Apple alveja plano de Lula para o Cade: 'Evite importar regime estrangeiro'

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A Apple não poupou críticas ao plano do governo Lula de dar ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) maior poder para regular grandes empresas de tecnologia, as chamadas Big Tech.
Os reparos foram feitos nesta quarta-feira (19) durante uma rara audiência pública promovida pelo conselho —a última havia sido em 2018. O encontro pretendia levantar informações sobre suspeitas de práticas anticompetitivas promovidas pela Apple na loja digital App Store e pelo Google em sua loja Google Play e no seu sistema operacional Android.
Feitas pelo representante da Apple, as alfinetadas não mencionaram diretamente o plano do governo Lula, mas a intenção da estratégia, alguns de seus prováveis efeitos e até possíveis mecanismos a serem adotados.
Se, no Brasil, as empresas enfrentarem um ambiente regulatório de incerteza, consumidores e negócios correm o risco de perder o acesso imediato a tecnologias que impulsionam a economia próspera e bem-sucedida (...) O Brasil deve observar esses novos regimes regulatórios e cuidadosamente estudar os seus impactos antes de replicá-los indiscriminadamente
Pedro Pace, diretor jurídico da Apple para América Latina e Canadá
Um dos modelos de regulação em que o governo Lula se espelha é o europeu. Uma das ideias é o Cade classificar como "sistemicamente relevantes" as companhias com impacto em vários segmentos econômicos. Elas passariam a ser monitoradas de perto, teriam de comunicar decisões de negócio antes de implementá-las e deveriam cumprir exigências de transparência e abertura de suas plataformas.
O conceito de "sistemicamente relevante" foi "emprestado" da lei europeia conhecida como DMA (Lei dos Mercados Digitais, na sigla em inglês), que define as empresas consideradas "gatekeepers" de ecossistemas digitais.
Para fortalecer o Cade, a Fazenda quer alterar o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, incluindo reformas na Lei de Defesa da Concorrência.
Crítica ferrenha do DMA, a Apple chegou a adiar a chegada de serviços aguardados e amargou derrotas por causa dele na União Europeia. No primeiro caso, postergou a estreia do Apple Intelligence para cumprir uma regra de interoperabilidade para empresas menores também acionarem o sistema. No segundo caso, teve de concordar que consumidores pudessem baixar aplicativos de lojas que não fossem a App Store. A crise estourou mesmo quando a empresa foi obrigada a ver um app de pornografia poder ser baixado nos iPhones de seus clientes.
Nós esperamos que o Cade considere as peculiaridades do mercado brasileiro e outras evidências ao analisar como o país deve abordar concorrência no segmento digital (...) É preciso levar em conta a já elevada competitividade no mercado nacional e a necessidade de continuidade do sucesso do Brasil nessa área (...) A Apple também espera que o Cade evite a importação de um regime estrangeiro que iniba a capacidade da Apple de ofertar seus produtos e serviços e características incomparáveis
Pedro Pace
Segundo o diretor, a vantagem da Apple está em fornecer produtos que integram hardware, software e serviços. Para isso, a Apple exerce um controle ostensivo sobre as várias etapas de desenvolvimento de seus produtos, o que inclui a loja de aplicativo. Só que, neste caso, o sucesso são programas feitos por outras empresas, que precisam submeter suas criações ao crivo da dona do iPhone.
A revisão dos aplicativos por pessoas e não apenas por algoritmos é crucial para detectar ameaças à privacidade e segurança, porque analisa o que eles realmente fazem em vez do que eles dizem que fazem
Pedro Pace
Segundo a Apple, essa revisão retirou ou bloqueou 35 mil aplicativos que ofereceriam algum risco de fraude. A empresa calcula que, se fossem mantidos no ar, teriam causado um prejuízo de R$ 10 bilhões às pessoas.
O processo por prática anticompetitiva contra a Apple investiga justamente um dos aspectos desse controle. Está na mira a taxa cobrada sobre produtos ou serviços digitais comercializados em apps baixados a partir da App Store ou sobre o preço de apps pagos. O "pedágio", que chega a 30%, chegou a ser suspenso liminarmente pelo Cade no ano passado, mas a decisão foi revertida na Justiça.
A reclamação inicial partiu do Mercado Livre, mas, durante a audiência pública, engrossaram o coro outras empresas, como Epic Games, do game Fortnite, e Match Group, dona do Tinder.
Nada justifica que se cobre 30% da receita de desenvolvedora de conteúdo digital (...) A Apple é praticamente um sócio dos desenvolvedores
Priscila Brólio, representante da Match Group
Pace diz que cerca de 15% dos programas oferecidos na App Store estão sujeitos à taxa. Aqueles fornecidos por pequenas empresas encaram alíquotas de 15%.
Maurício Langoni, diretor sênior de desenvolvimento de jogos da Epic Games, reclama ainda que a Apple não permite outro meio de pagamento além do controlado por ela.
Na Europa, a Epic vende jogos para iOS também em uma loja própria e aplica taxa de 12% sobre as compras feitas pelo meio de pagamento garantido por ela, mas não fica com nada se o jogo for pago por meios alternativos.
O ecossistema está disfuncional porque Apple e Google controlam as lojas e os sistemas operacionais, assim como os programas e como os consumidores podem instalar os aplicativos e em quais termos
Maurício Langoni, diretor de desenvolvimento de jogos da Epic Games
Há três investigações abertas no Cade. Uma já em fase de processo administrativo contra a Apple, porque o Cade entendeu que há provas suficientes. As outras duas, ainda em fase de inquérito, são contra o Google por abuso de poder econômico do Android e para averiguar se reproduz na Google Play as práticas da Apple na App Store.
Durante a audiência, a diretora global de Google Play, Regina Chammas, adotou uma postura mais cautelosa e optou por apenas defender os produtos da empresa. Ela argumentou que o Android é crucial para democratizar o acesso a smartphones por ser de código aberto e gratuito e a Play Store promove ações de segurança que beneficiam consumidores e desenvolvedores.
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