passado: Vem aí uma nova guerra dos browsers? Leia mais
Radar Big Tech #1
Marco Civil impactará mais o mercado do que a liberdade de expressão Leia mais
Radar Big Tech #2
Como a IA do Google está derrubando acesso a sites de notícias Leia mais
Radar Big Tech #3
Google impressiona com tradução 'ao vivo' em reunião, mas função é paga Leia mais
Radar Big Tech #4
Apple usa IA para tradução simultânea, mas Siri 'boa de papo' só em 2026 Leia mais
Radar Big Tech #5
Governo muda idade para usar Instagram e alega proteção a menor de 16 anos Leia mais
Diogo Cortiz
Os primeiros afetados: IA está implodindo a carreira de recém-formados Leia mais
Carlos Affonso de Souza
Julgamento do Marco Civil da Internet no STF espelha impasses democráticos Leia mais
Segurança
Viaturas da PM em SP poderão bloquear celular roubado a pedido da vítima Leia mais
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.